125 Contos de Guy de Maupassant

Na apresentação dessa coletânea de contos de Guy de Maupassant publicada pela Companhia das Letras, Noemi Mortiz Kon conta que a educação literária do escritor ficou por conta de ninguém mais, ninguém menos do que Gustave Flaubert. A condição para ser aceito como pupilo é que escrevesse sem parar e que não publicasse seus primeiros textos. O resultado desse “treinamento” de Flaubert fica óbvio ao constatarmos o tamanho do livro (mais de 800 páginas) e a qualidade dos contos nele presentes. E se pensar que foram escolhidos (ou seja, outros ficaram de fora), temos aí um autor que realmente levou a sério a tarefa de escrever ininterruptamente.

Os 125 contos presentes na coletânea mostram o que há de melhor na prosa de Guy. Os grandes contos, mais conhecidos do público, como Bola de Sebo e O Horla estão lá, assim como obras geniais do horror, o caso do conto A Morta e Sobre a água. Retratos ácidos da sociedade em que vivia também ganham destaque, sempre com uma conclusão irônica a respeito do que foi contado.

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Demônio

Para vocês verem como é o tempo: coisa de uns dez anos atrás, se um filme chegasse com o nome M. Night Shyamalan, você botaria fé e correria para o cinema. Aí depois de tantos fracassos do diretor, quando sai algo dele você fica com aquele pé atrás de quem acha que tem mais o que fazer da vida do que ficar perdendo tempo com filme ruim.

Foi mais ou menos o que senti sobre Demônio (Devil lá fora), que chegou no Brasil no final de novembro do ano passado. Ok, é só o roteiro, não foi dirigido pelo Shyamalan, mas de qualquer forma o nome dele está envolvido. Por isso, fiquei enrolando o máximo possível até que resolvi dar uma chance, já que pelo menos o enredo parecia bem legal: cinco pessoas presas em um elevador, sendo que uma delas é o demônio.

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A Casa do Canal (Georges Simenon)

O belga Georges Simenon conta com um currículo invejável para qualquer escritor: são mais de 200 romances, 155 contos e 25 textos autobiográficos. Com tamanha produção literária, não é de se espantar que ele pegue um gênero e consiga sair da mesmice, fugindo das fórmulas básicas que se repetem em outras tantas obras de escritores variados.

No caso de A Casa do Canal, lançado em janeiro pela L&PM,  temos um romance policial que foge bastante das regras. A começar pelo crime – que parece não chegar nunca. Na realidade, Simenon chega a enganar o leitor, e quando você pensa que finalmente chegou ao “mistério” da história, logo mais vê que não era bem assim. Continue lendo “A Casa do Canal (Georges Simenon)”

Minhas Mães e Meu Pai

Eu não assisto muitas comédias, então sempre espero alguns sinais de que o filme vale realmente a pena para então conferir. Foi o caso de Minhas Mães e Meu Pai (The Kids Are All Right lá fora) que, confesso, só vi depois que ganhou dois Globos de Ouro: de Melhor Comédia ou Musical e o de Melhor Atriz de Comédia ou Musical (nesse caso para Annette Bening, embora a Julianne Moore também tenha sido indicada pelo mesmo filme). Eu sei, eu sei. Prêmios estão longe de ser garantia, mas pelo menos apontam um caminho, não é?

E Minhas Mães e Meu Pai (ô tradução de título mais medonha!) é um filme bacana. As personagens te cativam de um jeito que você quer que todas fiquem bem no fim, e por falar em fim você nem sente o tempo passar quando chega até ali. Não é aquela comédia típica que abusa de situações escatológicas como ficou tão normal com filmes como American Pie, embora tenha lá seus momentos de abusar do sexo para fazer graça, mas nada que estrague a história.

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Adoro Morrer (Tibor Fischer)

Nunca existira um livro que não contivesse fibras de outro livro.“, pensa o protagonista do conto O Devorador de Livros, um dos textos presentes na coletânea Adoro Morrer do inglês Tibor Fischer. E tanto isso é verdade, que há algo nos escritores britânicos nascidos ali pela década de 50 que apresenta quase que essa mesma “composição de fibras”. Os livros que eles leram desde quando eram jovens devem ser mais ou menos os mesmos, as músicas que ouviram, os filmes que assistiram. Enfim, suas referências ecoam em suas obras.

Digo isso porque tão logo comecei a ler o primeiro conto da coletânea (Comemos o chef) pensei na hora nos personagens meio perdedores do Nick Hornby. Aquele mesmo cinismo em se reconhecer “do lado errado” está lá, naquele mesmo tom coloquial bem próximo de uma conversa. Mas Fischer é mais ácido, muito mais ácido. E uma boa parte de seus contos tem alguns elementos que lembram filmes de Guy Ritchie (os bons, por favor!).

