Diferentes leituras sobre um mesmo filme

Eu sei que muitas pessoas adoram listar as ‘n’ situações nas quais os livros são melhores do que os filmes, valendo-se sobretudo do argumento de que nada supera a imaginação. Mas a verdade é que tem algumas coisas que funcionam tanto para o cinema quanto para a literatura, e uma delas (e acredito que a mais legal) é a possibilidade de “ler”/”compreender” uma história de forma diferente. Enquanto todo mundo vê algo como “x”, aparece alguém e mostra um outro jeito de ver aquilo, o que às vezes pode até melhorar sua experiência.

O primeiro exemplo disso que tive com a telona foi com o filme Sinais, do Shyamalan. Ao contrário de muitas pessoas eu saí do cinema super animada com o que tinha assistido, adorei mesmo a tal da história dos ets (e juro que até hoje em dia nem dou bola para aquela coisa dos bichos vindo para um planeta que tinha quantidade absurda justamente do que poderia matá-los, hehe). Mas aí uns dias depois estava lá eu nerdiando na Fórum Valinor quando o Folco postou uma “teoria” sobre Sinais (que segue dentro de spoiler):

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Bem, vamos direto ao assunto: Não houve invasão alienígena.

Sim, você leu direitinho. Nenhum alienígena veio do espaço. Nenhum alienígena chegou a pousar aqui na Terra, nada.

Na verdade, eu acredito que, em vários momentos do filme, Shyamalan deu dicas de uma possível história escondida por de baixo da história na superfície da invasão alienígena. Acredito que o filme é muito mais cheio de significado do que parece. Desde a primeira vez que eu vi o filme, percebi alguns momentos estranhos na história e algumas coisas que realmente pareciam pistas para desvendar um mistério.

Eu não tinha criado teoria nenhuma ainda. Quando eu li a teoria no IMDB, eu vi que o cara acertava em algumas coisas e errava em outras. Em algumas ele encaixava cenas estranhas e colocava sentido nelas e outras era puro exagero. Aqui está a minha versão do que realmente aconteceu.

Primeiro lugar, só apareceu UM “alienígena” no filme inteiro. Mesmo que o filme o faça pensar que apareceram vários, você só ve UM no filme inteiro. Eu peço para esquecer tudo que apareceu na TV. TUDO. Os jornais, as naves sobrevoando a cidade, o Et no Brasil, TUDO. Nada daquilo foi verdade. Nada do que apareceu lá é verdade. O único meio de contato que Graham tinha com o mundo e a única coisa que o contou que uma invasão estava acontecendo foi a TV. E a TV mentiu. Ou Graham mentiu pra si mesmo…

A cena em que Morgan vai a livraria comprar o livro sobre Ets, tem um cliente que está assistindo TV e comenta com a dona do local que eles estavam inventando essa história de invasão para vender refrigerante. Essa é a primeira dica que eu percebi no filme que comprovava a teoria de que não houve invasão. A outra é que nada é provado de que houve a invasão a não ser pela TV.

Voltando para o alienígena que apareceu no filme, o único, ele não era um alienígena. Era um monstro. Um demônio. Sim, ele era fruto da imaginação de Graham e de Ray e da família. Ele era a dor de Graham pela perda de sua esposa. O arrependimento. A culpa. Ele representava tudo isso. O sinal de que ele estava por vir foi o SINAL da plantação. Era o sinal para Graham de que estava na hora de enfrentar esse medo, essa dor interna que ele sentia pela morte de sua esposa.

O primeiro a enfrentar o demônio que perseguia eles foi RAY. Nós claramente vemos que ele estava desesperado, acabado de lutar com o seu medo, o seu demônio interno, e o sangue o cansaço representava isso. Ele consegue vencer o seu medo, pede desculpas para Graham e se conforma com a morte de Colleen. E como ele fala: “Não entre na dispensa. Eu tranquei ele lá.”

Pronto. A partir desse momento, é a vez de Graham enfrentar o seu medo. É a vez dele descobrir o porque de que ele desistiu de ser padre, perdeu a fé com a morte de Colleen. E ocorre o primeiro encontro com o monstro, quando ele corta os seus dedos.

