História de quem foge e de que fica (Elena Ferrante)

fogeficaATUALIZADO 28/10/2016: Aeeee chegooooou tradução pela Biblioteca Azul, o título ficou “História de quem foge e de quem fica” e a capa é essa coisa linda aqui à esquerda. Como ainda não reli o livro não deixarei comentários extras e as citações continuam em inglês, mas uma vez que esse é meu favorito da tetralogia, logo releio e atualizo aqui.

Então. Eu tinha um plano, ficar enrolandinho com minhas leituras mais ou menos até a última semana de agosto, quando então leria o terceiro livro da série napolitana, Those Who Leave and Those Who Stay. Aquela coisa: Elena Ferrante já tinha armado nos dois livros anteriores desfechos de deixar o leitor louco para partir para o próximo volume, assim eu já esperava por algo do tipo no terceiro – com a diferença que nesse caso seria obrigada a esperar até setembro quando só então poderia ler o quarto livro. Era um bom plano, mas não deu. Caí em tentação, fui “dar só uma olhadinha” e quando percebi já foram lá 50 páginas e bem, continuei.

Isso tudo é para você que ainda não leu a Elena Ferrante entender que não é só a história em si, é como ela conta. É um daqueles casos de escritas meio viciantes, e você até saca as estratégias da autora para prender sua atenção, mas ok, você caiu como um patinho e está lá “só mais um capítulo e eu vou dormir/almoçar/fazer qualquer coisa que seres humanos não viciados em um determinado livro fazem”. E também para dizer que o post conterá spoilers e que se você quiser saber mais sobre os outros dois volumes, é só clicar aqui e aqui (eles também têm spoilers hahaha).

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A Garota no Trem (Paula Hawkins)

Eu detesto aqueles blurbs em livros que dizem “O novo (insira aqui algum título de sucesso)”, confesso que crio uma antipatia boba automática e aí e enrolo um monte para ler o livro (ou em alguns casos, nem leio). Mas quando comparam A Garota no Trem de Paula Hawkins com Garota Exemplar, tenho que dizer que eu meio que consigo entender o motivo.

Sim, tem lá o óbvio: o sumiço de uma mulher e a culpa caindo sobre o marido. Ok, já vimos isso em vários outros lugares, não é exatamente novidade – já não era quando Garota Exemplar chegou nas livrarias. A questão é que, como sempre, não é bem o que se conta, mas como se conta. E assim como o motor principal de Garota Exemplar era mostrar que não conhecemos realmente ninguém e nos apressamos em julgamentos a partir das pequenas porções das histórias sobre essas pessoas, A Garota no Trem parece trazer uma ideia semelhante, embora executada de maneira um pouco diferente – daí as comparações.

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História do Novo Sobrenome (Elena Ferrante)

ATUALIZADO 01/04/2015: Recebi da Editora Globo o História do Novo Sobrenome, tradução de The Story of a New Name sobre o qual comentei aqui em julho do ano passado. Resolvi só trocar as citações em inglês para as em português e deixar alguns comentários pós-releitura para o fim do post para não embaralhar ainda mais meu jeitinho caótico de comentar livros.

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Eu ainda estou esperando aparecer alguém que tenha lido as últimas frases de A Amiga Genial de Elena Ferrante sem ter no mínimo sentido um tanto de esperança de que novas páginas brotassem e aquele não fosse de fato o final do romance. Para quem ainda não leu o primeiro volume da Série Napolitana, talvez isso pareça algo ruim, mas não é. É o sentimento de quem se encantou pela trajetória das personagens e não só quer saber mais sobre elas, mas também saber quais serão os desdobramentos de um momento difícil em que elas se encontram. Tenho certeza que anos passarão e eu ainda lembrarei da cena do casamento, com o macarrão pisoteado pelos garçons, portas abrindo e fechando, risadas forçadas para piadas vulgares – como se estivesse lá, como se fosse uma das convidadas.

