Amsterdam (Ian McEwan)

13327_gg(Sempre que vou falar algo sobre o Ian McEwan lembro de uma cena de Alta Fidelidade. Achei que seria um bom momento para registrar isso, desculpa aí a qualidade ruim do video. Acho que também é um bom momento para avisar que pode haver spoilers por aqui, então a não ser que você não ligue para isso, é melhor voltar quando já tiver lido o livro.)

Amsterdam saiu lá fora em 1998, ganhou uma edição brasileira no ano seguinte pela Rocco e ano passado ganhou nova tradução pela Companhia das Letras. Foi o livro com o qual McEwan ganhou o Man Booker Prize, o que eu sei que não quer dizer muita coisa, mas vá lá, agora já falei. Eu acho que o principal de todas as informações sobre o livro é o ano de 1998, tão próximo da virada do milênio e uma fronteira importante sobre a popularização da internet (pouco tempo depois disso, o que era algo para poucos virou lugar-comum em nossas vidas). Isso acaba fazendo um sentido enorme dentro da história de Vernon e Clive, dois amigos que se encontram no funeral da ex-amante e impressionados como o mal que a mulher sofrera fora tão súbito e lhe tirou qualquer dignidade no fim da vida, acabam fazendo um trato de que se um deles acabasse em situação semelhante, o outro deveria dar um jeito de matá-lo.

Como todo livro do McEwan eu comecei lendo achando que seria uma coisa, e aos poucos ele foi se revelando algo completamente diferente do que eu esperava. Eu gosto do jeito que ele quebra essa expectativa, então para mim ver uma história que eu tinha certeza que seria um drama debatendo a eutanásia se transformar em um tipo de suspense salpicado de humor negro foi uma ótima surpresa. Não que não existam debates envolvendo ética, moral ou seja lá qual for o prato do dia: é só que o autor consegue escapar do caminho óbvio que poderia ter tomado.

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Noites de Alface (Vanessa Barbara)

Otto e Ada viveram juntos na casa amarela por muitos anos, até que um dia Ada morre, e Otto fica para trás tendo que lidar não só com a perda da esposa, mas com a solidão que chegara depois de anos pensando e fazendo tudo em dupla. Assim, pense em uma versão com idosos de alguns versos de I just don’t know what to do with myself: I just don’t know what to do with myself/Don’t know just what to do with myself/I’m so used to doing everything with you/Planning everything for two/And now that we’re through… Esse será o motor principal de Noites de Alface, de Vanessa Barbara. Infeliz com a perda da esposa, Otto mescla memórias dela com observações que vai fazendo da vizinhança da cidadezinha do interior, “adivinhando” o que acontece nas outras casas a partir do que Ada lhe contara, e dos barulhos que escuta.

E aos poucos, nós mesmos vamos conhecendo a vizinhança, num modelo que de certa forma se aproxima de The Brief History of the Dead que eu acabei de ler, com um capítulo concentrado em uma personagem. A diferença é que se no livro americano eu não achei que as personagens foram bem desenvolvidas dentro desse modelo, em Noites de Alface eu fiquei surpresa como a autora conseguiu desenvolver tão bem cada uma das figuras da cidadezinha, de torná-las tão palpáveis e carismáticas ao ponto de prenderem sua atenção mesmo que o que esteja retratado ali seja mero cotidiano: datilografa, vende remédio, bate iogurte no liquidificador, etc. Não há nada de realmente extraordinário (pelo menos aparentemente, já falo disso), mas cada um deles acaba conquistando sua atenção, como se fossem todos protagonistas junto ao Otto.

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The Brief History of the Dead (Kevin Brockmeier)

Pegue um papel e anote nele todas as pessoas das quais você se lembra. Para facilitar, pense em categoria de pessoas, começando por sua família. Pais, avós, irmãos, primos, tios. Agora pense na categoria trabalho. Chefe, gerente, colegas, tia do cafezinho. Vizinhos. Faculdade. E siga aí, fazendo sua lista. Há uma possibilidade grande de que você canse antes de chegar perto do fim de descobrir o número real de pessoas que apesar de não conviver diariamente (ou há tempos), ainda assim você lembre delas. É com essa infinidade de pessoas que armazenamos na memória que Kevin Brockmeier brinca em seu The Brief History of the Dead, publicado lá fora em 2006 (e, no que diz uma busca mequetrefe no google, sem tradução no Brasil).

