O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (2012)

Uma breve história para começar.

Zambra em seu livro Bonsai fala de um casal que tem uma relação de certa forma construída com livros. A graça é que um diz para o outro que leu Em busca do tempo perdido, quando na verdade não o fizeram. Digo isso porque de certa forma minha história com o Fábio também tem uma presença forte dos livros, mais especialmente os de Tolkien. E ontem de manhã, enquanto ele se arrumava para ir trabalhar, eu tive que despejar a bomba que seguro há quase 8 anos: EU NUNCA TERMINEI DE LER O HOBBIT. Pois é. Cheguei na metade, cansei, larguei. Nunca li os Apêndices de O Senhor dos Anéis também. Eu acho que nosso relacionamento sobreviverá a isso (eu não o perdoo por nunca ter lido Os Três Mosqueteiros, talvez façamos uma negociação aí), mas se estou deixando registrado esse momento é para explicar que, embora eu tenha sido fã de Senhor dos Anéis, eu nunca fui fã hardcore – não sou do tipo que discute personagens ou passagens obscuras do livro, até porque eu provavelmente os ignorei enquanto lia. Ok, divago: fato é que eu fui ao cinema ontem à noite mais como leiga do que como fã. Acho importante ressaltar isso e logo mais explico o por quê.

Então, o filme. Começo avisando que não vou cuidar para filtrar spoilers, então se você ainda não viu, não leia. Também não vou passar todo o histórico, a essa altura vocês já devem estar carecas de saber. Mas vou ressaltar novamente que foram 9 anos de espera entre o lançamento de O Retorno do Rei e a estreia de Uma Jornada Inesperada, um período de tempo que por si só já é um ótimo alimento para uma expectativa gigante. O filme abre com um prólogo mostrando Bilbo mais velho (interpretado por Ian Holm) escrevendo sua história para Frodo no dia de sua festa de aniversário. Sim, aquelaaaaa de A sociedade do anel. Quando chegar o dvd alguém provavelmente vai mostrar como uma coisa se encaixa com outra (Frodo indo encontrar Gandalf em Uma Jornada Inesperada e Frodo encontrando Gandalf em A Sociedade do Anel, por exemplo). O prólogo serve não só para conectar as duas trilogias, mas também para apresentar a história dos anões de Erebor, que será a base dos eventos que ocorrerão em O Hobbit.

Passando disso, voltamos 60 anos no tempo (são 60 mesmo? estou chutando, para ser bem honesta não guardo muito bem a passagem do tempo na Terra-média). Vemos um Bilbo então jovem reencontrando Gandalf, que acaba envolvendo o hobbit na busca dos anões pelo lar e tesouro que o dragão Smaug roubara. A sequência dos anões chegando na casa de Bilbo é ótima: revela muito do protagonista ao mesmo tempo que consegue dar conta de apresentar de forma simpática os 13 anões (ou vai dizer que você já não achou o Thorin um badass só com a cena da chegada dele?). E o engraçado é que algo que eu achei pentelho no livro (a parte que eu li, há há), no filme funciona muito bem: as canções. Não falo só a que ficou famosa assim que apareceu nos trailers, mas todas as outras. Não há nenhuma que pareça deslocada, chata ou o que for. Poderia dar muito errado, mas eu vejo como um acerto.

Bilbo decide então partir para a aventura, que não demora a chegar. Sei que estava com sono, cansada e saí do cinema reclamando que o filme poderia ser mais curto, mas fico pensando aqui: mais curto COMO? Eu cortaria a cena do Radagast com o bichinho da floresta (uma cena com Gandalf contando o que Radagast vira já seria o suficiente), mas fora isso não consigo mais imaginar o que ficaria de fora sem algum tipo de prejuízo não só para o primeiro filme, mas também para os próximos. Vejo o trabalho de PJ com Uma Jornada Inesperada como se fosse montar um tabuleiro. O jogo mesmo vem depois, e você não pode jogar se não tiver todas as peças devidamente posicionadas ali. Há três linhas de antagonismo para serem trabalhadas: Smaug (que quase não aparece), Azog (na minha opinião, o “vilão” principal do primeiro filme) e o Necromancer (que também quase não aparece). Portanto, para desenvolvê-la, um volume grande de informação tem que ser colocado na tela:a história de Thorin contra Azog, de como Bilbo vai ganhando seu lugar entre os anões, e de como um mal se aproxima. O que ontem à noite eu estava vendo como um ponto negativo, hoje cedo refletindo melhor sobre o filme eu vejo como um mérito da adaptação: conseguir contar tanto e ao mesmo tempo não deixar de lado o humor e a ação.

