A visita cruel do tempo (Jennifer Egan)

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Há alguns anos em Hollywood existia um tipo de “febre” entre os lançamentos, que era a criação de filmes que mostravam recortes das vidas de diversos personagens que acabariam se cruzando em determinado momento, em uma tentativa de passar para a telona a grande teia de aranha que criamos vivendo em sociedade. 21 Gramas e Crash são só dois exemplos de outros tantos que se sustentavam nessa premissa, que hoje em dia já nem é vista com aqueles ares de novidade.

Na literatura, porém, são poucos os que se arriscam nesse complicado exercício de recriar as relações humanas em seus mais diferentes níveis. E é nisso que se sustenta a força de A visita cruel do tempo, de Jennifer Egan1, vencedora do prêmio Pulitzer de 2011. O romance poderia muito bem ser lido como uma série de contos, mas a ligação entre as personagens alinha a narrativa, que tem como palavra de ordem as relações. Fora isso nada é linear ou, digamos assim, lógico: o tempo avança e retrocede, o foco narrativo muda, há diferentes estilos de textos e por aí vai. Continue lendo “A visita cruel do tempo (Jennifer Egan)”


  1. presença confirmada na FLIP de 2012. 

Cidades de Papel (John Green)

Eu sei que não vou contar nenhuma novidade, mas vá lá, você pode trocar o título do livro de John Green, mas parece que no fundo está sempre lendo a mesma coisa. Tipos de personagens recorrentes, temas que se repetem, ações de personagens que são similares. Pelo menos foi a sensação que tive ao ler mais um livro dele (agora a conta chega em três, fora Will Grayson, Will Grayson que eu abandonei logo no começo por motivos que agora não lembro). Cidades de Papel (Paper Towns) chegou agora ao Brasil mas foi lançado em 2008, dois anos depois de O Teorema Katherine. E antes que você pense  “aiquesaco, lá vai a Anica meter o pau no me autor favorito de novo”, calma aí. Acho indiscutível essa semelhança entre obras, coisa que até ele mesmo reconhece (dia desses em resposta para um anônimo no tumblr disse “They can get thematically obvious and repetitive“), mas isso não faz de um livro como Cidades de Papel algo ruim, daqueles que você sente que perdeu seu tempo lendo: é divertido e de certa maneira comove (calma, não tipo A culpa é das estrelas). É bom entretenimento, livro para te fazer se sentir bem.

A história aqui é sobre Quentin “Q” Jacobsen, que vive em Orlando. Na primeira parte eles nos descreve a amiguinha de infância Margo Roth Spiegelman, e um dia em que encontram em um parque o corpo um homem que se suicidara. Salto no tempo, agora ambos são adolescentes, mas aquela amizade da infância não existe mais: Q é platonicamente apaixonado por Margo, que virou uma das garotas populares da escola, em partes por causa de todas as histórias sobre sumiços e aventuras que ninguém duvida que sejam verdadeiras: Margo é uma lenda. E eis que uma noite esta “lenda” bate na janela de Q e pede ajuda para um plano de vingança. Só a noite em que os dois circulam pela cidade para dar o recado de Margo já valeria por si só o livro, tem aquele tom gostoso de Sessão da Tarde. Mas aí no dia seguinte Q, que tinha certeza que agora a amizade dos dois voltaria ao que era na infância, descobre que a menina desapareceu. Por conta da paixão que tem pela garota decide investigar por conta própria seu paradeiro, e é dessa investigação que temos a maior parte da história, e também a mais importante.

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Orange is the New Black

Seguindo o mesmo modelo de outras de suas produções originais como Hemlock Grove e House of Cards, o Netflix lançou em julho deste ano a primeira temporada da série Orange is the New Black. Aquela coisa: todos os treze episódios disponíveis de uma vez só, e caso você tivesse tempo e vontade de embarcar numa maratona, dava para ver tudo em um dia só. Eu me enrolei para começar a ver porque não estava achando que seria minha praia, mas elogios após elogios e algumas cenas que foram pipocando no tumblr acabaram me convencendo a dar pelo menos uma conferida. E aí já vem com essa abertura, com música de Regina Spektor composta especialmente para a série.

