I’m Thinking of Ending Things (Iain Reid)

9781501126925_3dhc_pgsoutEu tinha acabado de ler Enclausurado do Ian McEwan e achando que curtiria uma ressaquinha literária pois McEwan tão bom, né.  Aí pensei “Bom, vamos dar uma olhada no tal do I’m Thinking of Ending Things que dizem que é assustador, aí eu não corro o risco de ficar comparando e talvez a ressaca passe”. Então comecei a ler. Vira página, vira página, vira página. Quando percebo já estou tão envolvida com a história que não quero mais largar.

E antes que eu continue, siiiiim, o post tem spoilers. O livro é essencialmente um thriller, então não tem muito como comentá-lo sem colocar aqui informações do enredo. Mãããs eu garanto para você que ao terminar o livro e VAI querer encontrar gente compartilhando informações sobre o enredo, então não esqueça de voltar aqui, hehe. Não à toa a editora que publicou o livro lá fora criou o espaço “After Things End“, para o pessoal compartilhar impressões sobre a história. Não chega num nível “fórum para colher todas as pistas” como com House of Leaves, mas é legal ler sobre diferentes impressões que as pessoas tiveram ao ler a história, sobretudo sobre seu desfecho.

I’m Thinking of Ending Things começa com uma narradora (seu nome não chega a ser revelado) no carro do namorado Jake, a caminho da casa dos pais do rapaz. Está frio, está nevando e eles moram em uma fazenda distante de tudo. Sim, você já conseguiu pescar que é uma cilada, Bino, e nossa narradora também. Como diz o título, ela está disposta a terminar o namoro, só embarcou no carro com Jake pois acabava se sentindo culpada por estar quase terminando com o sujeito, quando ele obviamente está vendo a relação de um outro jeito.

 Falando assim o livro não parece ter nada de extraordinário – fecha os olhos e conta aí quantas histórias você não conhece que tem premissa parecida. O negócio (com o perdão do trocadilho ruim) é que não é bem o destino, mas a viagem. O modo como Reid desde o começo consegue tirar terror e suspense das situações mais mundanas. De como ele faz com que o leitor fique alerta o tempo todo, tentando adivinhar o que virá a seguir. É tenso, é muito tenso. Cheguei a lembrar dessa ilustração que vi há uns tempos por aí:

“Você sabe que está lendo um livro bom quando tem que parar de vez em quando só para dizer… fuuuuuuck”

Desconfio que o que me cativou de fato foi uma história que a narradora conta logo no começo, de quando era criança e uma noite acordou e tinha um homem a observando na janela. É uma passagem breve, um dos ‘n’ devaneios da narradora, mas extremamente marcante. E com esses devaneios você vai percebendo que algo não está certo ali. Logo surge a figura do “Caller”, alguém que liga para ela várias vezes durante a noite e deixa sempre a mesma mensagem.

A narrativa vai se desenvolvendo de um jeito tão tenso (e assustador) que quando o casal chega na casa dos pais de Jake você pensa que a história já atingiu seu pico, mas não, tem mais (como assim?!!). Que sequência mais absurda aquele jantar, incluindo aí a exploração do porão (sempre os porões!). Nesse ponto, unindo informações dadas pela narradora com os capítulos que parecem ser a conversa de duas pessoas após um crime em uma escola, o alerta já está no máximo sobre Jake. O carinha tem algo de errado, de estranho. E não, não é só a família.

Já antecipando o final, foi aqui que ficou mais óbvio para mim que Jake sofria de transtorno dissociativo de personalidade (aka: tinha múltiplas personalidades). Quando a narradora vê a foto na parede e pergunta quem é, ele responde “sou eu” e ela então conta que não, naquela foto era ela quem aparecia, caiu a ficha sobre o mistério para mim. O que fez a cena do jantar ainda mais horripilante, quando os pais convidam a narradora para fazer a brincadeira favorita deles, que era imitar Jake.

A memory is its own thing each time it’s recalled. It’s not absolute. Stories based on actual events often share more with fiction than fact. Both fictions and memories are recalled and retold. They’re both forms of stories. Stories are the way we learn. Stories are how we understand each other. But reality happens only once.

E o legal sobre o que seria o “twist” do livro é que ele nem é um twist – Reid vai deixando pistas para o leitor desde o começo, não é um “ah, veja só como eu sou esperto e enganei vocês”. Ele não quer enganar ninguém. O sabor metálico que a narradora vive se queixando de estar sentindo, por exemplo, é reação de um medicamento usado para o tratamento de transtorno dissociativo de personalidade. As mãos tremendo também. O professor de direção tinha um chaveiro que era uma letra J. O fato da primeira relação sexual deles ter sido basicamente masturbação. Ou quando ao mentalizar o quarto para tentar se acalmar a narradora cita um objeto que tinha observado no quarto de Jake, etc. As pistas estão todas ali.

É complicado se concentrar demais na questão do desfecho (e tratá-lo como twist) porque fica a impressão de que a obra toda é uma preparação para o momento da grande revelação, quando não é. Os devaneios da narradora e mesmo os diálogos com Jake se bastam como uma história, que poderia acabar até com pontas soltas que ainda assim seria satisfatória.

Porque no fim das contas o que predomina em I’m Thinking of Ending Things é o horror partindo do ordinário, do cotidiano. A situação de vulnerabilidade que nos colocamos quando passamos a nos relacionar com outras pessoas quando ainda não as conhecemos bem. Aliás, saindo um pouco da linha do suspense, tem toda uma série de discussões sobre relacionamentos que não valem mais só porque no fim descobrimos que Jake e a narradora são as mesmas pessoas.

