Alta Fidelidade (Nick Hornby)

altafidelidadeDurante a semana enquanto relia Alta Fidelidade, fiquei em dúvida sobre quando foi que li pela primeira vez. Tive que dar uma de Rob Fleming e mergulhar no passado, em anotações deixadas nas agendas/diários que eu mantinha na época. Aí lembrei: primeira vez que ouvi falar do livro foi em uma reportagem da TV Cultura falando sobre a peça A vida é cheia de som e fúria, uma adaptação da Sutil Companhia. Se eu não me engano, a peça estreou em 2000, então foi provavelmente neste ano que vi um trechinho em que Guilherme Weber falava sobre a música e a dor e nossa, falava de Smiths, minha maior paixão musical. Sabe quando você pensa “Isso foi feito para mim, eu preciso assistir esta peça, ou no mínimo ler o livro”? Pois então. Só que eram outros tempos. Já tinha internet, mas a velocidade da informação ainda era praticamente inexistente se comparar com os dias de hoje (quando um artigo da wikipédia acaba de confirmar que Som e Fúria é mesmo de 2000), então acabou que o que chegou mais rápido foi a adaptação para o cinema dirigida por Stephen Frears com John Cusack no papel principal (por coincidência, também de 2000).

Fiquei apaixonada, de ter algumas citações do filme escritas na agenda e por muito tempo aquela cena em que o Rob atacava o Ian foi piada minha e do meu namorado na época. Foi em outubro de 2001 que finalmente li Alta Fidelidade de Nick Hornby. É uma edição de 1998 da Rocco, com uma capa meio xumbreguinha, papel branco toscão mas que depois da primeira leitura, só emprestei para três pessoas: Alex, Sol e Fábio. Medo tremendo de perder o livro, porque nunca antes eu tinha me reconhecido tanto em uma história, e queria tê-la sempre por perto. Não que eu fosse tão fissurada por música como o protagonista, era mais em pequenos trechos que eu me via ali. Na época, eu tinha largado Jornalismo e começado Letras, estava naquela fase em que o namoro começa a entrar em crise e você passa a se arrepender de ter se afastado tanto dos amigos. Eu não estava exatamente infeliz, mas era um reflexo pálido do que era minha vida um pouco tempo antes. Então eu entendia o que Rob queria dizer sobre os habitantes de Pompéia, porque me sentia petrificada naquela situação em que estava para sempre. Entendia Laura e seu “Estou cansada demais para não estar com você”. Ou o que era ter uma Charlie em seu passado. Ou como era ser “o cara mais patético do planeta”. Enfim.

Eu não gosto muito de releituras, mas perdi a conta das vezes que reli Alta Fidelidade, embora de uns seis anos para cá eu gostava mais de consultar trechos. E acabou que eu meio que já conhecia o livro de cor (de cor mesmo, de saber onde encontrar o trecho em que Rob comenta sobre a caneta de luzinha da Penny, por exemplo), mas sendo bem sincera, eu já tinha dado lugar para outras obras no meu top5 de todos os tempos, embora com um certo peso na consciência, sabe como é: nem pensaria em fazer top10 de livros não fosse Alta Fidelidade. E então chegou a tradução nova pela Companhia das Letras e eu simplesmente TINHA que conferir, do começo ao fim, releitura mesmo. Em partes por pura curiosidade sobre o trabalho do Christian Schwartz (falo disso mais para frente), e depois porque, como disse antes, realmente fazia tempo que eu não relia o livro. Hum, e eu também já estava ficando meio aborrecida com pessoas só se referindo ao livro ao falar de top5, como se ele fosse só isso, então achei que a releitura seria uma boa para antes de escrever um post sobre a obra.

