A Valsa dos Adeuses (Milan Kundera)

Poucos títulos conseguem dar conta de uma obra como acontece no romance A Valsa dos Adeuses, de Milan Kundera. A imagem da valsa é tão forte e representa tão bem o todo, que acompanha o leitor mesmo quando o livro acaba. Uma obra-cebola, cheia de camadas que você só vai percebendo a medida que vira as páginas. Nesse caso lembra muito algumas comédias de Shakespeare, que conseguia mesclar o cômico com o trágico de uma maneira ímpar.

A história começa com Ruzena (uma enfermeira de casa de banho) entrando em contato com um famoso trompetista para avisá-lo que espera um filho dele. As implicações desse primeiro fato se desenvolvem de forma extremamente interessante, sobretudo se pensarmos na questão da relação das personagens e leitores. Não quero influenciar julgamentos (até porque essa é uma das diversões da obra), mas chegando pela metade do livro relembre quais foram seus sentimentos/reações para o que é contado no começo: qual personagem ganhou sua simpatia, qual mereceu a antipatia e por aí vai.

Mas além disso, é curioso perceber como as outras personagens vão entrando aos poucos na história, como se o lugar onde se encontram fosse um grande salão e as personagens rodopiassem por ele, trocando de parceiros de dança de acordo com alguma canção imaginária. O livro é dividido em cinco capítulos (cinco dias), mas dentro desses temos pequenos subcapítulos, alguns extremamente curtos, quase que como um recorte de um momento da vida dessas personagens.

Uma vez que A Insustentável Leveza do Ser é um dos meus livros favoritos, ficou difícil evitar uma comparação com A Valsa dos Adeuses – e alguns elementos estão de fato nos dois romances: a traição, o amor, o ódio, e especialmente a relação com a pátria – embora em A Valsa dos Adeuses, publicado antes de A Insustentável Leveza do Ser, a menção à Tchecoslováquia comunista é extremamente mais sutil. Algumas personagens se assemelham também, como Klima (o trompetista) com Tomaz – pelo menos na noção de amor e fidelidade que as duas personagens têm. Também tem bem menos digressões do narrador, mas apresenta a inovação de pequenos comentários sobre o livro em si, colocados entre parênteses, como se vê na página 151:

“(Nesse minuto, (…) são projetados no espaço do nosso relato como dois foguetes guiados a distância por um ciúme cego – mas como a cegueira poderá guiar o que quer que seja?)”

Um ótimo romance, que sobreviveu ao tempo (já tem quase 40 anos) e surpreende não só pelo estilo, mas também pelo conteúdo. É certamente um daqueles que divertem e ao mesmo tempo são um exercício de leitura. Para quem ficou curioso, acabou de sair pela Companhia de Bolso a tradução a partir da edição francesa do livro (publicada originalmente em 1976).