Os LOLs, digo, os trolls

Porque sim, os tons mais fortes de Uma Jornada Inesperada são esses: humor e ação. Não que não existisse isso nos filmes de O Senhor dos Anéis, há muita ação e momentos engraçados, mas a sensação que tenho é que os roteiristas decidiram transformar o infantil em engraçado – numa decisão que torna o filme agradável não só para uma faixa etária, mas várias. A cena dos trolls, por exemplo, mostra muito bem isso. Eu não lembro de um momento em que o cinema todo gargalhasse tanto em algum filme de O Senhor dos Anéis como quando os anões ficam putérrimos com o Bilbo quando esse tenta enrolar os trolls para ganhar um tempo até o sol nascer. E não é um momento engraçadinho aqui ou outro acolá, eles realmente seguem colados com as sequências de ação, que são também bastante legais. Tem algo nas lutas que lembraram um pouco do lado mais trash do passado do PJ, não sei dizer. Não há sangue espirrando (já ouvi dizer que fazem isso para garantir uma classificação etária mais baixa, mas não sei se procede), mas você vê cabeças rolando e toda sorte de ferimentos típicos de batalhas. E chessus, como os orcs estão feios. No bom sentido. Assim, assustadores.

Aliás, maquiagem e computação gráfica nota 10. Gollum, que eu achava que não tinha mais como melhorar, estava fantástico. Notei que algumas expressões da personagem pareciam mais com Andy Serkis do que nos outros filmes – não sei se foi uma forma do PJ de mostrar reconhecimento pelo trabalho do ator, mas onde antes eu só via um bicho feio agora eu consigo enxergar semelhanças com o ator. Se bem que eu achei que o Azog tinha traços do Benedict Cumberbatch – e não é ele que interpreta a personagem (Cumberbatch é a voz de Smaug e o Necromancer nos filmes). Não consegui achar imagem do Azog, mas ao ver o filme repare principalmente na região dos olhos. De qualquer forma, não tem muito o que dizer dessa parte: era um dos pontos altos da trilogia SdA, certamente será também de O Hobbit: trabalho impecável, que faz com que tudo aquilo pareça real. Tomemos como exemplo a sequência com o Great Goblin:

You shall not… oh, no, wait.

Tinha tudo para ser um negócio tosco, mas é tão bem feito! Cada pústula no rosto do monstro, aquela queda das personagens, tudo. E não é um bem feito do tipo que em cinco anos vai ficar parecendo aqueles chroma-key bagaceiras, é um negócio que vai continuar parecendo visualmente perfeito por muito tempo, tenho certeza. E nisso de certa maneira estão envolvidas também as cenas mostrando lugares como Valfenda ou Erebor, tão lindos e tão realísticos que não tem como sentir até uma leve melancolia quando o filme acaba e temos que lembrar que esse tipo de coisa não é real. Claro, tem uns momentos em que há uma exagerada e o que era para ser bonito fica feio, aquela mesa de cristal de quando Elrond vai ler o mapa, por exemplo, consegui ver a Xuxa cantando Alto Astral ali.

E nisso entramos nos tais dos 48 fps (que eu chamo carinhosamente de fator de proteção solar 48). Assisti ao filme em 2D xumbreguétis 24 fps mesmo, não tenho reclamações. Mas agora estou curiosa para ver cenas já citadas aqui em 3D e em 48 fps – quero saber se realmente faz diferença ou se é “só perfume”, digamos assim. Até porque pelo menos no caso dos filmes de SdA eu sempre fui da opinião de que, ao contrário de muito filme por aí que parece que tenta forçar uma história num punhado de efeitos, PJ parecia um cara que sabia usar a tecnologia na medida certa para contar uma história. Digo isso porque estou lembrando agora da crítica da Ana Maria Bahiana sobre O Hobbit, mais precisamente disso aqui:

E os 48 quadros por segundo? Não me incomodaram nem um pouco. O hiper-realismo que eles dão às imagens tem uma qualidade que aproxima o fantástico de nossa visão cotidiana, como se um dia pudéssemos de fato acordar numa toca debaixo de uma colina e achá-la tão real quanto a geladeira, o microondas e a TV de nossas casas habituais. No 48 fps as sofisticadas composições digitais se integram naturalmente com as imagens captadas de modo tradicional, e os mundos da imaginação e da percepção se abraçam e se confundem.

Não é opção estética para qualquer filme. O 48 fps mataria, por exemplo, a sensacional composição naturalista que Cristian Mungiu imprimiu ao seu Além das Montanhas  (que estreia no Brasil dia 11 de janeiro e eu recomendo com entusiasmo) ou o estilismo expressionista de Nicolas Windig Refn em Drive. Mas numa obra de plena fantasia como esta, é um grande recurso.

