A Head Full of Ghosts (Paul Tremblay)

aheadfullofghostsNão sou exatamente fã de listas intermináveis de atributos físicos de personagens (o famoso momento “e ele olhou para o espelho e viu um cara alto, de cabelos escuros, etc”), ambientações ou qualquer outra coisa que envolva descrições em livros. Confesso que meu cérebro costuma ignorar as informações passadas pelo autor, e aí eu meio que imagino as personagens como pessoas completamente diferentes do que é descrito no texto – por isso eu quase sempre sou a última no bonde da revolta na hora da comparação entre livro e adaptação para o cinema.

De qualquer forma, mesmo sendo rebelde e deixando de lado as orientações do autor, tem um tipo de livro que respeito e sigo direitinho até o fim: as histórias de terror. O terror depende muito disso, de você conseguir se transportar para o momento narrado, como se estivesse com outras personagens. Porque veja bem: terror (bom) vem armado de sutilezas, de pequenas sugestões, ideias plantadas em parágrafos que parecem cheios de irrelevâncias que vão crescendo em sua mente conforme a leitura avança. E Paul Tremblay me conquistou justamente por esse horror sutil em seu A Head Full of Ghosts. Assim, de desligar o kindle e ficar com medo de dormir com a luz apagada à noite.

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Autobiography (Morrissey)

A autobiografia do Morrissey saiu lá fora já tem quase dois anos. Os direitos de publicação aqui no Brasil são da Globo Livros, que prometia a tradução para abril do ano passado mãããs, numa pesquisa rápida no site da editora eu não encontrei nada. Não sei o que pode ter acontecido, talvez o problema envolvendo a venda dos direitos pela Penguin (que, surpresa, surpresa, deixaram o Moz descontente). De qualquer forma: quase dois anos, e eu ainda não tinha lido. Logo eu.

Sendo bem sincera, a verdade é que aquele primeiro parágrafo gigante me enchia de preguiça, o que vencia qualquer curiosidade sobre o que Moz tinha a dizer sobre a própria vida (já comentei por aqui, não sou do tipo que se sente confortável esmiuçando a vida pessoal de artistas). Não sei se vou conseguir explicar, mas é mais ou menos assim: por exemplo, o A Arte de Pedir da Amanda Palmer é bem bacana, e eu admiro horrores a Amanda (às vezes acho que até mais do que o trabalho dela). Mas me incomodou profundamente o tom de justificativa para hater que o livro acabou tomando. Não estou dizendo que com isso o livro ficou ruim, mas aquela pontinha da justificativa desnecessária está sempre lá, cutucando.

E eu achei que o Morrissey seguiria por esse caminho, uma espécie de carta de justificativa, um mero “dar a última palavra” sobre assuntos do passado. Porque mesmo que você não dê a menor bola sobre a vida do Morrissey, é impossível não ficar a par das inúmeras polêmicas em que ele acabou se envolvendo durante sua carreira. São muitas. O cara é um pára-raio de treta. Mas então lá vamos nós, começando na infância do músico…

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My Fat, Mad Teenage Diary (Rae Earl)

Quando era adolescente lembro que tinha um gosto especial por livros que seguiam o formato de diário. Passava horas acompanhando os dias de personagens como Susie e seu irmão hipocondríaco. Como toda adolescente leitora de Capricho da época, embarquei nos dias de Zlata (assar pão em uma panela :~~ ) e por aí vai. Foi meio o que me motivou a escrever diariamente sobre minha vida, por mais que pouco tivesse para contar de verdade (nunca precisei assar pão em panela, por exemplo). E a realidade é que tinha até esquecido como o formato me agradava até começar a ler My Fat, Mad Teenage Diary, de Rae Earl, livro que originou a série mais bacana que assisti este ano.