Então, se você nunca leu Alta Fidelidade (o que acho difícil, mesmo com o trabalho esforçado da Rocco em dificultar o acesso das pessoas ao livro), o que você precisa saber é que não há nada de extraordinário em Alta Fidelidade, fora o fato de que é um livro gostoso pra caralho de ler. Não tem outro jeito de descrever, até porque a informalidade é parte do que faz a leitura tão boa. Rob Fleming é narrador-personagem, e vai contando sua história como se tivesse te chamado para uma conversa num bar. E você segue interessado na história dele porque ele poderia ser um amigo seu, ou mesmo você. Não é nem cheio de defeitos, nem cheio de qualidades: é só um cara de trinta e poucos anos, meio perdido depois de tomar um pé na bunda da namorada. Salpique aí muita cultura pop e pronto, você consegue entender a razão pela qual todo mundo que já tenha lido o livro goste tanto dele.

E a tradução do Christian Schwartz está muito boa. Não que eu não goste da tradução do Paulo Reis (Rocco), mas a do Schwartz deu uma atualizada no texto, digamos assim. Aproximou mais a voz do Rob da linguagem oral que é a marca registrada do livro e ainda por cima se saiu muito bem em um dos maiores pepinos de tradução que o Hornby já deixou para algum brasileiro. É um trecho até meio irrelevante para o todo, mas muito bacana e cheio de significado, que pode acabar se perdendo dependendo da tradução. Cliente chega na loja e pergunta para Rob se ele tem soul, e a resposta dele acaba se transformando em um jogo de palavras com soul music e alma, terminando com mais um jogo, que ele deixava os discos de soul perto dos de blues (e aqui blues tendo o duplo sentido de música mas também de tristeza). Na tradução do Paulo Reis ficou:

– Você tem soul?  – pergunta uma mulher na tarde seguinte. Isso depende, eu tenho vontade de dizer; alguns dias sim, alguns dias não. Poucos dias atrás eu estava sem; agora tenho muita, demasiada, além da conta. Queria poer espalhá-la mais uniformemente, gostaria de dizer a ela, atingir um equilíbrio melhor, mas parece que não consigo me organizar. No entanto, dá para ver que ela não estaria interessada nos meus problemas internos de controle de estoque, de modo que simplesmente aponto para o lugar onde guardo tudo que eu tenho de soul, junto à saída, ao lado dos blues.

Na tradução nova ficou:

 “Você tem algo de melancólico?”, uma moça pergunta na tarde seguinte. Depende, sinto vontade de responder; tem dias que sim, outros que não. Uns dias atrás eu não tinha; agora tenho muita melancolia, demais, mais do que consigo administrar. Queria poder distribuí-la melhor, quero dizer a ela, com mais equilíbrio, mas parece que não sou capaz de me organizar. Vejo que a moça não está interessada nos meus problemas de controle interno de estoque, porém, então simplesmente aponto a seção de soul, bem perto da saída da loja, junto à de blues.

Sobre o efeito da releitura, 12 anos após a primeira vez, o que tenho a dizer é que comecei a achar o Rob mais babaca. Um ego do tamanho de um bonde, que é (pelo menos na minha opinião atual) a principal motivação dele para voltar com Laura. Laura não quer sair da zona de conforto, já ele é um caso de não poder ser o que foi abandonado. Mas é só o que mudou. Isso e o fato de que agora reconheço muito mais as referências (na época ainda nem tinha visto Cães de Aluguel, por exemplo, que anos depois virou meu Tarantino favorito). O engraçado é que mesmo que eu não me reconheça mais nas personagens, eu ainda consigo gostar delas e entender suas motivações. Desse modo,  Alta Fidelidade acaba me tocando, e, é óbvio, continua sendo gostoso pra caralho de ler.

Em tempo, sobre o ~~Efeito Sutil~~: só consigo imaginar o Rob como o Guilherme Weber. A parte da história que não contei ali no começo do post é que em 2004 fui assistir a peça, que no final das contas foi a responsável por eu ter conhecido esse livro. Fiquei tão apaixonada que cheguei até a conversar com uma professora da faculdade sobre a possibilidade de fazer um projeto para o mestrado sobre A vida é cheia de som e fúria. Uma pena que não dê para ter um arquivo para assistir quantas vezes der na telha, porque é de fato, uma adaptação excelente.

