The Versions of Us (Laura Barnett)

versionsofusTem uma cena que gosto bastante em Quase Famosos, se eu não me engano o empresário da banda estendia as mãos para o grupo. Uma estava fechada, na outra ele mostrava um isqueiro. E então ele dizia “You can have only one. Which one do you want? As long as you can’t see what is in this hand, you’ll always want it more.” e ele abre a mão e mostra que estava vazia. O que gosto dessa cena é que ela mostra um problema constante em nossas vidas: não temos como saber como seria se tomássemos uma decisão diferente, então quando as coisas vão mal por causa de uma escolha, tendemos a romantizar as outras possibilidades, enxergá-las como possivelmente as corretas, as que nos fariam felizes.

É esse exame das possibilidades que Laura Barnett traz em seu primeiro romance, The Versions of Us. Aqueles momentos que uma vez ou outra vemos em nossas vidas como decisivos, e tentamos adivinhar como seria “se…” eles não tivessem ocorrido, ou ao menos ocorressem de maneira diferente. Seguindo três versões das personagens Eva e Jim, que se conhecem em 1958, quando têm 19 anos.

Na versão um, Eva aceita o convite de Jim e segue com ele até um pub, onde conversam, se apaixonam perdidamente e dão início a uma vida juntos. Na versão dois, Eva recusa o convite e vai encontrar o então namorado David, ainda em início de carreira. Na versão três, ela aceita o convite, eles se apaixonam, mas por descobrir que está grávida de David acaba terminando o relacionamento recém-iniciado com Jim para criar a filha.

A narrativa acompanhará as vidas dessas personagens nas três versões de 1958 até 2014, quando a história se encerra. Sim, como é de se esperar, começa um tanto confuso. É o tipo de ideia que talvez funcione melhor em uma mídia como o cinema (vide casos como Mr. Nobody e um bem bacaninha que vi recentemente, Comet), porque você conta com outros recursos para mostrar qual linha do tempo está sendo seguida (cor de roupa de personagem, corte de cabelo, etc). Mas logo dá para pegar o ritmo, a estranheza da leitura fica de lado e só a indicação de qual é a versão que virá a seguir já basta para o leitor.

Apesar de buscar um equilíbrio entre o ponto de vista de Eva e Jim, fiquei com a impressão de que o ponto de vista dominante na história é o de Eva. Talvez porque as versões acabam dependendo dela, mas também porque você consegue perceber a todo momento aquele questionamento básico sobre como a questão amor, filhos e carreira podem fazer tanta diferença na vida de uma mulher, ao menos a curto prazo.

Porque se ela decide cuidar dos filhos, isso significa que sua carreira se desenvolverá tardiamente. Se ela decide ficar com Jim e cuidar da carreira, logo enfrentará problemas por ser mais bem sucedida do que o marido. Escolhas e mais escolhas, nunca sabendo o que tem na outra mão. E o curioso é que parece que independente dos rumos que toma, há sempre a figura de um homem ajudando a defini-la. A cuidadora de Ted, o romance tardio do pintor Jim, a esposa do famoso ator David Katz. Lembra em muito uma observação que a própria personagem faz no funeral da sogra: “But Vivian: artist’s widow, artist’s mother. How dreadful, Eva thinks, that her life should be defined only in relation to the men she loved.

Confesso que o que me incomodou no livro foi o tom meio de novela dado para a vida das personagens. Algumas situações se arranjando facilmente, provavelmente pelo formato da história – filha some, filha reaparece quando fica grávida. Ou talvez a vida seja mesmo assim, quando observamos em saltos, considerando só os eventos mais importantes, e não os pequenos detalhes do cotidiano. E a essência de cada personagem se sustenta de uma versão para outra: os acontecimentos podem até empurrar uma personagem para um caminho completamente oposto do outro, mas em cada decisão há a marca da personalidade de cada um deles. Note como Eva lida com a traição de maneiras semelhantes em todas as versões, independente de quem é o “traidor”. Ou como Jim vive constantemente sob o peso da responsabilidade com a mãe, e com medo de ser como o pai.

Próximo da conclusão, chega a ser até engraçado notar como nos familiarizamos com todas aquelas personagens, e como no final das contas a ideia mais forte de toda obra é que realmente não há nada que com o tempo não acabemos enxergando de forma diferente. Cada caminho tem lá suas delícias e suas dores, não há um caminho que seja só carregado de felicidade – ainda mais quando se vive muito.

A verdade é que passei boa parte do livro lembrando dos versos do Dana Gioia, que eu já coloquei aqui em outro momento, mas vou recolocar porque resume perfeitamente essa nossa busca por outras versões nossas:

Summer Storm

We stood on the rented patio
While the party went on inside.
You knew the groom from college.
I was a friend of the bride.

We hugged the brownstone wall behind us
To keep our dress clothes dry
And watched the sudden summer storm
Floodlit against the sky.

The rain was like a waterfall
Of brilliant beaded light,
Cool and silent as the stars
The storm hid from the night.

To my surprise, you took my arm–
A gesture you didn’t explain–
And we spoke in whispers, as if we two
Might imitate the rain.

Then suddenly the storm receded
As swiftly as it came.
The doors behind us opened up.
The hostess called your name.

I watched you merge into the group,
Aloof and yet polite.
We didn’t speak another word
Except to say goodnight.

Why does that evening’s memory
Return with this night’s storm–
A party twenty years ago,
Its disappointments warm?

There are so many might have beens,
What ifs that won’t stay buried,
Other cities, other jobs,
Strangers we might have married.

And memory insists on pining
For places it never went,
As if life would be happier
Just by being different.

O livro saiu e junho deste ano lá fora, acredito que ainda não tenha sido lançado por aqui. Fiquei sabendo sobre ele em uma das ‘n’ listas de “novos nomes da ficção que você deveria prestar atenção”, mas obviamente eu não consigo achar o link original, então vou deixar um de um artigo do Guardian (New faces of fiction 2015) e um do Red Online (The best new authors you need to know about now). Assim que reencontrar o artigo que fez com que eu colocasse a Laura Barnett na minha lista de livros para ler eu atualizo aqui, hehe.

4 comentários em “The Versions of Us (Laura Barnett)”

  1. Ótima resenha Anica! Vou torcer para chegar aqui logo…. não tenho muita paciência para ler em inglês. O tempo para leitura já é escasso, e eu demoraria o triplo do tempo… rsrsrs.

    Esse livro me fez lembrar o formato do livro “O mundo pós aniversário” da Lionel S. Vc leu?

    Bjo,

    Flávia.

    1. Eu não conhecia, mas fui dar uma sondada e pelo menos pela sinopse parece que seguem uma linha semelhante mesmo. Fiquei curiosa sobre esse agora =D

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