Heathers

Não, sério. Pense no que leva uma pessoa que mal tem tempo para assistir uma série e está lá com uma fila enorme de coisa para ver, a assistir a um filme de adolescentes dos anos 80 cujo título em português é um bizarro “Atração Mortal”? Eu ainda estou tentando encontrar a resposta do motivo pelo qual fiz isso, sério. Devo estar me punindo por alguma coisa, não sei. Vi algumas imagens do filme em um tumblr que sigo (btw, agora eu tenho um tublr também), fui pesquisar sobre ele, aí li que tinha a Brenda pré-Barrados no Baile no elenco, Winona Ryder e Christian Slater pequerruchos e por aí vai. Depois, vi qualquer comentário sobre “não existir Garotas Malvadas sem Heathers”, e como gostei muito de Garotas Malvadas, lá fui eu.

Mas a verdade é que infelizmente alguns filmes envelhecem (ou você envelhece para alguns filmes). Do começo ao fim não teve nada que realmente me prendesse à trama, que convenhamos, já foi mastigada diversas vezes pelo cinema, toda aquela conversa de quem é o popular da escola, o que sofre bullying, o que tenta ser popular e yadda yadda yadda. A “novidade” é que a que quer ser popular se junta com o namoradinho para ir matando os populares e fazer com que pareça suicídio.

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Lolita (Vladimir Nabokov)

Publicado originalmente em 1955, Lolita do escritor russo Vladimir Nabokov chega com nova tradução no Brasil pelo selo Alfaguara. São aí mais de 50 anos que dividem o momento da primeira publicação (após a recusa de diversos editores) para essa tradução de Sergio Flaksman. E mesmo com todo esse tempo, Lolita ainda é um livro moderno, que mais do que sobrevive ao tempo: consegue se moldar de acordo com o momento em que o leitor tem o livro em mãos.

Isso porque para quem passa da primeira parte do romance, fica mais do que óbvio que ele vai muito além do suposto teor erótico que marcam os primeiros momentos do livro. Nabokov chega a zombar no artigo “Sobre um livro entitulado Lolita” (escrito em 1956 e presente nesta edição da Alfaguara) que alguns dos leitores que abandonaram a obra o fizeram levando em conta a primeira parte, achando que a narrativa seguiria esse caminho. E complementa: “Se acharam ou não que seria pornográfico não me interessava. Sua recusa em comprar o livro baseava-se não em meu tratamento do tema, mas no tema em si, pois existem pelo menos três temas que são totalmente tabu no entender dos editores americanos.

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A Morte de Bunny Munro (Nick Cave)

É complicado começar a falar de A Morte de Bunny Munro sem comentar sobre o autor, Nick Cave, até porque a simples menção desse nome já explica a curiosidade de muita gente sobre o título. Ele é bastante conhecido como músico, através do seu trabalho com The Bad Seeds (sempre com canções envolvendo morte, religião e outros assuntos polêmicos), mas quando o assunto é arte ele não para aí: já escreveu roteiros e até atuou em certos filmes (dá uma conferida aqui) e lá fora já publicou dois romances.

A Morte de Bunny Munro é o segundo, porém é o primeiro que ganha tradução aqui no Brasil, dando a chance para muitas pessoas daqui conhecerem essa outra face do músico por trás de canções como Red Right Hand e Into My Arms. E para quem está com medo de se decepcionar, fica desde já o aviso: o escritor também sabe agradar muito bem seu público.

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Ficção de Polpa Crime! (Vários)

O lançamento mais recente da série Ficção de Polpa foi lançado com uma proposta bem definida, como já mostra o título “Crimes!”, dando lugar à sequência numerada dos anteriores. E se nos outros volumes mesmo com um tema principal (horror, ficção científica e conto fantástico) ainda assim os contos circulavam livremente entre gêneros, agora nesse quarto livro isso não acontece: são histórias de detetive, do começo ao fim. Outra diferença sobre os outros números da série é que o número de contos é menor, porém esses são mais longos (e todos são ilustrados).

Uma vez que são menos contos, é até possível falar um pouco de cada um deles. No geral, são todos ótimos e certamente agradarão aos fãs de histórias policiais, até porque são todos combinações de elementos já conhecidos desse universo literário, mas com enredos ou estilos de narrativas bastante inovadores, diferentes.

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Triste Fim de Policarpo Quaresma (Lima Barreto)

Alguns livros parecem estar ligados com nossas memórias dos tempos de escola. O problema é que nem sempre são as memórias gostosas como o recreio, as conversas com os melhores amigos ou a sensação boa de um bom resultado de uma prova. Tem momentos que ouvir nomes como “Dom Casmurro”, “Macunaíma” ou ainda “Senhora” causam um certo arrepio na pessoa, trazendo lembranças de leituras obrigatórias que resultariam em uma prova com perguntas idiotas como “O que disse a personagem x na página y?”.

É uma pena que muito da literatura em sala de aula ainda aconteça desse modo, afastando leitores não só da (excelente) produção nacional, mas às vezes do hábito da leitura em si. E a realidade é que mesmo dos que se salvaram desse modo antiquado de ensinar literatura, ainda assim não costumam dar uma segunda chance para livros que certamente o merecem, como é o caso de Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto.