O legal de livros baseados em diários é que eles acabam mostrando bem a vida como ela é. Aquele sujeito para quem você não dava a menor bola de repente vira seu melhor amigo em pouco tempo. Algo que ocupava sua mente de forma obsessiva vai sendo deixado de lado. Um ano às vezes pode ser pouco tempo, mas para a vida de um adolescente é tempo suficiente para refletir dezenas de transformações, mesmo que às vezes o leitor fique sem um desfecho propriamente dito (o dia 31 de dezembro pode não trazer todas as respostas, mas convenhamos, poucos dias 31 de dezembro trazem para todos nós).

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The Versions of Us (Laura Barnett)

Tem uma cena que gosto bastante em Quase Famosos, se eu não me engano o empresário da banda estendia as mãos para o grupo. Uma estava fechada, na outra ele mostrava um isqueiro. E então ele dizia “You can have only one. Which one do you want? As long as you can’t see what is in this hand, you’ll always want it more.” e ele abre a mão e mostra que estava vazia. O que gosto dessa cena é que ela mostra um problema constante em nossas vidas: não temos como saber como seria se tomássemos uma decisão diferente, então quando as coisas vão mal por causa de uma escolha, tendemos a romantizar as outras possibilidades, enxergá-las como possivelmente as corretas, as que nos fariam felizes.

É esse exame das possibilidades que Laura Barnett traz em seu primeiro romance, The Versions of Us. Aqueles momentos que uma vez ou outra vemos em nossas vidas como decisivos, e tentamos adivinhar como seria “se…” eles não tivessem ocorrido, ou ao menos ocorressem de maneira diferente. Seguindo três versões das personagens Eva e Jim, que se conhecem em 1958, quando têm 19 anos.

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História de quem foge e de que fica (Elena Ferrante)

ATUALIZADO 28/10/2016: Aeeee chegooooou tradução pela Biblioteca Azul, o título ficou “História de quem foge e de quem fica” e a capa é essa coisa linda aqui à esquerda. Como ainda não reli o livro não deixarei comentários extras e as citações continuam em inglês, mas uma vez que esse é meu favorito da tetralogia, logo releio e atualizo aqui.

Então. Eu tinha um plano, ficar enrolandinho com minhas leituras mais ou menos até a última semana de agosto, quando então leria o terceiro livro da série napolitana, Those Who Leave and Those Who Stay. Aquela coisa: Elena Ferrante já tinha armado nos dois livros anteriores desfechos de deixar o leitor louco para partir para o próximo volume, assim eu já esperava por algo do tipo no terceiro – com a diferença que nesse caso seria obrigada a esperar até setembro quando só então poderia ler o quarto livro. Era um bom plano, mas não deu. Caí em tentação, fui “dar só uma olhadinha” e quando percebi já foram lá 50 páginas e bem, continuei.

Isso tudo é para você que ainda não leu a Elena Ferrante entender que não é só a história em si, é como ela conta. É um daqueles casos de escritas meio viciantes, e você até saca as estratégias da autora para prender sua atenção, mas ok, você caiu como um patinho e está lá “só mais um capítulo e eu vou dormir/almoçar/fazer qualquer coisa que seres humanos não viciados em um determinado livro fazem”. E também para dizer que o post conterá spoilers e que se você quiser saber mais sobre os outros dois volumes, é só clicar aqui e aqui (eles também têm spoilers hahaha).

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A Garota no Trem (Paula Hawkins)

Eu detesto aqueles blurbs em livros que dizem “O novo (insira aqui algum título de sucesso)”, confesso que crio uma antipatia boba automática e aí e enrolo um monte para ler o livro (ou em alguns casos, nem leio). Mas quando comparam A Garota no Trem de Paula Hawkins com Garota Exemplar, tenho que dizer que eu meio que consigo entender o motivo.

