A importância de ser prudente e outras peças (Oscar Wilde)

Há algo de irônico na produção teatral de Oscar Wilde: as falas e ações de suas personagens parecem a todo momento um festival de tapas de luva de pelica na mesma sociedade que iria aos teatros assistir às peças, ou que aceitaria o dramaturgo em seu convívio (obviamente aceitação anterior ao período que passou na prisão de Reading). O artista que falava da arte pela arte, de escrever sem querer passar morais edificantes, no final das contas conseguia através de suas peças fazer as mais ácidas críticas a uma sociedade que vivia de aparências, um jogo de máscaras onde ninguém de fato era o que aparentava ser.

É o que se pode ver em A importância de ser prudente e outras peças, lançado recentemente através do selo Penguin-Companhia da editora Companhia das Letras. As três peças que fazem parte da coletânea têm em comum o fato de servirem como retrato perfeito do comportamento da grande sociedade da época, cheia de figuras que mostram a mais completa frivolidade sobre assuntos considerados importantes, como o casamento, por exemplo.

A coletânea abre com Uma mulher sem importância, que teve sua primeira apresentação em 1893. A ação se passa na casa de campo de Lady Hunstanton, em um encontro com diversas pessoas que representam a alta classe inglesa, embora nas palavras de Lady Caroline “ela seja um pouco permissiva na seleção das pessoas que convida para vir aqui”, o que pode significar uma crítica inclusive para sua interlocutora, a americana Hester. Aos poucos durante a peça as verdadeiras personalidades vão se revelando, até chegarmos ao desfecho que é até um tanto inesperado se considerarmos a época.

O chame de Uma mulher sem importância não reside tanto no enredo, mas nos diálogos criados por Oscar Wilde. Muitas das citações que as pessoas fazem do escritor sobre casamento, mulheres, etc. são retirados desta peça, principalmente das falas da ótima personagem que é Lorde Illingworth. Para quem está familiarizado com o Retrato de Dorian Gray, acredito que basta dizer que ele se parece em muito com Lord Henry.

A peça a seguir é O marido ideal, que aqui mescla politicagem e amor a já mencionada falsidade da alta sociedade vitoriana. Mais uma vez os diálogos inteligentes e rápidos fazem toda a graça da história, que tem como enredo o sucesso político de Robert Chiltern sendo ameaçado por uma chantagista, Lady Cheveley. Quem rouba a atenção aqui é o excelente Lorde Goring, que como os outros “lordes” de Wilde é um bon vivant encantador, talvez até mesmo por sempre dizer a verdade que a sociedade tanto se esforça para esconder sob máscaras.

Inclusive a relação de Goring com a irmã de Robert Chiltern, Mabel, também rende ótimos momentos. Há um diálogo próximo no quarto ato que é simplesmente impagável:

MABEL – Você quer dizer que não veio até aqui expressamente para me pedir em casamento?
LORDE GORING – (triunfante) Não; foi um lampejo de genialidade.
MABEL – O seu primeiro.
LORDE GORING – (com determinação) O meu último.
MABEL – Fico muito feliz em saber. Agora não saia daqui. Volto em cinco minutos. E não caia em nenhuma tentação enquanto eu estiver longe.
LORDE GORING – Mabel, querida, quando você esá longe, não há nenhuma tentação. Isso me torna terrivelmente dependente de você.

É esse tipo de conversa, com jogos de palavras e um tom muito espirituoso que tomam conta das peças de Wilde, inclusive na última da coletânea e que justamente dá nome ao livro: A importância de ser prudente. Há nesse título um trocadilho que infelizmente acaba se perdendo na tradução, entre a palavra Ernest (nome bastante importante no enredo) e Earnest (palavra que pode ser traduzida como “honesto”). Uma vez que não há pessoa que se chame “honesto”, está aí a razão para que tenha sido escolhida a outra possibilidade de tradução da palavra, “prudente”, que até que satisfaz o sentido. Essa peça já foi traduzida também como A importância de ser honesto e A importância de ser Ernesto, mas prefiro a tradução da Penguin-Companhia.

O motivo pelo qual o nome é tão importante é que o enredo todo se sustenta nele: Prudente (Ernest no original) é o nome adotado por Jack para viver uma vida livre de qualquer cobrança ou preocupação na cidade, enquanto no campo por conta da resposabilidade que deve à Cecily encarna uma personalidade de “homem respeitável”. Por outro lado, Algernon adota o nome Prudente quando visita a casa no interior de Jack, e se apaixona por Cecily. Temos então alguns desencontros misturados sempre ao ótimo humor de Wilde até chegarmos ao final feliz.

O tema da falsidade se repete, servindo como crítica para a alta sociedade da Inglaterra vitoriana. O mesmo grupo que tanto parece admirar Wilde embora como colocado na introdução de Richard Allen Cave, o trate como uma espécie de bufão, o bobo da corte que tem a licença poética para falar as verdades que eles mesmos queriam tanto esconder. Aliás, a introdução de Cave é muito interessante, por ser observada principalmente sob a ótica do teatro em si – algo que falta em material traduzido aqui no Brasil sobre Oscar Wilde.

A importância de ser prudente e outras peças vem também com as já conhecidas notas do selo Penguin-Companhia, que complementam (e muito) a leitura. Considerando que boa parte do texto do Wilde é crítica social, é fundamental conhecer detalhes da sociedade em questão, que é uma das informações que as notas trazem. Elas aparecem no final do livro, e embora eu prefira as que fiquem no rodapé da página, até entendo a opção: alguns textos das notas são relativamente longos e a formatação da página ficaria estranha. Mas é realmente algo que faz valer inclusive eventuais releituras. Comento isso por experiência, já que O Marido Ideal é uma das minhas peças favoritas e a conheço quase de cor. Mesmo assim, ler acompanhando as informações das notas enriqueceu muito a experiência.

Assim, somando à introdução de Cave e à boa seleção das peças, dá para dizer que A importância de ser prudente e outras peças é indispensável para os fãs de Wilde, e uma boa sugestão para quem leu O Retrato de Dorian Gray e quer conhecer um pouco mais do autor. Acreditem, ler Wilde é realmente um prazer. São raros os casos em que fica tão claro que humor é também um sintoma da mais fina inteligência.

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