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Eu, excluída digital

Quando você sai da classe “filha” para “mãe”, suas saídas passam a ser todas planejadas. Não rola mais aquela coisa de sair na loca, porque invariavelmente você terá que pensar o que fará com seu filho: vai levar com você? caso não leve, quem fica com ele? E já tem quase uma semana que eu planejei que hoje iria ao TRE, já que começaram a fazer recadastramento dos eleitores, para incluir foto e impressão digital e blablabla. Tem uma escala a ser seguida, que está sendo anunciada por tudo quanto é canto, e coube a mim, nascida em janeiro, estrear a bagaça – teria que fazer o recadastramento agora esse mês.

Então Arthur ficou com a vovó e lá fui eu para o TRE fazer o recadastramento, né. Camelando embaixo do sol, munida de endereço (R. João Parolim!) e toda a documentação que pediam (cpf, título de eleitor, documento de identidade e comprovante de residência), sigo meu caminho para o prédio do TRE. Quase na frente do prédio escuto uma mulher falando ao celular “Foi super rápido!” e fiquei toda animada. Chego na porta e sou recebida por uma enxurrada de estagiários. “Oi, o que você veio fazer aqui?”, pergunta uma delas com um sorriso no rosto.

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Ficção de Polpa Vol.3 (Vários)

E então você já está familiarizado com a série e sabe mais ou menos o que esperar do livro que tem em mãos. Pelo menos você pensa isso quando começa a ler Ficção de Polpa vol.3, da Não Editora. Mal passa a Introdução, já damos de cara com uma surpresa: a primeira história não é um conto, é história em quadrinhos! Com roteiro de Guilherme Smee e arte de Jader Corrêa, O Quarto Desejo abre a coletânea já mostrando qual será o tom predominante: o fantástico.

Talvez não só fantástico, mas também maravilhoso. Retomando a discussão proposta na Introdução de Contos Fantásticos do Século XIX escrita por Italo Calvino, em todas elas temos o elemento sobrenatural, que foge da nossa realidade. Mas a sutil diferença é que no caso do conto fantástico, temos uma explicação sobre os eventos da narrativa, enquanto no maravilhoso há pura e simplesmente uma suspensão da realidade, o leitor compra aquela história como “real” e aceita os fatos sem questioná-los. É mais ou menos o que acontece já com O Quarto Desejo, no qual temos um homem que pode fazer quatro desejos para um gênio: você não questionará se é possível a existência de um gênio, apenas seguirá os desdobramentos da narrativa.

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A gente esquece

Eu não sei bem o que me levou a isso, mas tentei resgatar a sensação de chegar em sala de aula. Não lembro. Não lembro mais como era colocar a mala sobre a carteira, o que fazia enquanto os professores não chegavam. Provavelmente ficava jogando conversa fora ou algo parecido. O caminho do portão do colégio até a sala, que fiz tantas vezes, aparentemente eu fazia no piloto automático.

Esqueci também de como foi que meus melhores amigos na época viraram meus melhores amigos também. A saber, estudei no mesmo colégio minha vida inteira, o que permitiu que eu crescesse com muitas pessoas ali, fora os “alunos novos” que eram agregados à família Nossa Senhora de Lourdes com o passar dos anos.

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As Intermitências da Morte (José Saramago)

No dia seguinte ninguém morreu. É como José Saramago abre o livro As Intermitências da Morte, publicado originalmente em 2005. O que se vê a seguir é o que aconteceria se a morte (sim, ela insiste no uso da letra minúscula) não cumprisse seus deveres. Inicialmente recebida como uma boa notícia, logo se percebe que “não morrer” não é exatamente o maior desejo do ser humano, visto que “não morrer” quando você está doente e sofrendo não parece uma boa perspectiva, por exemplo.

A partir dessa ideia das “férias” da morte, Saramago mais uma vez usa de sua língua ferina para criticar diversos setores de nossa sociedade e, por que não dizer, nós mesmos. Mas a crítica é feita com um senso de humor formidável, fazendo da obra talvez uma das mais leves que já tive a oportunidade de ler de Saramago, o que não deixa de ser irônico visto que lida com um dos nossos maiores tabus.

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Trilhas Sonoras de Amor Perdidas

Há cerca de 11 anos a Sutil Companhia de Teatro apresentava ao público a adaptação do romance Alta Fidelidade de Nick Hornby, chamada A Vida é Cheia de Som e Fúria. Foi paixão e identificação instantânea com aquela personagem cheia de falhas e com uma visão meio ácida do que tinha ao redor, que estabelecia relações entre a música e tudo o que vivia. Passado esse tempo, a Sutil chega agora no Festival de Teatro de Curitiba com o que seria a segunda parte da trilogia Som e Fúria, a peça Trilhas Sonoras de Amor Perdidas.

O importante a se destacar é que é uma segunda parte mas não é uma continuação. Do dono da loja de discos vamos agora para um sujeito que tem uma coluna em um jornal e trabalha em uma rádio, e que em mais uma madrugada sem conseguir dormir relembra o passado através de várias “mixtapes”, aquelas fitas cassetes que costumávamos gravar em tempos pré-internet. O humor de Felipe Hirsch continua presente, mas agora ao invés do resgate de memórias de ex-namoradas, temos um homem tentando se reconstruir após a perda da mulher que amava. Assim, a nostalgia é muito mais melancólica do que se via na primeira peça da trilogia.

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