E por isso acabou que eu não consegui segurar a curiosidade e esperar a tradução do segundo volume chegar pela Editora Globo, comecei The Story of a New Name. É uma experiência um tanto estranha ler um livro em português e depois sua continuação em inglês (e o pessoal ainda acredita em tradutor que “some” no texto, ahaaam), mas depois dá para reencontrar a “voz” da Lenu e então a leitura engrena e… e agora vem aquele aviso básico de que os comentários a seguir terão spoilers (mesmo que eu ache que a experiência de leitura sobreviva às revelações, de qualquer forma prefiro avisar).

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A Amiga Genial (Elena Ferrante)

Vou poupá-los da introdução “Quem é Elena Ferrante?” até porque já falei sobre isso ao comentar The Days of Abandonment (segundo dos nove romances já publicados pela autora). Se você está meio perdido e não sabe qual é o problema da identidade, é só clicar aqui ou ler a seguir a versão resumida: Ninguém sabe quem ela é. Não faz diferença saber quem ela é. Pronto? Pronto, então vamos lá para A Amiga Genial.

Primeiro volume da série napolitana, A Amiga Genial foi recebido lá fora com muito barulho e chegou recentemente no Brasil pela Biblioteca Azul da Editora Globo. A saber, os quatro romances da série seguem a vida de duas amigas, Elena Greco (Lenu) e Rafaella Cerullo (Lila), sendo que o primeiro conta eventos da infância e adolescência das personagens. Pelo Prólogo sabemos que já em idade avançada Lila simplesmente desaparece, não deixa vestígio algum de sua existência, e Lenu escreve os livros para contar tudo o que lembra da amiga, um tanto como vingança (embora o leitor ainda não sabe sobre o que é a vingança). É meio que a moldura que amarrará a história dos quatro livros, acredito.

“Mas… mas… é só isso?”, você até poderia perguntar. Nunca é só isso. O bacana da obra da Elena Ferrante é aquele mergulho dentro da cabeça de suas personagens, expondo seus pensamentos em sua totalidade: dos bons aos mesquinhos. Além disso, o espaço toma conta da narrativa. O bairro napolitano descrito por Lenu surge quase como personagem, uma sombra que constantemente cai sobre a vida das meninas, influenciando suas ações. E assim, mesmo que o grande conflito em algum período da vida da protagonista seja pura e simplesmente tirar nota para passar na escola, ou fugir das pedras atiradas por garotos, você percebe que essa é só a superfície, porque tem muito mais ali.

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A História Secreta (Donna Tartt)

É, eu dei uma sumida. Mas sempre que eu penso “Ah, dane-se, quase doze anos escrevendo aqui, vamos fazer outra coisa da vida”, cruzo com um livro que enche minha cabeça de ideias e meudeusmeudeus eu preciso falar sobre ele. Embora ler seja um ato particular, o que vem após a leitura não é. Não digo só pelo ato de recomendar leituras para terceiros, é mais de expôr uma visão e buscar pessoas que também tenham algo para compartilhar sobre a experiência. É meio como disse o Nick Hornby naquele texto que já citei aqui:

Books come to me through recommendations, reading, browsing — sometimes through my own bookshelves — but I can’t really take part in the cultural conversation that, I suspect, isn’t really happening anyway. Everyone reads books like this, surely? Everyone switches from Jane Austen to Hilary Mantel to an old PD James that someone who was staying in the spare room left behind? (Even when I’m in the right place, it’s at the wrong time. In 2009, a passionate recommendation from a reader of the column led me to an obscure 1965 novel that the splendid New York Review of Books imprint had made available. I read it, loved it, and recommended it forcefully. If anyone was listening, then they did so only slowly: the novel was called Stoner, and by the time everyone else was reading it, I could no longer talk about it in any detail.)