Sim, tem lá o óbvio: o sumiço de uma mulher e a culpa caindo sobre o marido. Ok, já vimos isso em vários outros lugares, não é exatamente novidade – já não era quando Garota Exemplar chegou nas livrarias. A questão é que, como sempre, não é bem o que se conta, mas como se conta. E assim como o motor principal de Garota Exemplar era mostrar que não conhecemos realmente ninguém e nos apressamos em julgamentos a partir das pequenas porções das histórias sobre essas pessoas, A Garota no Trem parece trazer uma ideia semelhante, embora executada de maneira um pouco diferente – daí as comparações.

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História do Novo Sobrenome (Elena Ferrante)

ATUALIZADO 01/04/2015: Recebi da Editora Globo o História do Novo Sobrenome, tradução de The Story of a New Name sobre o qual comentei aqui em julho do ano passado. Resolvi só trocar as citações em inglês para as em português e deixar alguns comentários pós-releitura para o fim do post para não embaralhar ainda mais meu jeitinho caótico de comentar livros.

***

Eu ainda estou esperando aparecer alguém que tenha lido as últimas frases de A Amiga Genial de Elena Ferrante sem ter no mínimo sentido um tanto de esperança de que novas páginas brotassem e aquele não fosse de fato o final do romance. Para quem ainda não leu o primeiro volume da Série Napolitana, talvez isso pareça algo ruim, mas não é. É o sentimento de quem se encantou pela trajetória das personagens e não só quer saber mais sobre elas, mas também saber quais serão os desdobramentos de um momento difícil em que elas se encontram. Tenho certeza que anos passarão e eu ainda lembrarei da cena do casamento, com o macarrão pisoteado pelos garçons, portas abrindo e fechando, risadas forçadas para piadas vulgares – como se estivesse lá, como se fosse uma das convidadas.

E por isso acabou que eu não consegui segurar a curiosidade e esperar a tradução do segundo volume chegar pela Editora Globo, comecei The Story of a New Name. É uma experiência um tanto estranha ler um livro em português e depois sua continuação em inglês (e o pessoal ainda acredita em tradutor que “some” no texto, ahaaam), mas depois dá para reencontrar a “voz” da Lenu e então a leitura engrena e… e agora vem aquele aviso básico de que os comentários a seguir terão spoilers (mesmo que eu ache que a experiência de leitura sobreviva às revelações, de qualquer forma prefiro avisar).

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A Amiga Genial (Elena Ferrante)

Vou poupá-los da introdução “Quem é Elena Ferrante?” até porque já falei sobre isso ao comentar The Days of Abandonment (segundo dos nove romances já publicados pela autora). Se você está meio perdido e não sabe qual é o problema da identidade, é só clicar aqui ou ler a seguir a versão resumida: Ninguém sabe quem ela é. Não faz diferença saber quem ela é. Pronto? Pronto, então vamos lá para A Amiga Genial.

Primeiro volume da série napolitana, A Amiga Genial foi recebido lá fora com muito barulho e chegou recentemente no Brasil pela Biblioteca Azul da Editora Globo. A saber, os quatro romances da série seguem a vida de duas amigas, Elena Greco (Lenu) e Rafaella Cerullo (Lila), sendo que o primeiro conta eventos da infância e adolescência das personagens. Pelo Prólogo sabemos que já em idade avançada Lila simplesmente desaparece, não deixa vestígio algum de sua existência, e Lenu escreve os livros para contar tudo o que lembra da amiga, um tanto como vingança (embora o leitor ainda não sabe sobre o que é a vingança). É meio que a moldura que amarrará a história dos quatro livros, acredito.

“Mas… mas… é só isso?”, você até poderia perguntar. Nunca é só isso. O bacana da obra da Elena Ferrante é aquele mergulho dentro da cabeça de suas personagens, expondo seus pensamentos em sua totalidade: dos bons aos mesquinhos. Além disso, o espaço toma conta da narrativa. O bairro napolitano descrito por Lenu surge quase como personagem, uma sombra que constantemente cai sobre a vida das meninas, influenciando suas ações. E assim, mesmo que o grande conflito em algum período da vida da protagonista seja pura e simplesmente tirar nota para passar na escola, ou fugir das pedras atiradas por garotos, você percebe que essa é só a superfície, porque tem muito mais ali.