Então começa a história. Primeiro episódio (como sempre) serve para apresentar personagens, e aqui conhecemos a protagonista Piper, que por conta de um crime que cometeu na juventude agora precisará passar 15 meses em uma prisão. Fica nítido que a Piper que ajudava no contrabando de drogas não tem mais muito a ver com a Piper que está ido para a cadeia: a versão mais velha é uma figura caseira que está prestes a se casar com o namorado com quem já está morando. Leva uma vida no estilo meio dondoquinha, com os pais bancando as contas sempre que ela não consegue, fazendo dietas da moda só porque bem, são da moda. Aí você pensa que Orange is The New Black será sobre o choque de realidade criado com a chegada da americana rica, bem educada e branca em uma cadeia cheia de minorias. O engraçado é que com o tempo você vai percebendo que isso é o de menos ali. Sim, há um choque inicial, e Piper leva alguns episódios para se adaptar à nova vida, mas depois de um tempo você começa a perceber que ela já é parte daquele lugar, e que a história é sobre todas as mulheres que estão ali, não só Piper.

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Alta Fidelidade (Nick Hornby)

Durante a semana enquanto relia Alta Fidelidade, fiquei em dúvida sobre quando foi que li pela primeira vez. Tive que dar uma de Rob Fleming e mergulhar no passado, em anotações deixadas nas agendas/diários que eu mantinha na época. Aí lembrei: primeira vez que ouvi falar do livro foi em uma reportagem da TV Cultura falando sobre a peça A vida é cheia de som e fúria, uma adaptação da Sutil Companhia. Se eu não me engano, a peça estreou em 2000, então foi provavelmente neste ano que vi um trechinho em que Guilherme Weber falava sobre a música e a dor e nossa, falava de Smiths, minha maior paixão musical. Sabe quando você pensa “Isso foi feito para mim, eu preciso assistir esta peça, ou no mínimo ler o livro”? Pois então. Só que eram outros tempos. Já tinha internet, mas a velocidade da informação ainda era praticamente inexistente se comparar com os dias de hoje (quando um artigo da wikipédia acaba de confirmar que Som e Fúria é mesmo de 2000), então acabou que o que chegou mais rápido foi a adaptação para o cinema dirigida por Stephen Frears com John Cusack no papel principal (por coincidência, também de 2000).

Fiquei apaixonada, de ter algumas citações do filme escritas na agenda e por muito tempo aquela cena em que o Rob atacava o Ian foi piada minha e do meu namorado na época. Foi em outubro de 2001 que finalmente li Alta Fidelidade de Nick Hornby. É uma edição de 1998 da Rocco, com uma capa meio xumbreguinha, papel branco toscão mas que depois da primeira leitura, só emprestei para três pessoas: Alex, Sol e Fábio. Medo tremendo de perder o livro, porque nunca antes eu tinha me reconhecido tanto em uma história, e queria tê-la sempre por perto. Não que eu fosse tão fissurada por música como o protagonista, era mais em pequenos trechos que eu me via ali. Na época, eu tinha largado Jornalismo e começado Letras, estava naquela fase em que o namoro começa a entrar em crise e você passa a se arrepender de ter se afastado tanto dos amigos. Eu não estava exatamente infeliz, mas era um reflexo pálido do que era minha vida um pouco tempo antes. Então eu entendia o que Rob queria dizer sobre os habitantes de Pompéia, porque me sentia petrificada naquela situação em que estava para sempre. Entendia Laura e seu “Estou cansada demais para não estar com você”. Ou o que era ter uma Charlie em seu passado. Ou como era ser “o cara mais patético do planeta”. Enfim.

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Sonetos de Amor Obscuro e Divã do Tamarit (Federico García Lorca)

Alguns escritores parecem estar sempre por ali, chamando seu nome, para que você finalmente os conheça. Nomes que aqui e acolá se repetem com tamanha frequência que passam a ser familiares, mesmo que você nunca tenha lido algo do autor em questão, até que decida finalmente conferir. Um dos casos mais recentes que aconteceu comigo foi o do espanhol Federico García Lorca, que pude finalmente conhecer (sobre a oportunidade falo mais além). O interessante é que peguei o livro Sonetos de Amor Obscuro e Divã do Tamarit sem saber absolutamente nada do que esperar, por mais que o nome do autor já fosse conhecido. Literatura espanhola. Se tem soneto no título, é poesia. E meus palpites acabavam aí.

A primeira surpresa é uma “Apresentação do tradutor”, no caso William Agel de Mello. Sempre respeitei o trabalho dos tradutores, mas se tem algo para que eu realmente tiro o chapéu é para tradutores de poesias, e o que de Mello comenta nesse texto introdutório ilustra muito bem as dificuldades de quem tenta transmitir para outra língua os versos de alguém. Achei positivo esse destaque dado ao tradutor, porque dá uma sensação de terreno seguro que eu (pessoa que não fala absolutamente nada de espanhol) acabo precisando para começar a leitura. Logo adiante, a segunda surpresa: trata-se de uma edição bilíngue, o que deve ser um prato cheio para quem entende espanhol (de minha parte fiquei arranhando um espanhol com sotaque la garantía soy yo só para tentar sentir o ritmo dos poemas de Lorca, confesso).