E aqui estou eu, abrindo um post para falar de um livro escrito por Donna Tartt no começo da década de 90. Se deu muito falatório na época do lançamento eu não sei, porque em 1992 eu ainda estava variando minhas leituras entre um Stephen King e alguma coisa do Pedro Bandeira. A tradução saiu por aqui em 1995 – aparentemente ganhou edição nova depois que O Pintassilgo deu as caras (nota mental: a capa da edição da década de 90 é mais bonita).

De qualquer forma, mais de 20 anos de existência dão a impressão de que tudo já foi dito sobre A História Secreta, mas ainda assim eu quero falar sobre A História Secreta. O que significa que eu não vou ficar me cuidando muito sobre spoilers, até porque a própria Donna Tartt já abre o livro dizendo quem matou quem, há.

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The Book of Strange New Things (Michel Faber)

(Tentei falar sobre Aniquilação sem revelar spoilers e lembrei a razão para eu escrever meus posts com spoilers. Muito chato e no fundo você nunca chega a colocar de forma clara o que gostou/incomodou, porque tem que ficar saltando aqui e acolá para evitar o tal do spoiler. Enfim, fica o aviso: este post tem spoilers.)

Se fosse possível fazer algo assim sem qualquer prejuízo eu adoraria poder separar alguns livros em duas partes. The Book of Strange New Things, por exemplo. Tem algo ali que seria um livro “uou, que foda, vocês precisam ler!”, mas também tem aquela série de torcidas de nariz que acabam esculhambando um pouco a coisa, ao ponto de você nem poder mandar aquela famosa frase de resenha de blog literário “mas esses pontos não estragam o todo”. Estragam sim. Mas estou me adiantando, só para variar.

Lançado lá fora em outubro do ano passado (e ainda sem tradução por aqui), The Book of Strange New Things tem uma premissa interessante: um novo planeta está sendo colonizado e Peter é chamado para, hum, “catequizar” os nativos. Você sabe, meio nos esquemas europeus chegando nas Américas. O negócio é que a esposa de Peter (Beatrice) não é selecionada para acompanhá-lo na missão, e ele é daqueles caras que ficam meio sem chão quando a mulher (que aparentemente cuidava de todos os aspectos práticos de sua vida) fica assim tão longe, podendo se comunicar basicamente através de e-mails (no livro o nome da ferramenta usada por eles é ‘Shoot’).

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Aniquilação (Jeff VanderMeer)

(Eu juro que me esforcei para segurar os spoilers, caso você acabe tropeçando em um, desculpa, mas eu ainda acho que livro bom é livro que resiste aos plot twists e qualquer outro tipo de informação adiantada, e olha, certeza que Aniquilação sobrevive. Ah sim, e antecipadamente já peço desculpas para quem acha que trilogia/série só se avalia depois que todos os volumes já foram lidos. Fuéééém.)

Já tinha visto algo sobre Aniquilação aqui e acolá, mas ele acabou atraindo minha curiosidade ao derrotar o Dept. of Speculation no ToB deste ano (Spoiler: nenhum dos dois foi para frente, o vencedor desta edição foi o Station Eleven). Sabe como é, gostei demaaaaais do livro da Offill, então mesmo dando o benefício da dúvida (sabe como é, visão subjetiva, o que toca uma pessoa pode não dizer nada para outra, etc) ainda assim você fica com a ideia de que só poderia ser um livro acima da média. E é. [birra]Só não é melhor que Dept. of Speculation[/birra].

Mas sei lá, aqui não sou obrigada a comparar banana com alface só porque são do reino vegetal, então vamos deixar as comparações de lado. Porque são livros distintos, que atraem públicos diferentes, no final das contas. A começar, Aniquilação é um livro de terror. Você pode colocar lá mais ‘n’ gêneros, subgêneros, rótulos ou o que for, mas essencialmente, Aniquilação é um livro de terror. E é uma aula sobre como fazer terror em literatura.