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A História Secreta (Donna Tartt)

É, eu dei uma sumida. Mas sempre que eu penso “Ah, dane-se, quase doze anos escrevendo aqui, vamos fazer outra coisa da vida”, cruzo com um livro que enche minha cabeça de ideias e meudeusmeudeus eu preciso falar sobre ele. Embora ler seja um ato particular, o que vem após a leitura não é. Não digo só pelo ato de recomendar leituras para terceiros, é mais de expôr uma visão e buscar pessoas que também tenham algo para compartilhar sobre a experiência. É meio como disse o Nick Hornby naquele texto que já citei aqui:

Books come to me through recommendations, reading, browsing — sometimes through my own bookshelves — but I can’t really take part in the cultural conversation that, I suspect, isn’t really happening anyway. Everyone reads books like this, surely? Everyone switches from Jane Austen to Hilary Mantel to an old PD James that someone who was staying in the spare room left behind? (Even when I’m in the right place, it’s at the wrong time. In 2009, a passionate recommendation from a reader of the column led me to an obscure 1965 novel that the splendid New York Review of Books imprint had made available. I read it, loved it, and recommended it forcefully. If anyone was listening, then they did so only slowly: the novel was called Stoner, and by the time everyone else was reading it, I could no longer talk about it in any detail.)

E aqui estou eu, abrindo um post para falar de um livro escrito por Donna Tartt no começo da década de 90. Se deu muito falatório na época do lançamento eu não sei, porque em 1992 eu ainda estava variando minhas leituras entre um Stephen King e alguma coisa do Pedro Bandeira. A tradução saiu por aqui em 1995 – aparentemente ganhou edição nova depois que O Pintassilgo deu as caras (nota mental: a capa da edição da década de 90 é mais bonita).

De qualquer forma, mais de 20 anos de existência dão a impressão de que tudo já foi dito sobre A História Secreta, mas ainda assim eu quero falar sobre A História Secreta. O que significa que eu não vou ficar me cuidando muito sobre spoilers, até porque a própria Donna Tartt já abre o livro dizendo quem matou quem, há.

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The Book of Strange New Things (Michel Faber)

(Tentei falar sobre Aniquilação sem revelar spoilers e lembrei a razão para eu escrever meus posts com spoilers. Muito chato e no fundo você nunca chega a colocar de forma clara o que gostou/incomodou, porque tem que ficar saltando aqui e acolá para evitar o tal do spoiler. Enfim, fica o aviso: este post tem spoilers.)

Se fosse possível fazer algo assim sem qualquer prejuízo eu adoraria poder separar alguns livros em duas partes. The Book of Strange New Things, por exemplo. Tem algo ali que seria um livro “uou, que foda, vocês precisam ler!”, mas também tem aquela série de torcidas de nariz que acabam esculhambando um pouco a coisa, ao ponto de você nem poder mandar aquela famosa frase de resenha de blog literário “mas esses pontos não estragam o todo”. Estragam sim. Mas estou me adiantando, só para variar.

Lançado lá fora em outubro do ano passado (e ainda sem tradução por aqui), The Book of Strange New Things tem uma premissa interessante: um novo planeta está sendo colonizado e Peter é chamado para, hum, “catequizar” os nativos. Você sabe, meio nos esquemas europeus chegando nas Américas. O negócio é que a esposa de Peter (Beatrice) não é selecionada para acompanhá-lo na missão, e ele é daqueles caras que ficam meio sem chão quando a mulher (que aparentemente cuidava de todos os aspectos práticos de sua vida) fica assim tão longe, podendo se comunicar basicamente através de e-mails (no livro o nome da ferramenta usada por eles é ‘Shoot’).

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