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A garota que eu quero (Markus Zusak)

Opinião de um usuário da Valinor em 2007 sobre um livro do Zusak:

Zusak me pareceu muito pretensioso com o excesso de frases pseudo-impactantes, o que ele pareceu querer ressaltar com parágrafos de uma linha ou de poucas palavras. Tudo bem que ninguém espera alta literatura de um best-seller considerado infanto-juvenil em alguns países, mas os Harry Potter também têm as frases de efeito e funcionam. A diferença: elas estão à altura do mistério e suspense da história. (…)

Isso sem contar aqueles “poemas” intercalando (na verdade, quebrando) a narrativa com comentários absolutamente irrelevantes. Provavelmente a intenção era ser “diferente” ou “engraçado”, maaas…. hm.

Era sobre A menina que roubava livros. Eu, que estava completamente apaixonada pela história, encantada no estilo “Querer dar o livro de presente para todo mundo”, achei que a historia “evoluía”, portanto era apenas um caso de um mal começo. Então imagina qual não foi minha surpresa ao ler A garota que eu quero e lembrar das palavras do usuário e após reler o comentário dele, notar que é uma descrição perfeita desse livro? Ficou a dúvida: se o estilo de escrita do Zusak é tão ruim, porque A menina que roubava livros me conquistou (e comoveu) e no caso de A garota que eu quero eu só saí do entediada para ir para o irritada?

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True Blood: Sexta temporada

Hmkay. Será um post estranho, porque até o ano passado eu ainda costumava comentar os episódios de dois em dois, e este ano acabei preferindo deixar um comentário para o começo e outro para o fim da série e bom, deu no que deu. Vamos ver o que dá para fazer com isso. Considerando que este post comentará todos os episódios da temporada, acho que não preciso dizer que isso aqui está cheio de spoilers, certo? Ok, brulululur viagem no tempo, aqui temos as impressões sobre o primeiro episódio da temporada:

Mas divago. Importante é que eu estava com medo do que representaria a saída do Alan Ball para a série, mas aparentemente foi bom. Mas ok, meio cedo para comemorar. Mas relendo aqui o que escrevi sobre os primeiros episódios das temporadas anteriores, esse é by far o melhor de toda a série. Aliás, entrou na seleção de um dos melhores episódios da série como um todo, não só como inicial. Negócio é torcer para que o ritmo continue bom e que por favorzinho com queijo, sejam infundados esses boatos que andam se espalhando por aí de que essa temporada seria a última. Muita sacanagem acabar logo quando fica bom.

Negócio é: considerando todas as temporadas de True Blood, todas MEEEEESMO, esta tinha sido a melhor. Acho que foi um episódio mais ou menos para todos os outros bem legais, cheios de momentos marcantes, wtfs, e tudo o mais. De fazer você se empolgar mesmo com a história, e cada episódio ter um cliffhanger digno de season finale. Único ponto negativo era o drama Alcide/Sam, mas convenhamos, foi tão rápido que nem deu tempo de pensar “Ei, peraí, o Sam acabou de perder o amor da vida dele e já tá apaixonado de novo? O que colocam na água de Bon Temps?!”. Ok, deu tempo, mas eu sou chata com o plot dos lobisomens e shifters, então deixa pra lá. No final das contas, não cheirou e nem fedeu e, o mais importante, o tempo de tela foi beeeeeeeem mais breve do que costumava ser.

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É assim que você a perde (Junot Díaz)

Eu começo com um aviso porque não quero passar uma impressão errada sobre É assim que você a perde, de Junot Díaz. Vamos lá: eu gostei da obra. Há algo na prosa de Díaz que te faz não querer largar o livro, quase como se fosse abandonar alguém no meio de uma conversa, não sei. Mas há algo que me incomodou nos nove contos do escritor (do que falarei mais para frente), e além disso, a verdade é que eu ouvia tanto elogio sobre o cara, especialmente por causa de A Fantástica Vida Breve de Oscar Wao, que não dá para deixar de pensar que talvez eu tenha escolhido o livro errado para meu primeiro contato com Díaz. Mas ok, vejamos se eu consigo explicar meus incômodos, ou de como apesar desses, ainda assim chego aqui e digo que gostei do livro.

