Arte e Letra: Estórias M

Quando lemos um pouco sobre a literatura do século XIX, muitos dos nomes que conhecemos até os dias de hoje tinham algo em comum, que era a publicação de seus escritos em jornal. Na maior parte das vezes eram contos, ou romances públicados em capítulos tais como se fossem novela, que garantiam o ganha pão do autor e a diversão de várias pessoas em uma época sem televisão, computador ou seja lá o que as pessoas considerem entretenimento hoje em dia. Edgar Allan Poe, Sir Arthur Conan Doyle… tenha certeza, muitos desses não estariam entre nossos favoritos caso não tivessem ganhado um espaço em periódicos daquele tempo.

E é pensando justamente nisso que a proposta da editora Arte e Letra para a revista Estórias é tão importante. Em uma revista-livro caprichadíssima, temos o que de certa forma seria a versão moderna daquelas publicações do século XIX: a possibilidade de conhecer novos escritores e de resgatar outros tantos que podem por ventura ter sido esquecidos com o passar do tempo. É um espaço para quem escreve, mas é também (e isso é importante destacar) diversão garantida para o leitor que busca na leitura não só prazer, mas a certeza de ter um texto de qualidade em mãos.

A Edição M vem com belíssimas ilustrações de Athos Bulcão, que aparecem entre um conto e outro. Entre os autores já consagrados traz E.T.A. Hoffmann com seu importantíssimo O Homem da Areia, e tradução por conta de Guilherme da Silva Braga (já entrevistado aqui no Meia Palavra). Outro grande clássico é O Estudante de Anton Tchecov, traduzido por Gabriela Soares da Silva e Bibliomanie de Gustave Flaubert, traduzido por Sandra M. Stropparo (de quem tive a ótima oportunidade de ser aluna na UFPR).

São excelentes escolhas entre nomes famosos porque são representativos da obra do autor. O Homem da Areia traz a mistura do fantástico com a realidade que faria de Hoffmann fonte de inspiração para outros escritores (como o já citado Edgar Allan Poe e, coincidência! Flaubert, que chega a citá-lo em Bibliomanie). O Estudante tem um tom introspectivo e melancólico bastante típico da narrativa de Tchecov, e conforme explicado na introdução do texto, era um dos favoritos do autor.

Há também os textos de dois autores que nasceram no mesmo ano, 1866, e embora seus textos já tenham aí bastante tempo de existência, parece que aparentemente ainda são pouco conhecidos do público brasileiro. Tratam-se de E.W. Hornung com Idos de Março (traduzido por Adriano Scandolara) e Ramón del Valle Inclán com O Medo (tradução de Iara Tizzot). Na primeira história temos muito daquela Londres que habita o imaginário popular, com forte neblina e andanças pela Bond Street. Mas ao contrário do que se espera, não temos mais um detetive, o protagonista aqui é um ladrão. O Medo é um texto bastante breve, porém de uma força que chama bastante a atenção.

Finalmente, há os textos dos escritores contemporâneos, os brasileiros que com publicações como essa vão ganhando espaço e novos leitores. De certa forma eles conversam entre si, com tons de melancolia, loucura e um pouco do fantástico. O primeiro na coletânea é Trem das Consequências de Roberto Sousa Causo, talvez o que mais apresente desse último elemento. Ezra de Sérgio Tavares é bastante forte, como há de se esperar de uma história na qual o protagonista acorda com vontade de matar alguém. Tempo Demais de Simone Magno é bonito e ao mesmo tempo bastante triste, com um desfecho até surpreendente. Fechando a revista temos Mobília de Edson Valente, no que me pareceu uma visão bastante inusitada de um suicídio.

A escolha dos contos foi muito boa, resultando em uma edição que tem tudo para agradar quem quer conhecer novos rostos e visitar velhos conhecidos. Arte e Letras: Estórias merece reconhecimento pelo que está fazendo pela Literatura no Brasil. Como aparece no fim da revista, “o mundo seria bem melhor se as pessoas lessem mais”. Com Estórias M em mãos isso fica bem mais fácil.

Autores da Edição: E. T. A. Hoffmann, Gustave Flaubert, Roberto de Sousa Causo, Sérgio Tavares, E. W. Hornung, Simone Magno, Ramós Del Valle Inclán, Edson Valente e Anton Tchekhov
Tradutores da Edição: Guilherme da Silva Braga, Gabriela Soares da Silva, Sandra M. Stropparo, Adriano Scandolara e Iara Tizzot.
Ilustrações: Athos Bulcão

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