We can’t and don’t know what others are thinking. We can’t and don’t know what motivations people have for doing the things they do. Ever. Not entirely. This was my terrifying, youthful epiphany. We just never really know anyone. I don’t. Neither do you.

It’s amazing that relationships can form and last under the constraints of never fully knowing. Never knowing for sure what the other person is thinking. Never knowing what the other person is.

Tanto é que em termos de horror, a história atinge o ponto máximo antes da revelação sobre a identidade de Jake: quando a narradora ainda pensa estar fugindo de um funcionário doido da escola no meio do nada onde ela foi parar com o namorado quando voltavam para casa. Essa porção final é, usando linguagem blurburêstica (hehe) eletrizante. Começa com a parada no Dairy Queen (lembrei muito dos filmes de A Hora do Pesadelo enquanto lia aquele trecho, tem qualquer coisa de sonho ruim ali) indo até o momento em que ela se esconde do funcionário. Lembrei do/compreendi o Joey escondendo O Iluminado na geladeira? Sim.

Enfim, como eu disse lá no twitter assim que acabei o livro:

Insisto, não é pelo “twist” (o que, convenhamos, já foi explorado em outros romances, que não vou citar aqui para não estragar a surpresa de quem ainda não leu haha). Mas é pelo modo como o autor consegue sustentar do começo ao fim a sensação de que algo está errado, de que há algo de ameaçador ali – mesmo que você não consiga identificar o que é.

How do we know when something is menacing? What cues us that something is not innocent?

Sobre o final, caso não tenha ficado claro o que foi que entendi: Jake é na realidade um zelador de uma escola que sofre de transtorno dissociativo de personalidade e tem uma dificuldade tremenda de se relacionar com outras pessoas. Extremamente inteligente, perde oportunidades na juventude por ser antissocial. Quando mais jovem, conheceu uma garota em um pub, com quem teve uma conexão real mas não teve coragem de deixar seu número de telefone para que pudessem conversar mais (e, quem sabe, ter algum relacionamento). Ele usa a lembrança da garota para construir a narradora, e usá-la como um exercício “científico” para saber se sua vida em algum momento poderia ser normal (escrevendo a história que lemos, que está nos cadernos que encontram com o zelador). A conclusão dele é que não, e por isso ele se mata na escola onde trabalha. “Sometimes a thought is closer to truth, to reality, than an action. You can say anything, you can do anything, but you can’t fake a thought“.

Últimas:

  • Fiz uma pesquisa bem porquinha, mas não achei nada sobre o livro ser lançado aqui no Brasil. Ele saiu na metade desse ano lá fora, então talvez seja por isso a demora (não vou duvidar do radar de nossas editoras). Como sempre faço, assim que souber algo sobre lançamento aqui edito o post avisando sobre qual editora lançará e qual o título em português.
  • I’m Thinking of Ending Things é o primeiro romance do autor, mas ele já tem outros livros publicados, mas são memórias (curioso, já que no romance ele trabalha bastante a questão dos limites entre memória e ficção).
  • Lá no After Things End um cara sugeriu para quem não pescou o final que releia só as partes em itálico.

4 comentários em “I’m Thinking of Ending Things (Iain Reid)”

  1. Você quase me matou de curiosidade com a introdução deste seu post, então não sosseguei enquanto não li o livro (porque queria saber o que você tinha comentado, afinal, eram spoilers e eu não prossegui após o seu aviso).
    Baita livro. Fiquei aflita praticamente o livro inteiro. Ficava louca com a garota querendo terminar tudo…o relacionamento dela com o Jake parecia tão interessante. Mas ao mesmo tempo a forma como a mente dela pensava, as conversas que eles tinham, era tudo muito bom. Eu ficava agoniadíssima em muitas passagens. Várias vezes pensei que ele não existia, só para depois perceber que era ela quem não existia.
    A cena na fazenda foi o ápice para mim. Sentia um aperto na garganta por todas as cenas. Por outro lado, toda a sequência no colégio não me atraíram muito. Foi quando eu perdi a sensação de angústia, pois até então eram as conversas e lembranças dela que me deixavam de cabelo em pé. Toda a cena na escola me parecia muito irreal, muito “construída” para que eu a sentisse como verdadeira e, por isso, não tinha o mesmo apelo. Mas fiquei de coração partido no final. Muito triste a vida dele…tanto potencial, e tudo foi pelo ralo por conta da forma como sua mente agia.

    Mas sinceramente adorei como o livro me fez pensar em muitas das conversas deles. Acho que foi um dos livros que li nos últimos tempos que mais sublinhei partes interessantes.

    1. (SPOILERS)

      as lembranças dela quase que são mini-contos de terror, né? e às vezes nem era terror, mas era isso, uma coisa que te deixa agoniada sem saber o motivo – tipo aquela parte que ela lembra sobre as aulas de direção.

      a parte da escola até o momento em que ele sai do carro para tirar satisfação com o cara que estava espiando eles (hehe) eu estava com o coração na mão. parecia um pesadelo, aquela parada no dairy queen e tudo errado e a menina só querendo voltar para casa e tudo ficando cada vez pior. mas quando ela entra na escola, eu acho que é bem como você disse, perde um tanto o apelo (se bem que se depois você pensa que tudo aquilo está acontecendo na cabeça dele, uou. na hora que lê é um efeito, mas pensando após a leitura é outro, sabe como?).

      que bom que você gostou do livro XD como disse pra você no twitter, estou torcendo que traduzam logo por aqui para que mais pessoas possam ler ^^

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