The Sandman (Netflix)

No qual Anica conta mais uma vez sobre sua história com Sandman, tece comentários sobre a adaptação da Netflix e tenta mais uma vez guiar novos sonhadores.

Começamos no Mundo Desperto

Eu sempre conto a história de como láááá em 1998 eu e meu irmão matávamos aula do cursinho para visitar a Gibiteca, onde líamos Sandman a tarde toda antes de voltar para casa – o retorno sempre com aquela sensação esquisita de estar no limite entre o Sonhar e o Mundo Desperto, depois de tanto tempo lendo.

O que eu nunca contei, e porque eu simplesmente não lembro mais (hahaha), é como foi meu primeiro contato com Sandman. Quem foi que deu o empurrãozinho no meu irmão para fazer a carteirinha na Gibiteca? Nós fomos lá já procurando Sandman? Realmente não consigo mais lembrar. Então no fim das contas, Anica está tendo uma relação com uma HQ. Só uma daquelas coisas. Um encontro casual que se tornou importante para ambas.

E aí para quem acompanha de lá para 2022, deu para ver muitas tentativas de publicação no Brasil, muitos formatos diferentes. Também vários títulos novos complementando o que saiu nas 75 revistas anteriores, incluindo aí o maravilhoso Overture. E o mais importante: nos 24 anos em que conheço Sandman, já ouvi falar muitas, mas MUITAS vezes de uma possível adaptação. Tanto que quando anunciaram a série pela Netflix, eu só acreditei que realmente iria acontecer quando saiu o primeiro anúncio de nomes do elenco.

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Mitologia Nórdica (Neil Gaiman)

(Aviso amigo: não tem spoiler de Mitologia Nórdica por motivos óbvios, mas tem spoiler de Sandman e Deuses Americanos.)

É provável que com a série Deuses Americanos novos leitores acabem chegando até Neil Gaiman por um caminho diferente daqueles da década de 90, que o conheceram por Sandman. Mas a porta de entrada pode ser diferente, só que uma coisa não muda: em ambos os casos fica nítido o talento de Gaiman para manipular mitologias e a partir delas criar novas histórias.

Óbvio que para tal o escritor precisa de uma excelente bagagem sobre antigas lendas de várias culturas. E com Mitologia Nórdica podemos dar uma espiada no universo de mitos e lendas favoritos de Gaiman – isso nas palavras do autor no prefácio, vale ressaltar. E você percebe essa predileção pelo modo como ele reconta as histórias de Thor, Odin, Loki e os demais deuses, porque a voz que domina o livro não é a de um especialista, mas de uma pessoa encantada.

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Sandman: Overture

Conheci Sandman na época do cursinho. Matava aula para garimpar X-Men nos sebos do Largo da Ordem e de alguma forma acabei sendo apresentada à Gibiteca de Curitiba, onde os volumes publicados pela Editora Globo eram agrupados e encadernados por arcos. E se até hoje em dia eu sou toda fangilrzinha de Sandman (e do Gaiman?) é por causa de uma sensação que eu tinha toda vez que fechava um daqueles livrões e voltava à realidade.

Nunca consegui colocar em palavras e acho que não será agora que conseguirei, mas o ato de fechar o livro depois de ler Sandman era algo como ser jogada para fora de outro mundo. Se no caminho para o ponto de ônibus eu encontrasse um cara com cabeça de abóbora fumando um charuto, eu não ficaria assustada. É quase como se eu de fato saísse do Sonhar cada vez que parava de ler Sandman.

E se falo tudo isso é porque esta sensação, esse um pé no Sonhar e outro no mundo Desperto, acabou se repetindo no momento que acabei a leitura de Sandman: Overture. O que poderia ser considerado um arco “prequel” de Sandman foi publicado lá fora entre outubro de 2013 e novembro de 2015, os seis volumes estão agora saindo aqui no Brasil pela Panini como Sandman: Prelúdio (do que vi, parece que só dois volumes foram publicados até o momento). Eu tinha me animado já na época que o Gaiman foi ao twitter contar que estava trabalhando em histórias novas de Sonho, mas acabei enrolando a leitura porque a) queria ler quando a série já estivesse completa, b) esqueci que queria ler quando já estivesse completa. Foi uma conversa com a Kika (amiga que conheci por causa de Sandman 😉 ) que fez com que eu finalmente lesse. E bem, como disse: a sensação voltou.  Continue lendo “Sandman: Overture”

Trigger Warning: Short Fictions and Disturbances (Neil Gaiman)

Ler Trigger Warning (coletânea de contos e poemas de Neil Gaiman que saiu recentemente lá fora) é um pouco como reencontrar um velho amigo querido. Ok, um velho amigo querido, mas que provavelmente tem uma mania chata que 10 minutos após o reencontro te faz lembrar porque, no final das contas, você não retornou aquela ligação ou deixou a coisa no “vamos marcar!” sem nunca marcar nada.

