Sandman: Overture

overtureConheci Sandman na época do cursinho. Matava aula para garimpar X-Men nos sebos do Largo da Ordem e de alguma forma acabei sendo apresentada à Gibiteca de Curitiba, onde os volumes publicados pela Editora Globo eram agrupados e encadernados por arcos. E se até hoje em dia eu sou toda fangilrzinha de Sandman (e do Gaiman?) é por causa de uma sensação que eu tinha toda vez que fechava um daqueles livrões e voltava à realidade.

Nunca consegui colocar em palavras e acho que não será agora que conseguirei, mas o ato de fechar o livro depois de ler Sandman era algo como ser jogada para fora de outro mundo. Se no caminho para o ponto de ônibus eu encontrasse um cara com cabeça de abóbora fumando um charuto, eu não ficaria assustada. É quase como se eu de fato saísse do Sonhar cada vez que parava de ler Sandman.

E se falo tudo isso é porque esta sensação, esse um pé no Sonhar e outro no mundo Desperto, acabou se repetindo no momento que acabei a leitura de Sandman: Overture. O que poderia ser considerado um arco “prequel” de Sandman foi publicado lá fora entre outubro de 2013 e novembro de 2015, os seis volumes estão agora saindo aqui no Brasil pela Panini como Sandman: Prelúdio (do que vi, parece que só dois volumes foram publicados até o momento). Eu tinha me animado já na época que o Gaiman foi ao twitter contar que estava trabalhando em histórias novas de Sonho, mas acabei enrolando a leitura porque a) queria ler quando a série já estivesse completa, b) esqueci que queria ler quando já estivesse completa. Foi uma conversa com a Kika (amiga que conheci por causa de Sandman 😉 ) que fez com que eu finalmente lesse. E bem, como disse: a sensação voltou. 

Logo de início o que chamou minha atenção foi a arte (J. H. Williams III), sobretudo as cores (Dave Stewart). Sim, os arcos originais ganharam aquele tratamento novo nas versões Absolute como dá para ver na comparação a seguir (clique na imagem para ampliar):

Esquerda: Cores no Absolute
Direita: Cores originais

Mas note que apesar de ganhar um esquema de cores novo, na essência a arte é igual. Porque o Sandman da década de 80 foi criado dentro das limitações de material/impressão/etc. da época, ao contrário de Overture, onde o artista pode enfim fazer a representação que der na telha d’O Sonhar e outros lugares e está tudo bem, vai ficar bom (ótimo!!!) no papel. Para ter ideia do que estou falando, dê uma olhada nessa página (mas não leia nada para não tomar spoilers, hehe):

São páginas e mais páginas lindíssimas – dá vontade de “reler” não exatamente para ler, mas só para ver de novo alguns quadros. Tem uma entrevista com o J H Williams III comentando sobre o trabalho em Overture que vale a pena ler, é só clicar aqui.

E aí tem a história em si, perfeita para os fãs. Aliás, se for me perguntar “O que leio antes?” eu sugiro a ordem Sandman > Noites Sem Fim > Overture. Porque o Overture pode até funcionar como porta de entrada, mas você certamente perderá um punhado de referências ao que já foi publicado. Não nego: parte da graça está em pescar aqui e ali informações sobre o que veremos na série original.

Porque uma das qualidades do Overture como história é amarrar as pontas soltas. Por que Coríntio andava no Mundo Desperto agindo como um serial killer lá naquele arco d’A Casa de Bonecas? Por que o Sonho foi aprisionado tão facilmente pelos magos em Prelúdios e Noturnos? Qual a história de Alianora de Um Jogo de Você? Qual é aquela coisa de Sonho derrubar sangue da própria família? E por aí vai.

E Gaiman está afiado não só no modo como mescla várias mitologias para criar o universo dos Perpétuos e no desenvolvimento de ótimos diálogos, mas também no senso de humor. Há inclusive momentos em que ele parece tirar sarro da própria criação, como quando em uma reunião de vários aspectos de Sonho a personagem pergunta “Am I always like this?” ao que se segue:

Só que é como eu disse, ele pode até funcionar como porta de entrada (apesar da perda das referências) porque ele complementa a série original mas é uma história fechada. E talvez até por mais tempo para o desenvolvimento, acaba nos absorvendo de um modo que O Coração de Uma Estrela láááá em Noites Sem Fim não consegue fazer. Não é só name-dropping, um “veja só quantos personagens da série antiga eu sou capaz de inserir nesses seis capítulos”.

E eu adoro como Gaiman continua brincando com a semântica (e aqui vai um spoilerzinho básico do final de Overture, então talvez seja melhor pular para o último parágrafo), como acaba relacionando Sonho, Desejo e Esperança novamente. Sim, a Esperança lá duelo no Hellfire Club com o Choronzon, um dos melhores momentos de Prelúdios e Noturnos:

Essa “origem” de Hope e o que acontece em seu fim (em especial a fala da Estrela ao eliminá-lá) parece reforçar o poder das palavras para aquele que é, no final das contas, um criador de histórias. E nessa relação Sonho e Desejo, preciso dizer que mais do que a explicação sobre como Sonho foi aprisionado pelos magos em Prelúdios, o que realmente contou para mim em termos de prequel/relação com os arcos originais/etc. foi aquele epílogo com Desejo e Desespero. Até porque, convenhamos, a história de Sonho aprisionado é só uma entre várias que serão emolduradas pela história maior, que envolve justamente a aposta de Desejo de que Sonho derrubaria sangue de alguém da família.

E eu que sempre repeti que o melhor de Sandman é que Gaiman não ficou esticando a história além da conta, vou ter que dar o braço a torcer sobre o Overture. Não acho que fosse realmente necessário – as tais das pontas soltas poderiam ser preenchidas pelo leitor num exercício de imaginação. Mas não ser necessário não quer dizer (nem de longe) que seja algo ruim, pelo menos nesse caso. Gaiman entrega o que promete, sem decepcionar. Além disso, a sensação de voltar ao Sonhar foi tão boa que dá até para entender fã que fica pedindo sequências mil para suas personagens favoritas.

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