Ficção de Polpa Vol.3 (Vários)

E então você já está familiarizado com a série e sabe mais ou menos o que esperar do livro que tem em mãos. Pelo menos você pensa isso quando começa a ler Ficção de Polpa vol.3, da Não Editora. Mal passa a Introdução, já damos de cara com uma surpresa: a primeira história não é um conto, é história em quadrinhos! Com roteiro de Guilherme Smee e arte de Jader Corrêa, O Quarto Desejo abre a coletânea já mostrando qual será o tom predominante: o fantástico.

Talvez não só fantástico, mas também maravilhoso. Retomando a discussão proposta na Introdução de Contos Fantásticos do Século XIX escrita por Italo Calvino, em todas elas temos o elemento sobrenatural, que foge da nossa realidade. Mas a sutil diferença é que no caso do conto fantástico, temos uma explicação sobre os eventos da narrativa, enquanto no maravilhoso há pura e simplesmente uma suspensão da realidade, o leitor compra aquela história como “real” e aceita os fatos sem questioná-los. É mais ou menos o que acontece já com O Quarto Desejo, no qual temos um homem que pode fazer quatro desejos para um gênio: você não questionará se é possível a existência de um gênio, apenas seguirá os desdobramentos da narrativa.

E falo disso porque um dos motivos da resistência que os contos fantásticos/maravilhosos enfrentam com relação ao público leitor é que aparentemente os leitores não familiarizados com o gênero apresentam certa dificuldade em simplesmente se deixar levar, aceitando esse pacto entre autor e leitor no qual pelo breve período em que você lê, tudo é possível. Aí busca-se no conto necessariamente uma alegoria, um “significado oculto”, quando a história busca em determinados momentos unicamente divertir.

E o terceiro volume de Ficção de Polpa deve ser lido com isso em mente, sem aquele pé na realidade que tanto acaba estragando o efeito de histórias piradíssimas (e muito, muito legais!) como a do sujeito vivendo dentro de uma cobra (Todas as cobras, de Emir Ross) ou de um prédio que ganha vida (O incidente do edifício 476, de Bruno Mattos).

Não é que a coletânea seja rasa, ou vazia de qualquer significado. Há de se reconhecer o mérito dos bons contadores de história, os que conseguem nos entreter e fazê-lo com qualidade. De qualquer forma, para os fanáticos por alegoria, é bom saber que é impossível ler Os melhores amigos (de Clarice Kowacs), Sonho de Consumo (de Ubiratan Peleteiro) ou Trabalho, chefe e um gole de café (de Luciana Thomé) sem captar uma crítica ao nosso modo de vida.  Ou mesmo Aos pedaços (de Rafael Spinelli), uma alegoria do fim de relacionamento. Por outro lado, há histórias que são simplesmente histórias, e mesmo assim ótimas. Tente ler Fabulosas inconsistências (de Felipe Kramer) sem um sorriso no rosto quando chega na conclusão do conto. Ou mesmo, tente não morrer de rir enquanto lê Um insalubre sozinho no escuro (de Cardoso).

E o bacana de quando você caminha pelo fantástico, é que sendo tudo possível, você pode brincar com outros gêneros. A Vila das Acácias (Silvio Pilau) e Indiferente à tragédia (Fernando Mantelli) seguem na linha do horror enquanto Duas fábulas (Lancast Mota) resgata a boa e velha estrutura dos contos de fadas. Recuperação (Antônio Xerxenesky) tem aquele quê de ficção científica e Pelos dentes da baleira (de Roberto de Sousa Causo) lembra as lendas indígenas que estudávamos na escola.

O conto que encerra a coletânea, Admirável Mundo Monga (de Samir Machado de Machado) de certa forma fez com que eu lembrasse de Algo sinistro vem por aí do Ray Bradbury – e que fique claro que isso é um elogio. Até porque quem foi criança nos anos 80 se apaixonará automaticamente pela história, que se passa nos tempos das balas xaxá e do chocolate lollo.

Assim, já em seu terceiro volume Ficção de Polpa continua sendo uma série deliciosa, diversão garantida para quem há algum tempo circula pela área do fantástico. Mas é também uma boa porta de entrada para quem ainda não leu muita coisa do gênero, até pela variedade de estilos e, o mais importante, qualidade dos textos. Além do que, nunca é demais lembrar: literatura nacional. Das boas!

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