Não entenda mal, não é que o livro seja ruim. É só que por conta de alguns textos fica um tanto irregular. Eu entendo o que Gaiman fala logo na Introdução sobre o conto ser o lugar onde o autor pode experimentar mais, o negócio é que em uma coletânea supostamente houve uma seleção e o que sai ali pode ser resultado de experimentos, mas suponho que sejam os melhores resultados. Não é o caso. Tem coisa ali que eu teria definitivamente deixado de fora, mesmo que o livro ficasse um tanto menor do que as 350 páginas da edição gringa.

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Neil Gaiman para crianças

Quando falei sobre O oceano no fim do caminho por aqui, comentei que fazia já algum tempo que Neil Gaiman não escrevia para adultos. De fato, se você for dar uma conferida na lista de ficção escrita por ele, perceberá que a balança está tendendo muito mais para o lado infantojuvenil do que o adulto. Já disse aqui e martelo quantas vezes precisar: não tenho problema algum com o termo, vejo mais como uma orientação para qual é o público mais adequado – e acredito de verdade que quando é bom mesmo, agrada qualquer idade.

No caso do Gaiman, volta e meia é justamente o caso: pode ser uma coletânea de contos como M is for Magic, pode ser um picture book como Cabelo Doido, um YA como O livro do cemitério, não importa. O negócio é que é divertido, realmente gostoso de ler e algumas histórias permanecem com você por um bom tempo depois da leitura (algo que acho que fala mais sobre a qualidade de uma obra do que o público-alvo, por exemplo).

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Melhores (e piores) leituras de 2013

Então, sem mais enrolações, a listinha do ano. Clicando no link do título do livro você poderá ler minha resenha (trocentos anos escrevendo sobre livros e ainda não gosto de chamar post de blog de resenha, mas vá lá), por isso o comentário aqui no post é mais breve. Só ressaltando que a lista não conta só com livros lançados em 2013, por isso chamo de “melhores leituras” e não “melhores lançamentos”.  E quando eu vi que ia dar uma roubada descarada com mini-listas, resolvi fazer um top 10 mesmo (só para explicar a quebra de ~~tradição~~, já que normalmente faço só top5). Vamos lá, para a lista:

MELHORES LEITURAS DE 2013

1. Haunted (Chuck Palahniuk)

Eu sou da opinião que livro bom é livro que fica com você mesmo depois de muito tempo, e Haunted é exatamente o caso. Li em junho mas ainda não posso ver uma piscina e não lembrar da história do Saint Gut-Free e aí consequentemente de como esse livro mexeu comigo. E é isso: a galeria de personagens criada pelo Palahniuk acaba te assombrando, objetos ordinários fazem com que você lembre dos relatos extraordinários de cada um dos confinados. Mas mais do que os contos que mostram o que fez com que aquelas pessoas fossem ao “retiro de escritores”, o comportamento delas no tal retiro é bastante chocante também, e acaba trazendo bastante questões sobre a natureza humana. Saiu no Brasil como Assombro, pela Rocco.

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Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas etc. (Vários)

Primeiro eu tinha ficado sabendo sobre um livro novo da Cosac Naify que traria um conto inédito de Nick Hornby e meu alerta de “quero ler” já começou a piscar. Depois fiquei sabendo que seria uma coletânea, que traria outros nomes além do Hornby, gente como Neil Gaiman, Lemony Snicket e Jonathan Safran Foer. Verdade é que eu não precisava de mais nada para querer comprar o livro, mas aí ele chegou nas livrarias com o hilário título Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas e algumas outras coisas que não são tão sinistras, quem sabe, dependendo de como você se sente quanto a lugares que somem, celulares extraviados, seres vindos do espaço, pais que desaparecem no Peru, um homem chamado Lars Farf e outra história que não conseguimos acabar, de modo que talvez você possa quebrar esse galho. Acabou que a vontade chegou quase junto com aquela promoção da Cosac com desconto de 50% e finalmente tenho o livro em mãos. Ansiosa, começo a dar aquela primeira olhada rápida que sempre dou quando chega livro novo. Primeira ponto positivo (que não chega a ser uma surpresa, já que estamos falando de Cosac Naify), uma dust jacket (aquela capa “solta” do livro, que serve para proteger a capa de verdade) muito bacana brincando com o longuíssimo título, e com uma proposta interessante: um conto iniciado por Lemony Snicket, para ser concluído pelo leitor e então enviado para a editora.

E então vou virando as páginas e vejo que os contos contam com ilustrações legais, que o livro mantém a proposta de levar tudo com senso de humor até quando chega lá no final, com “palavras cruzadas tremendamente difíceis” e, puxa, que vontade de ler tudo logo de uma vez. Foi o que fiz. Aí começaram as decepções. A número um foi ver que o conto de Neil Gaiman não era inédito, já foi publicado no Brasil na coletânea Coisas Frágeis, que saiu pela Conrad. O conto em questão é Pássaro-do-sol, que honestamente nem é meu favorito do Gaiman. Sobre ele falarei além, mas continuemos com minha segunda decepção: descobrir que o que tem do Snicket não é propriamente um conto, mas uma introdução (embora eu ache que possa ser lido como conto, apesar do aspecto fragmentado). Sim, é muito bem sacada e tenho certeza que falará muito bem com o público-alvo do livro, mas convenhamos, não é algo exatamente original: Neil Gaiman na introdução de Fumaça e Espelhos inclui um conto dentro da introdução, como um prêmio para os que leem introduções. Snicket faz algo parecido, e até divertido, mas eu sinceramente esperava algo diferente (embora sim, um sorriso tenha aparecido no meu rosto quando li o trecho “Socorro!” gritou o Rei da Terra dos Ursinhos. “Paul Revere está me batendo com uma caixinha feita de madeira brilhante!” Continue lendo “Foras da lei barulhentos, bolhas raivosas etc. (Vários)”