A premissa básica do romance é que quando uma pessoa morre, ela não vai para um céu ou inferno. Ela vai para uma cidade, onde ficará com outras pessoas mortas até o momento em que não exista mais ninguém vivo que lembre dela. Há alguns trocadilhos no texto que deixam implícita a ideia de “alma”, mas os habitantes dessa cidade comem, dormem, ouvem música, se apaixonam, enfim, “vivem” como fariam do lado de cá. E aí você pega o papelzinho onde anotou o número de gente de quem você lembra e pensa: nossa, então essa cidade deve estar cheia, e seu raciocínio está correto, embora a cidade de adapte às novas “almas” que vão chegando, e vai crescendo cada vez mais, além de existir um certo equilíbrio: para um determinado número de gente que chega, há outro que vai embora.

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Les revenants

A primeira vez que ouvi falar sobre Les revenants lembro que a definição era “série de zumbis francesa”.  Antes de começar a assistir de fato fui atrás de outras informações e então descobri que ainda conta com só uma temporada (oito episódios iniciados em 2012), que a segunda temporada tem previsão de estreia para a segunda metade de 2014 e que a série é uma espécie de remake de um filme de 2004 dirigido Robin Campillo. Hum, sim, também vi esta imagem aqui da publicidade:

E achei que tinha tudo para gostar e lá fui eu, dar uma olhada nessa primeira temporada. Já no primeiro capítulo já fiquei bastante interessada, até porque fugia do que já é mais conhecido nas histórias de zumbis: você não via cadáveres se decompondo andando de um lado para outro, mas pessoas normais. Até por causa disso, acho que a nota principal de Les revenants acabou ficando com o drama ao invés do terror, apesar da história central. Esta primeira temporada é muito mais sobre como os vivos se relacionarão (ou ainda, lidarão) com os mortos-vivos do que com sustos causados por comedores de cérebro, digamos assim.

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House of Leaves (Mark Z. Danielewski)

É curioso que meu último post aqui no blog tenha sido sobre livros de papel e e-books, porque logo depois resolvi (FINALMENTE) ler House of Leaves, um livro que aparentemente ganhará edição eletrônica, mas que não consigo imaginar como isso acontecerá sem algum prejuízo. Porque House of Leaves depende de cor (o que restringiria a leitura para e-readers como o kindle), depende de uma formatação fixa inclusive das notas de rodapé e outros tantos detalhes que fazem dele o que ele é. Sabe quando até a capa tem significado? Então. A obra é toda cheia de pistas, algumas irrelevantes (tem o nome do autor escondido em uma nota de rodapé gigante) outras mais importantes (uma carta esconde um outro texto em que uma mulher revela que foi estuprada no hospital psiquiátrico). É um livro que exige bastante do leitor, não só pela atenção, mas pelas “n” releituras de trechos que aparentemente não diziam nada, “n” momentos refletindo depois o que algum trecho poderia dizer. Pega um lápis, rabisca sem dó. Enfim, é livro para ser lido como livro de papel mesmo.

A primeira vez que ouvi falar de House of Leaves foi em uma dessas listas que pipocam por aí sobre livros “intraduzíveis”. Fiquei curiosíssima após ver algumas imagens mostrando a formatação completamente louca das páginas, imaginando como é que aquilo se encaixaria na história, que em teoria é até simples. Temos três linhas para seguir: o artigo de Zampanò sobre um documentário, as notas que Johnny Truant incluiu neste artigo após a leitura e o material coletado por Will Navidson para criar o documentário do qual Zampanò fala. Cada linha é apresentada com uma fonte diferente, para ajudar o leitor a reconhecer a “voz” predominante. O documentário em questão é conhecido como The Navidson Record, e desde o início Truant revela nas notas de rodapé que não encontrou qualquer informação que comprovasse a existência do vídeo, porém o estudo de Zampanò vem recheado de referências a livros e pessoas tratando o documentário como real. Nós, como leitores, sabemos que é ficção mesmo que nomes como Miramax e Weinstein apareçam por ali, mas não deixa de ser interessante até como um recorte do nosso tempo a inclusão de nomes reais em um romance. Não tem como não achar graça, por exemplo, do trecho em que pessoas são entrevistadas e falam do Navidson Record. Quais pessoas? Ah, só “desconhecidos” como Anne Rice, Stephen King, Harold Bloom, Hunter S. Thompson e Stanley Kubrick. De novo: é evidente que são depoimentos “falsos”, mas ainda assim, cria um efeito interessante, puxando a ficção para a realidade.

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