ATUALIZADO DIA 07/03/2015: Alta Fidelidade está completando 20 anos. 20 anos, meu amigo. E Nick Hornby escreveu um artigo falando sobre como seria uma continuação do livro e, principalmente, sobre as mudanças no modo como nos relacionamos com a música de lá para cá. Link para o artigo aqui.

4 comentários em “Alta Fidelidade (Nick Hornby)”

  1. Li Alta Fidelidade lá por 2006, quando comecei a namorar com a Dani e não gostei. Reli agora, essa tradução nova, e gostei muito mais do que gostei em 2006, mas ainda assim não acho um grande livro. Ele começa muito, muito bem, nota 10. Mas depois de uns 40% do livro, a história meio que começa a se arrastar, até melhorar no final. Pra mim é o típico caso de “o filme é melhor”.

    A ideia que formei a respeito da história é um pouco triste, porque pra mim a mulher para o Rob não era a Laura, mas sim a Marie, com quem ele visivelmente combinava mais e de quem ele visivelmente gostava mais. Ele acaba ficando com a Laura no final não porque gosta dela, mas porque não consegue aceitar que outro que não ele fique com ela e faça a vida dela miserável.

    Da tradução: achei média. Ao mesmo tempo em que o tradutor dá um tom mais coloquial ao texto (“O Barry”, “A Laura”, etc.), ele manda uns “levara”, “trouxera”, etc. que ninguém fala. Notei uns erros toscos de acentuação e um “Obrigado” que deveria ser “Obrigada”.

    E, pra terminar, a respeito da capa: achei horrível. A capa ideal pro livro é a que a Dani descreveu pra mim: o piso de um apartamento, de parquê velho e arranhado, com uma caixa de discos impecáveis.

    1. Concordo sobre a capa, assim que vi pela primeira vez pensei “fuééééém”. A da rocco tb não era boa, mas essa consegue ser pior (e faz conjunto com Febre de Bola, infelizmente). Das gringas eu gosto desta aqui >> http://afterride.files.wordpress.com/2012/02/high-fidelity-cover.jpg

      Sobre a teoria do Rob não gostar da Laura, eu acho até que ele gosta, mas não é o gostar pra ter um relacionamento como o deles. Laura seria uma boa namoradinha no passado, se fosse no lugar da Charlie provavelmente não teria ferrado a vida dele e blablabla. Acho que o negócio de ele ficar desesperado pra voltar pra ela só por causa do Ian me pareceu bem nítido nessa releitura: Se ela tivesse ficado sozinha por uns tempos, é provável que nunca tivessem voltado, no final das contas.

      Mas com a Marie ele sempre parece muito mais empolgado com a relação dela com a música (tipo aquela hora que ele se empolga todo por ter transado com uma guria com quem um cara famoso também transou).

      Edit: Esqueci do lance da tradução: então, eu nem tinha notado os trouxera e afins, para mim acabou passando batido. Mas os outros problemas (tipo o obrigado/obrigada) são mais problema de revisão do que de tradução, no final das contas. =S

  2. Raquel Moritz – Blumenau, SC – Editora e publicitária blumenauense apaixonada por literatura. Anda sempre com um livro na bolsa e gosta de falar sobre seus livros e séries favoritas no Pipoca Musical.
    Raquel Moritz disse:

    Alta Fidelidade é demais, adoro o livro e gostei pra caramba do filme. Essa edição da Companhia das Letras ficou muito mais legal que a que tinha antes, né? Embora eu ainda seja apaixonada por aquela capa verde maneiríssima. 🙂

    Bjsss!

    1. O meu antigo é uma edição da Rocco com vinis em p&b e o nome do livro em azul. É meio sem graça, mas tanto tempo só vendo essa capa acabei me acostumando haahah

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