O Oceano no Fim do Caminho (Neil Gaiman)

Sei que quando falo disso pareço aquelas pessoas que visitam a praia pela primeira vez depois de anos de vida, mas vá lá, pense comigo em como a Internet mudou as coisas para todos nós. Começo de 2000 eu fiquei sabendo sobre Deuses Americanos de Neil Gaiman e como já era fã do autor por causa de Sandman, obviamente entrei no modo “OHMEUDEUSEUPRECISOLERESTELIVRO”. E aí eu ia todo dia na livraria perto da faculdade e perguntava “Já chegou Deuses Americanos?” e necas. E foram dias e dias assim, até que finalmente tive o livro em mãos. Agora no caso do lançamento mais recente de Gaiman, O Oceano no Fim do Caminho, não só acompanhei pelo twitter do escritor todo o processo de publicação da obra, como também tive o prazer de acordar na manhã do dia do lançamento e já ter o livro lá no meu kindle, me esperando. Isso para não dizer que eu tinha a opção de escolher entre o original e o traduzido, já que a Intrínseca lançou a tradução simultaneamente (e então os fãs que não leem em inglês não precisaram esperar meses para poder conferir o trabalho do Gaiman, certo?).

Enfim, sobre o livro. O Oceano no Fim do Caminho foi anunciado como o primeiro romance para adultos desde Os Filhos de Anansi. Gaiman de fato tem se dedicado mais à literatura infantojuvenil, com livros como Odd and the Frost Giants ou ainda, O livro do CemitérioEntão com um intervalo de seis anos, é claro que havia uma certa dose de expectativa. Eu estou frisando esse ponto porque normalmente quando criamos expectativa sobre algo, acaba que elas não são superadas e ficamos com um gosto amargo pelo livro “não ter sido tão bom assim”. Mas o fato é que esse não é o caso. Gostei tanto de O Oceano no Fim do Caminho que, quando vi que a porcentagem de leitura no kindle se aproximava dos 99%, comecei a me despedir das personagens junto com o narrador com lágrimas nos olhos. Sério. LÁGRIMAS. Neil Gaiman, seu puto, devolve meu coração.

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Sandman: Noites Sem Fim

Em 2003, quando Noites Sem Fim foi publicado, houve muita agitação por parte dos fãs de Sandman de Neil Gaiman. Não foi à toa: já tinham passado sete anos desde a publicação da última história do último arco, O Despertar, e mesmo assim algumas perguntas ainda estavam pendentes e, mais do que isso, aquele gosto de “quero mais” que a leitura de Sandman sempre deixa. Era a oportunidade de rever personagens queridas, de voltar ao Sonhar e ter uma pequena amostra do que aconteceria se Neil Gaiman não tivesse resolvido criar uma série com começo e fim. E o resultado não decepciona.

Dividido em sete histórias, cada uma com um perpétuo como personagem principal, Gaiman conta com um excelente time de ilustradores, um por capítulo. Em alguns casos a parceria inédita em Sandman rende ótimas surpresas (o que dizer de Desejo de Milo Manara, por exemplo?), e as já conhecidas satisfazem a nostalgia do fã. O trabalho ficou tão bom que além de ganhar diversos prêmios, ainda foi a primeira graphic novel a aparecer na lista de mais vendidos do New York Times. A seguir, comentários capítulo por capítulo de Noites Sem Fim.

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Cabelo Doido (Neil Gaiman & Dave McKean)

Desde o começo a parceria Neil Gaiman e Dave McKean sempre rendeu ótimos frutos, como por exemplo a excelente HQ Violent Cases, ou ainda no ótimo livro infantil Os Lobos na Parede. A química entre os dois é incontestável, e parece funcionar porque ambos tem um pé no que é sombrio e insano. E se você pensa que esse tipo de universo não funciona bem com histórias infantis, deve dar uma olhada no mais recente lançamento da dupla aqui no Brasil, Cabelo Doido, que chegou pela Rocco em dezembro do ano passado.

Sendo um picture book (lembra do seu bom e velha O Pote de Melado? Eles são assim: com frases curtas narrando uma história em ilustrações) é evidente que a arte de McKean acaba tendo um destaque maior. E não pense que por ser voltado para crianças que ele muda seu já famoso estilo, envolvendo colagens de uma forma distorcida e exagerada, lembrando um pouco sonhos (ou pesadelos). Mas mesmo assim o efeito combinado com o texto acaba sendo de um conto que pode ser lido sem maiores problemas pelos mais novos.

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