Depois desse momento, ele sabe que as coisas estão realmente sérias. Ele pode não vencer o seu medo. Ele pode não resistir. Como na primeira vez que ele viu o Et no milharal, logo depois ele fala que vão começar a assistir TV e o desespero cresce entre eles. E tudo que ele está vendo na TV está se passando na sua mente. A paranóia, o medo.

Quando durante o jantar ele vê que a família está unida, ele sabe que está na hora de enfrentar o seu medo. É o momento que o monitor de bebês toca.

Ele se esconde com o resto da família no porão e fecha a porta. Agora pensem. Muitas pessoas estavam reclamando da falta de força dos alienígenas, que não conseguiram abrir a porta do porão… Mas então como o alienígena que perdeu os 3 dedos saiu da dispensa? Eu acho que eles tinham força pra quebrar aquela porta sim, mas aí vem outra pista deixada por Shyamalan: “Eu não estou pronto.”. Isso é o que o Graham fala quando os “alienígenas” estão quase quebrando a porta e de repente, eles param de tentar quebrar. Sim, eles desistem de entrar por aquela porta. Graham pode ter falado que não estava pronto pra Deus, mas ele pode ter entendido a mensagem para ele mesmo e naquele momento, ele decidiu que não ia morrer.

Os outros membros da família podiam nem estar lá. Nem estar acordados. Podiam estar todos dormindo. Mas aquilo estava se passando na cabeça de Graham e eu tenho certeza.

No final, quando ele encontra o último e único monstro do filme que se vê em pessoa, o demônio que assombra Graham, ele vê que é a hora de enfrentá-lo. Nesse momento, o personagem realiza uma coisa que vai mudar o resto de sua vida. Ele percebe que Colleen morreu para ajudá-lo a vencer o seu demônio. Ela morreu para provar que a Graham ainda tem fé, que ele não podia perdê-la. Que Deus existe. Ela morreu para salvar Graham. Ela contou tudo, do bastão que ele ia ver e do golpe que Merril ia acertar!

E naquele momento, o alienígena NÃO REVIDA!!!! Não revida. Ele simplesmente fica parado enquanto Merril bate o taco nele. Qual seria uma explicação normal disso segundo a história superficial do filme? Que tipo de ser não lutaria por sua vida, alienígena ou não? É porque Graham estava acreditando. Ele estava ganhando sua fé novamente. Ele acreditou que podia vencer o seu demônio e o próprio demônio passou a desistir. Pois Graham tinha sua fé de volta.

A água, que era benta, já que Graham era ou foi padre, matou o alienígena. ÁGUA BENTA. Contra o demônio. Era o único jeito de matá-lo. Não era uma fraqueza de uma alienígena, era a fraqueza de um demônio. E naquele momento, a água de Bo, o pulmão de Morgan, o bastão de Merril. Tudo se encaixou. Graham viu que ele podia resistir. Viu que sua fé voltaria.

E ela voltou, como mostra na última tomada do filme.

O filme é cheio de outros mistérios, como a primeira fala de Bo no filme: “Você está no meu sonho também, pai?”

Podia significar qualquer coisa. Podia ser mais uma pista.

E o livro que ele viu com Morgan e Bo. Tinha uma foto exatamente igual a sua casa, em chamas, com o corpo de um adulto e duas crianças no quintal. Aquilo estava praticamente na cara que era a foto de Graham e sua família. Que aquela foto era um tipo de sinal de aviso para o que estava por vir.

E a morte do cachorro logo no início do filme, que não consegui encontrar um significado. Quem tiver alguma idéia, por favor poste, porque já que postei essa teoria toda, é melhor dar uma discussão boa.