Então realmente não pareceu uma escolha aleatória, sem um motivo – e é por isso que quero assistir novamente. Por isso, e para ver sem o tanto de sono que vi ontem: tenho certeza que afetou meu julgamento, inclusive sobre a questão do filme ser longo demais.

Sobre as atuações, por mim estavam ótimas. Não entendi o motivo pelo qual alguns anões tinham sotaque e outros não, mas ok, isso sou eu com sono e ranzinza vendo o filme e catando pêlo em ovo. Freeman como Bilbo está excelente – algumas expressões dele são iguais às do Holm em SdA, é fantástico! McKellen continua sendo McKellen, e todos os demais estão ali fazendo tudo direitinho, não tem o que reclamar. Só achei o Christopher Lee um pouco… não sei, deslocado? Foi estranho. Era o Saruman, mas não era o Saruman de antes. E mesmo que tenha sido rapidinho, juro que gostei mais da Blanchett como Galadriel aqui do que nos filmes anteriores (aquela coisa de amada e temida parece muito mais bem representada, não sei).

“Mas e Anica, e aquela história de que você não leu todo o livro?”. Bom, isso tem a ver com a pergunta número um que se faz de qualquer adaptação de livro: PJ foi fiel à obra? Minha resposta: ele inventou algumas coisas. Sei disso porque colei, perguntei para o Fábio, há. Enfim, verdade seja dita, não tive siricuticos de fã purista porque lembro vagamente do que já tinha lido de O Hobbit – curiosamente o filme acaba mais ou menos no mesmo lugar em que eu parei, diga-se de passagem. “Ah, imaginava o Radagast diferente”. Falando sério, nunca nem dei importância para o Radagast para imaginá-lo de qualquer forma que seja. Por mim, Radagast poderia ser um ornitorrinco e eu estaria ok com isso.

Radagast, o Castanho

Não dá para fugir da questão da fidelidade, mas a realidade é que todos nós sabemos que SEMPRE será diferente. Se eu ganhasse um real para cada reclamação sobre a participação da Arwen em SdA, ou da falta de Tom Bombadil, por exemplo, eu provavelmente teria muitos reais a mais do que tenho no momento. Então se você já vai ao cinema esperando criticar o diretor por não colocar na telona exatamente o que havia no livro, eu sinto muito, mas você já chega perdendo parte da diversão. De qualquer modo, não estou fazendo uma defesa à adaptação de PJ, só estou deixando claro que eu não sou fã/conhecedora/whatever o suficiente para ter me importado/notado qualquer coisa no filme que viesse a me incomodar nesse sentido.

Então, eu que ia esperar para rever o filme sem sono para bater o martelo sobre minha opinião, resolvi fazer já: o filme é bom sim. Tem algo nele que lembra o tempo bom de Sessão da Tarde, até mesmo aquele final meio piegas com o Thorin fazendo o we accept you, one of us com o Bilbo. E a cena final com o Smaug deixou sim aquele já saudoso “falta muito pra dezembro do ano que vem?” que sentíamos ao sair do cinema após ver algum filme de O Senhor dos Anéis.

13 comentários em “O Hobbit: Uma Jornada Inesperada (2012)”

    1. Fili, Kili e Thorin. XD~ Mas eu não comentei porque o fabio já deu uma trollada revelando spoilers sobre os próximos filmes (isso se eles forem seguir o livro) +_+

  1. Oi Ana!!
    Acho que vale a pena assistir nos 48fps e 3D… Achava que não faria muita diferença, mas o filme fica lindo demais!!
    E o Rodrigo tbm saiu mal humorado do filme pq ele dormiu.. Então nós vamos ver de novo, daí se vc e o Fábio quiserem acompanhar, nós combinamos!

    Beijos

  2. Oi Anica!
    Gostei muito do seu review, e concordo integralmente com ele. Ah, ri alto com o Radagast ornitorrinco ahuhuahuahua!
    Tenho um “pecado” ainda pior que o seu (apesar que não tenho marido fundador de site de Tolkien xD): não li ainda O Hobbit, até hoje. Pior: comprei o livro em julho, e ele ainda está lacrado.
    Beijo!

    1. mas pelo menos vc não teve que mentir pra pessoa amada que tinha lido ;~~ hahhah eu pretendo ler em breve. até para o fabio parar de me trollar contando sobre quem morre e quem não morre na história

  3. Ana! Excelente! Ri BEM ALTÃO com a citação da Xuxa! Parabéns pelo excelente texto! Por que não adapta para publicar na Valinor? É ótimo ter a leitura do filme de uma fã-não tão fã assim, ainda mais bem humorada e bem escrito.

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