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127 Horas

Ok, vou virar groupie do James Franco. Depois que a atuação dele fez valer a pena um filme com um enredo bocó desses (sujeito sai para escalar, fica com o braço preso em um buraco por… ahn… 127 horas?) não tenho mais nada a dizer, entregue os prêmios para o rapaz, sim? Ok, os méritos não são só dele, é uma combinação de elementos. Mas que ele está muito bem  e dá conta de levar o filme praticamente sozinho, dá. É, apesar de que de forma mais leve, parecido com o caso da Natalie Portman em Cisne Negro: exigia muito do ator não só na questão da interpretação em si, mas fisicamente também.

Mas, como eu disse, 127 Horas é um bom filme não só por causa dele. Um dos fatores é a edição, que consegue fazer com que passemos da sensação de multidão para a solidão em um segundo, por exemplo. Isso para não falar do modo como os flashbacks são colocados (quase como alucinações de Aron), e o modo que cenas mais complicadas foram muito bem executadas (como quando Aron precisa beber a própria urina, ou bem, a famosa cena em que ele corta o braço).

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O Dom do Crime (Marco Lucchesi)

Poucas obras nacionais mexem tanto com o imaginário popular quanto Dom Casmurro, de Machado de Assis. Algumas vezes mesmo aqueles que terminaram o ensino médio com um certo trauma da obra, ainda assim embarcam em discussões sobre o romance, que invariavelmente acabam na velha pergunta “Capitu traiu ou não traiu?”. A crítica literária já se debruçou sobre essa questão, mas a verdade é que nunca há de se saber. E por não existir resposta que talvez tantos escritores busquem romancear sua visão do que aconteceu.

É o caso de Marco Lucchesi, com seu romance de estreia, O Dom do Crime. Tomando como ponto de partida um crime passional que ocorrera no Rio de Janeiro nos tempos de Machado de Assis (mais precisamente em 1866), Lucchesi acaba por nos mostrar através do romance que Capitu é apenas uma vítima em uma sociedade machista que ainda absolvia criminosos por crimes de “limpeza de honra”, tomando como referência a ideia de que Machado inspirou-se no crime para criar sua famosa personagem. Continue lendo “O Dom do Crime (Marco Lucchesi)”

Memórias do Subsolo (Fiódor Dostoiévski)

Sempre lembro de um momento em O Tempo e o Vento de Érico Verissimo no qual uma personagem dizia que O Capital de Marx era o livro mais citado e menos lido de todos os tempos. Se fôssemos esticar o raciocínio para um autor, tenho certeza que o campeão seria o russo Fiódor Dostoiévski. Por alguma razão que me escapa ele ganhou fama de “leitura difícil”, e por consequência quem o lê seria automaticamente uma pessoa inteligente. Portanto o autor consta em diversas listas de livros favoritos, muitas vezes mais como uma espécie de troféu “ah, eu venci essa leitura!” do que como uma indicação de prazer. O nome na lista não significa necessariamente que o autor foi lido, pelo menos não no sentido de imersão na obra.

Bobagem sem tamanho, tanto o medo da leitura (classificando um autor como difícil sem conhecê-lo) assim como usar leituras como troféu. De que adianta dizer que leu Dostoiévski se nada foi absorvido? E claro, isso vale para qualquer autor. Então, antes de descermos ao subsolo, vamos combinar isso: o importante é ler o que você gosta. Leia Dostoiévski sim, mas porque você deseja, e não porque vai parecer mais inteligente para outras pessoas. Continue lendo “Memórias do Subsolo (Fiódor Dostoiévski)”

Coisas Frágeis Vol.1 (Neil Gaiman)

Eu não sei exatamente qual era a intenção da Conrad ao partir Fragile Things de Neil Gaiman em dois. A impressão que fica após a leitura do primeiro volume é que a seleção dos contos e poemas presentes na coletânea do escritor inglês funcionariam muito melhor se viessem como no original.  Isso porque o primeiro volume ficou só com os contos (e uma novela), e alguns deles já apareceram em outras coletâneas de Gaiman, e também porque não respeita a ordem de apresentação da publicação original.

E Gaiman é cuidadoso, e a verdade é que há um ritmo que é criado a partir da ordem dos textos. Os temas também não se repetem, e assim a leitura fica menos cansativa. Resumindo: ainda acho que Coisas Frágeis deveria vir em um volume só, mas isso não significa que não seja bom. Alguns dos melhores trabalhos de Gaiman estão ali. Continue lendo “Coisas Frágeis Vol.1 (Neil Gaiman)”

A menina que não sabia ler (John Harding)

Há algum tempo aparecendo em listas de sugestões de leitura, estava bastante curiosa para conferir A menina que não sabia ler de John Harding. O problema é que sempre atrasava a leitura pensando que seria mais um drama como A menina que roubava livros (títulos similares, e convenhamos, não saber ler é triste). Então li uma resenha e fiquei sabendo que tratava-se de uma história de fantasmas. Na hora a curiosidade virou necessidade de ler e finalmente pude conferir o título.

Não me admira muito que resenhas, orelhas e tudo o mais que falem sobre o livro tragam à tona o nome do escritor Henry James. Apesar da tradução do título aqui no Brasil, o livro em muitos momentos é quase como se A volta do parafuso fosse recontado sob o ponto de vista das crianças, tamanha a semelhança com tema e estrutura. Continue lendo “A menina que não sabia ler (John Harding)”