Sim, eu acredito em tudo que falei aí em cima. O filme pode ser visto de duas formas. Ou um excelente thriller sobre invasão alienígena ou um filme profundo, misterioso sobre a FÉ. É um filme espiritual. Um filme com uma atmosfera estranha, tensa e incerta. O filme tem diálogos lindos e momentos verdadeiramente emocionantes, como a cena do último jantar, “a última ceia” como eu gosto de chamar. Eu não estou pedindo para que acredite em tudo que falei, mas muitas pessoas acreditam e eu também. Tenho quase absoluta certeza de que Shyamalan tinha algo preparado no fundo, algo além de uma história sobre vida inteligente fora da Terra…

Bom, se você concorda ou não com isso, depende de você. Mas é inegável que  às vezes o filme fica até mais divertido com a possibilidade de vê-lo dessa maneira. Uma das últimas “leituras alternativas” que vi foi sobre Curtindo a Vida Adoidado, que também muda completamente o que víamos na nossa Sessão da Tarde favorita (no spoiler).

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No caso, Ferris Bueller seria o equivalento ao Tyler Durden dos anos 80, digamos assim. Cameron, o amigo nerdão, criou Ferris e tudo o que acontece no filme é apenas imaginação dele.

Tem uma explicação mais detalhada sobre isso aqui. Outra também recente (e para mim um tanto absurda) é sobre Arrasta-me para o Inferno, do Sam Raimi. Verdade seja dita eu já não lembro de muita coisa do filme já que eu não assisti ‘n’ vezes como no caso de Curtindo a Vida Adoidado (hehe), mas enfim, a leitura alternativa diz que…

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Não há maldição de velha do mal coisa nenhuma, trata-se apenas de um filme com uma menina sofrendo os efeitos colaterais da anorexia.

Mais sobre isso aqui. E apareceu no Youtube um video com toda uma teoria sobre Embriagado de Amor, que eu até compartilharia com vocês aqui, mas infelizmente o dono do video o retirou do ar e eu não consegui encontrar de outra fonte. O que é uma pena, porque o sujeito se esforçou mesmo, falava até da cor do figurino das personagens. Mas a coisa toda era mais ou menos sobre…

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… Barry estar morto e Lena ser um anjo auxiliando na “passagem”.

O Cracked chegou a fazer uma lista com 6 teorias de fãs que fazem os grandes filmes melhores (lá tem a do Curtindo a Vida Adoidado, btw) o que mostra que esse tipo de leitura alternativa é mais comum do que pensamos. Aliás, sabe o que é o mais legal? Pode ter por aí um filme que todo mundo assistiu de um jeito, e que você nem faz ideia de que sua “leitura” é única – e talvez até mais interessante do que a da maioria das pessoas. E é por isso que eu, mesmo já não sendo mais uma participante lá da área de cinema da Valinor como costumava ser em 2002, ainda assim gosto tanto das discussões que saem por aí sobre filmes.

5 comentários em “Diferentes leituras sobre um mesmo filme”

  1. Na verdade eu tb sou uma das poucas pessoas que gostaram de Sinais, mesmo quando vi no cinema achei bem legal, e o alienígena aparecer no final não estragou em nada pra mim tb (ao contrário de muita gente, pelo que sei).

    Nunca tinha pensado nesse aspecto de Sinais, e me parece uma faceta ainda mais interessante pro enredo. Minha dúvida é a seguinte; teria M. Night Shyamaladingdong realmente essa profundidade em seus alfarrábios? Tenho cá minhas dúvidas. No caso de Arrasta-me para o inferno, tenho certeza que não foi intenção do Sam Raimi fazer algo além do bom e velho terror estilo 80’s.

    Quanto ao link das outras ideias pra esse tema, confesso que ja havia pensado na hipótese do James Bond ser um codenome, e não nome efetivamente do sujeito. Explicaria perfeitamente, inclusive, as mudanças temporais nos filmes.

    Um bom “food for thought” esse post 😀

      1. Sim, viagem no tempo mesmo. Os poderes do guri abriram um vórtex temporal que uniu o presente com o passado, do tempo do Dilbert Grady. Sim, o Jack Torrance pirou na batatinha, mas o hotel não era mal assombrado, aquilo tudo tava acontecendo de novo naquele lugar e naquela época.

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