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Jackaby (William Ritter)

A primeira vez que li algo sobre Jackaby foi no Tumblr, o que não é exatamente uma surpresa, considerando como determinados fandoms parecem se concentrar por ali. Digo isso porque o livro parece ser feito para agradar alguns grupos de fãs. Assim: para definir Jackaby, pegue um tico de Sherlock, misture com um pouco de Doctor Who, pinga aqui e ali um tanto de Supernatural e voilà!

E eu sei que isso poderia dar errado de várias formas, mas caramba, como Jackaby é divertido. Gostoso tipo a sensação de rever O Enigma da Pirâmide na Sessão da Tarde1. É daquele tipo de história que você até percebe como previsível, mas ao invés de se deixar levar pelo cinismo já esperado de quem tem horas e horas acumuladas de leituras de livros de detetive, dá de ombros porque no final das contas o caminho está tão legal que não importa muito o destino.

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  1. eles ainda passam O Enigma da Pirâmide na Sessão da Tarde? Deveriam. 

Last Things (Jenny Offill)

(Depois de terminar o post percebi que ele está cheio de informações sobre o enredo que talvez tenham mais graça se forem lidas no momento certo. É meio que o mal de querer escrever impressões sobre a leitura, e não necessariamente tentar convencer alguém a ler o livro. Não que este seja um blog de literatura. Ah, enfim. Spoilers. Leia o post se isso não for problema para você, etc.)

Eu ainda penso em fazer uma releitura de Dept. of Speculation para então escrever um post aqui porque não, eu não me conformo que um dos meus livros favoritos do ano passado acabou ficando sem post. Faz falta aquele link maroto para estabelecer a relação inicial, ou pelo menos para explicar porque fiquei tão animada quando vi na Amazon um “pre-order” para o dia 17 de março do livro Last Things, da mesma autora.

Só para evitar a confusão: a obra não é nova. É romance de estreia da Offill, publicado originalmente em 1999. Depois de Last Things, a autora passou uns tempos escrevendo livros infantis para só no ano passado voltar ao romance com o Dept. of Speculation. São 15 anos entre um e outro, mas mesmo assim você consegue pescar características que apontam o que seria o estilo da escritora, a começar aquela mistura da narração com curiosidades e anedotas.

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Station Eleven (Emily St. John Mandel)

Apesar de todo o barulho sobre Station Eleven, eu tinha lá um certo pé atrás com o título. Futuro pós-apocalíptico? DE NOVO? Séééério? Por isso nunca engrenava muito além dos primeiros parágrafos, descrevendo uma apresentação de Rei Lear no que eu imaginava já ser esse futuro. Mas quando finalmente engatei a leitura, só pela quebra de expectativas a Emily St. John Mandel já conquistou minha confiança para seguir em frente até o fim.

Acontece que a tal da apresentação se passa no que seriam os dias de hoje, é anterior ao evento que praticamente apaga a humanidade do mapa. Um ator famoso sofre um ataque cardíaco enquanto encenava Rei Lear, é acudido por um cara obviamente meio perdido na vida (mas que naquele momento decide que quer ser paramédico) chamado Jeevan. Está seguindo tudo dentro do esperado, nada demais, mesmo que o ponto de partida não seja como dos outros livros – até que no capítulo seguinte, quando após o brinde ao ator falecido feito por membros da companhia de teatro vem esta frase:

“Of all of them there at the bar that night, the bartender was the one who survived the longest. He died three weeks later on the road out of the city.”

PAM, PAM, PAAAAAM!! (Insira aqui a imagem do “That escalated quickly“). Então que fique claro desde já: essas frases com pequenas noções das proporções assustadoras da nova realidade vivida pelas personagens é uma constante durante todo o romance. St. John Mandel poderia se demorar descrevendo todo um cenário de fim do mundo, como livros no estilo costumam fazer. Mas ela economiza nesse ponto, deixa o leitor criar uma falsa sensação de segurança, de “nem é tão ruim assim” para então chegar com um punhado de frases como essas que servem quase como uma marretada e nos colocam de novo nos eixos: nada mais é como costumava ser.

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