Como já mencionado, É assim que você a perde é uma coletânea de nove contos. Abre com uma epígrafe linda, citando Sandra Cisneros:

Tudo bem, a nossa relação não deu certo e, para ser sincera, nem todas as lembranças são boas.

Mas até que tivemos momentos felizes.

O amor foi legal. Adorei seu sono irrequieto ao meu lado e nunca sonhei com medo.

Deveria haver estrelas para grandes guerras como a nossa.

A epígrafe e o título do livro apontam para o tema principal dos contos, a unidade da coletânea: rompimentos. Certo? Não, calma. Há rompimentos, vários rompimentos, mas não pense que é só sobre isso, ou que segue o estilo comédia romântica de Hollywood, com o mocinho tendo um momento de iluminação e correndo atrás da mocinha para implorar perdão e que fiquem juntos novamente. Díaz finca os pés na realidade, e ao falar desses rompimentos, prefere partir para a pancada seca do que normalmente acontece do que um retrato falso das histórias de amor.

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Toda forma de amor (Beginners)

Oliver (interpretado por Ewan McGregor) chega aos trinta e tantos com uma série de revelações para lidar. A primeira é saber, um pouco após a morte da mãe, que seu pai era gay. A segunda, é que tão logo o pai conta este segredo para o filho, e decide finalmente viver, acaba recebendo um diagnóstico de câncer em estágio terminal. É ainda lidando com a perda do pai que Oliver conhece Anna, uma garota que também lá tem sua bagagem (e quem não tem?), e com quem ele aprenderá o quanto tem deixado o passado de outras pessoas tomar conta do seu presente. Isso é basicamente o que pode ser dito sobre Toda forma de amor (Beginners), filme de 2010 que chegou recentemente ao Netflix brasileiro. O problema do “basicamente” é que ele acaba deixando de lado uma série de detalhes que fazem com que o filme seja tocante sem ser piegas.

As atuações são fantásticas, com Christopher Plummer levando um Oscar por sua personagem Hal (o pai de Oliver), mas confesso que quem me encantou ali mesmo foi Ewan McGregor. Eu tinha até esquecido de como gostava deste ator. A personagem que ele interpreta requer que muito seja dito apenas com olhar e com poucas palavras, e mesmo assim ele consegue dar conta de tudo isso: a tristeza em uma festa cheia de pessoas, o encanto por conhecer alguém especial, a dor ao ver que o pai definhava aos poucos mas ainda assim lutava para que seus últimos momentos fossem felizes. A história simplesmente não funcionaria não fosse essa dupla de atores.

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Dublinenses (James Joyce)

Alguns escritores infelizmente carregam uma fama de “difíceis” por conta de uma ou outra obra. Digo infelizmente porque é a tal fama que afasta possíveis novos leitores não só da obra que seria a razão desse “estigma”, mas também de outras que ele possa ter vindo a publicar que nada apresentam de hermético ou, digamos, até complicado. O caso mais representativo disso é o de James Joyce, evidentemente. Você, leitor comum, que lê por prazer e não por qualquer obrigação “ego-acadêmica”, provavelmente leu o título deste texto e já torceu o nariz. Ih, Dublinenses do James Joyce. Lá vai mais uma pessoa falando desse cara que eu nunca vou ler porque todo mundo sabe que ele “escreve difícil”. Vamos então para a boa notícia: se o Luciano já afirmou que James Joyce não é tão difícil, tenha certeza que Dublinenses é nada difícil. E pode inclusive convencê-lo a tomar fôlego para as outras obras do irlandês. Mas estou me apressando, vamos por partes.

Primeiro que já tinha lido Dublinenses há alguns anos, em inglês. O fato de eu ter “conseguido” ler sem qualquer dificuldade no idioma original serve para atestar que você não terá nenhum bicho de sete cabeças em mãos caso decida conhecer esta coletânea de contos de James Joyce. Segundo que este mês surgiu uma ótima oportunidade de conhecer o livro, já que a editora Hedra acabou de lançar Dublinenses com tradução de José Roberto O’Shea, um dos grandes nomes da tradução literária no Brasil. A tradução foi publicada anteriormente 20 anos atrás, mas O’Shea teve a oportunidade de revisá-la de tal modo que o próprio tradutor na introdução diz “o texto aqui publicado configura uma nova tradução”. Saiba portanto que se esse será seu primeiro contato com James Joyce, você estará em boas mãos. Continue lendo “Dublinenses (James Joyce)”