Such a Fun Age (Kiley Reid)

Emira Tucker é uma garota de 20 e tantos anos convencida de que perdeu o bonde para a fase adulta: todas suas amigas já estão trabalhando na área em que estudaram, algumas até comemorando promoção. E Emira, mesmo formada, não sabe muito bem o que quer fazer da vida. Por conta disso, paga as contas com trabalhos que não oferecem grandes vínculos (nem benefícios), entre eles babá de uma família de ricos, os Chamberlain.

Em uma noite especialmente ruim para Emira (comemorando o aniversário de uma amiga e percebendo justamente o quanto está ficando para trás), os Chamberlain pedem que ela venha correndo ajudá-los a distrair a filha mais velha enquanto lidam com uma janela quebrada. Emira leva a pequena Briar para um mercado da região e em determinado momento é abordada pelo segurança: uma cliente achou estranho uma menina tão pequena em um mercado naquela hora, e sugere que ela tenha sido sequestrada. Ah, sim, claro: Emira é negra, Briar é branca.

Este é o ponto de partida de Such a Fun Age, romance de estreia de Kiley Reid. Com um narrador em terceira pessoa que é onisciente mas que se recusa a julgar abertamente suas personagens (deixando a tarefa para o leitor), vamos observando o modo como pessoas privilegiadas usam o que acreditam ser uma luta por justiça social como desculpa para aliviar suas próprias culpas e frustrações. O foco varia entre Emira e Alix Chamberlain, a matriarca que fica completamente obcecada por Emira principalmente após os eventos daquela noite no mercado.

Alix fica desesperada, com medo de perder Emira, que acredita ser uma funcionária formidável (e é, pelo amor e cuidado que tem com Briar). Mas pelo que nos é apresentado antes do evento no mercado, fica sempre aquela dúvida se a preocupação maior de Alix não é perder a funcionária (negra) logo após o marido fazer comentários racistas na tv local (que foi o que rendeu a janela quebrada naquela noite).

É como comer tudo que está no seu prato porque você acha que alguém não passará fome se você não estiver faminto. Você não está ajudando a ninguém a não ser você mesmo.

O bacana de Such a Fun Age é que todo esse enredo pode sugerir uma narrativa dramática, mas ele surpreende sendo muito, mas muito engraçado em vários momentos. As cutucadas nos “white saviors”, as tentativas de Alix de se aproximar de Emira, o modo como Emira se recusa a tomar parte no circo criado por Alix, as amigas de Emira, etc. O que é até irônico, porque espelha exatamente o que acontece quando o vídeo de Emira brigando com o segurança vaza, e vira meme:

Quanto mais era compartilhado, mais leve parecia, o que fazia tudo isso pior e melhor ao mesmo tempo. Emira acredita que essa abordagem leve era o consenso por causa de alguns fatores. Primeiro, ninguém se machucou. Briar estava adorável e de acordo e entediada com a situação, e as respostas rápidas de Emira frequentemente mascaravam seu medo. Esse era um vídeo sobre racismo que você poderia assistir sem ver sangue ou arruinar o resto do seu dia.

É um livro sobre racismo que você poderia ler sem ver sangue ou arruinar o resto do seu dia. E indo mais além, a crítica social está sempre ali, pairando, mas também é um romance sobre transição para a fase adulta, sobre o que significa dar esse salto quando você mesmo não sabe muito bem o que está querendo da sua vida. De como é fácil se acomodar em uma situação não exatamente confortável, mais pelo medo de perder a falsa segurança que ele representa.

Até por isso acho que o título Such a Fun Age é um pouco um jogo de palavras, podendo dizer tanto “uma fase tão legal” para representar o momento de vida de Emira, quanto “uma época tão legal” aqui com alta ironia, sobre o período em que todos vivemos em sociedade, essa época maluca onde pessoas acham que estão fazendo o bem mas na realidade só querem afagar o próprio ego, ao invés de realmente ajudar na luta das minorias. A época que possibilita a existência de “esquerdomachos” como Kelley, o homem que gravou Emira brigando com o segurança e insiste que ela deve divulgar o vídeo e processar a loja, por exemplo.

Aliás, falando no Kelley, tem um ponto do enredo que é um tanto forçado (mais na “coincidência”), mas dá para relevar até para o que vai representar: em determinado momento ficamos sabendo que Alix e Kelley já se conheciam dos tempos de colégio. Por conta de um mal entendido, a imagem que um faz do outro acaba influenciando no modo como veem a relação de Emira com cada um: Kelley (como bom esquerdomacho) sugere que Emira deixe de trabalhar para os Chamberlain. Alix, como boa white savior, sugere para Emira que Kelley costuma fetichizar pessoas negras, e que portanto, se afaste dele.

Alix é uma personagem bem interessante, ao contrário de Kelley acaba ganhando um certo protagonismo na história. Mas suas ações estão ali mais para mostrar para o quanto Emira não dá a mínima para muito do que ela considera importante, e de como apesar de terem tantas semelhanças (o grupo de amigas, o namorado mais velho, etc.) são tão diferentes, principalmente pelo lugar que ocupam na sociedade. Alix pergunta para Emira sobre namoros e amigas para mostrar interesse, mas se surpreende quando percebe que a funcionária é culta, por exemplo. Não pergunta sobre emprego ou aspirações. A falta de sintonia é tamanha que Alix se incomoda com o fato de ser chamada de Mrs. Chamberlain por Emira (que chama o patrão de “Peter”), sem saber que na realidade a babá só não usa o primeiro nome da patroa porque não consegue pronunciá-lo corretamente. Teve um momento em que eu lembrei demais de uma frase da Mindy no Mindy Project:

Enfim, é um livro divertido, mas em que em variadas passagens te farão passar raiva. Tem muita pinta de filme/série, não ficaria surpresa se soubesse que já teve os direitos vendidos para uma adaptação. E aquela coisa de sempre: torcendo que chegue logo uma tradução por aqui.

Links para terminar:

Sobre como um grupo de escritoras está criando uma renascença literária na Filadélfia (incluindo a Kiley Reid)

Entrevista com a Kiley Reid para a Stylist

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