Winkie (Clifford Chase)

Um ursinho de pelúcia é preso e julgado por uma série de crimes, sendo considerado um perigosíssimo terrorista. É essa a ideia principal que alinhará os eventos em Winkie, romance do escritor Clifford Chase e lançado aqui pela Bertrand Brasil. Considerando essa premissa, seria constatar o óbvio falar que trata-se de uma história carregada pelo nonsense. De qualquer forma, vale a pena se libertar das amarras do “mundo real” e mergulhar de cabeça nessa realidade onde ursos ganham vida e ainda precisam batalhar por ela.

Dividido em três partes, o livro narra a história do urso Winkie partindo do começo de sua captura, para então em um flashback contar como ele ganhou vida e de como (e o motivo pelo qual) deixou a família com que vivia e então retorna para o momento de seu julgamento. Desses três momentos, talvez o mais enrolado seja o do flashback, embora ele fosse necessário para criar empatia pela personagem, conhecendo mais de seu passado e então compreendendo de como ele chegou na situação em que estava quando foi preso.

É uma parte necessária também para pensarmos em um processo contrário da coisificação que domina nossos dias atualmente. Ao invés de coisificar uma pessoa (que é o que vemos a todo momento nas notícias do jornais), Chase sabiamente humanifica uma coisa (o urso), o que amplifica o sentido de coisas simples de nossas vidas que simplesmente damos como garantidas e sequer pensamos sobre elas (ou ficamos felizes por elas estarem ali). Foi uma boa jogada do autor, e se como dito anteriormente soa enrolado, não é que fosse descartável dentro da história, poderia apenas ser um pouco mais curto.

Já os momentos da prisão e do julgamento de Winkie são simplesmente geniais. Abusando do absurdo para criar situações de humor (veja bem, por mais que exista uma suspensão da realidade, Winkie ainda é um urso de pelúcia), Chase de forma sutil consegue fazer uma crítica ácida à indústria do terror que foi criada nos Estados Unidos após os atentados do 11 de Setembro. Aquele clima de caça às bruxas, em que não se confia em ninguém, já que qualquer um pode estar planejando atentar contra a vida de outras pessoas – incluindo aqui o inocente Winkie.

O tratamento que dispensam ao urso, mesmo quando eles não possuem qualquer prova concreta para acusá-lo, os absurdos pelos quais a personagem acaba passando (como o modo que é atendido no hospital, quando os médicos insistem em tratá-lo como um humano), enfim, tudo isso acaba contribuindo para a construção dessa crítica, mais do que isso, para esse alerta para o que o terror pelo terror pode causar.

No final das contas é quase como um conto de fadas moderno, inclusive contando com algumas ilustrações (fotos de Winkie pelos lugares por onde ele passa). Consegue ser engraçado e tocante ao mesmo tempo, e certamente traz muito para o leitor refletir. Não pensem que pelo enredo trata-se de um livro fácil, só para se divertir. Há muito que Winkie não fala na história, e cabe ao leitor procurar o significado, tal como o advogado de defesa enquanto conversa com o urso. É um belo romance, que vale a pena até por chamar atenção para questões que nós mesmos já nem percebemos em nosso cotidiano.

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