Meia palavra nem sempre basta

Então, na Veja dessa semana que está no fim (blé, é a do Tropa “Filme que aparentemente só eu ainda não vi” de Elite na capa) tem lá uma nota (até porque um texto de dois parágrafos não pode ser considerado um artigo, acho) sobre a vencedora do Nobel de Literatura, a Doris Lessing.

Doris Quem? Poisé, eu também fiz a mesma pergunta quando vi o nome. Bom, aí o Tiago me lembrou que ela está lá na lista do Harold Bloom em O Cânone Ocidental, né? Então, você não acharia meio incoerente se lesse na “nota” a seguinte frase:

“O crítico americano Harold Bloom, com a perspicácia de sempre, definiu a escolha da Academia Sueca (comentário da Anica: por que sueca com letras maiúsculas?!) como ‘pura correção política. Suas obras dos últimos quinze anos são ilegíveis. É ficção científica de quarta categoria.’, diz.”

Para o autor da nota tudo bem, né? Porque afinal de contas, o Réééééérold Bluuuuuuuum confirma a teoria dele de que não se deve levar o Nobel à sério, porque “a ideologia é posta à frente do mérito literário”. Mas não, amiguinhos, não está tudo bem. Sabem por quê? Porque as palavras do tio Blumblum foram cortadas para se adaptar à teoria.

Nesse artigo do International Herald Tribune, vocês podem conferir o que o crítico literário disse na íntegra. Ali, entre ‘política’ e ‘sua obras’ tem algo, ahn, bastante interessante. Diz Harold Bloom: Apesar de a Sra. Lessing no começo da carreira de escritora ter algumas poucas qualidades admiráveis, eu acho que suas obras…

Ou seja, ele não desmerece completamente o trabalho da autora. Teve um período no qual ela publicava algo de qualidade (e ela seria citada no Cânone se não tivesse). O que falta para os espertões da Veja se darem conta é que o Nobel não premia (nem nunca premiou) trabalho atual. Se fosse assim, o de Medicina desse ano estaria descartado, por exemplo. Falta para eles também um tico de ÉTICA, mas enfim, ninguém é perfeito.

Lição do dia? Não acreditem em tudo que lêem, queridos amiguinhos. E vão lá atrás da dona Lessing antes de começarem a repetir por aí por aí opiniões que não são as suas. E em tempo: o gato dela é muito foda. Mostrou o fiofó para a tv britânica, acho que nem o Boo teria tanto estilo! Pena que não tem video no youtube para eu mostrar.

PS: Já usei essa imagem antes. Acho que temos um padrão, heim?

13 comentários em “Meia palavra nem sempre basta”

  1. ah, ps:

    há alguns anos eu adorava Saramago e Garcia Marquez e, quando descobri que ambos tinham ganho o nobel, pensei: “hm, então o nobel realmente premia bons autores.” levado por essa idéia, decidi ler “neve” simplesmente porque na capa tinha aquele aviso dizendo que o orhan pamuk tinha vencido o nobel do ano. só que achei muito marromenos. vc tem alguma opinião?

  2. Minha opinião é que o Nobel não premia obras, mas autores. E não, nem sempre por qualidade literária como único critério, mas pelo que uma obra, ou a coleção da obra contribuiu para a sociedade.

    No final das contas, não é nem um pouco diferente do que os outros prêmios (medicina, química, etc.) que acabam laureando aqueles que fizeram algo para todos nós. Na realidade, não sei bem de onde que surgiu a idéia de que “Nobel de Literatura” deveria ter relação apenas com qualidade literária, visto que no testamento do Nobel podemos ler:

    “one part to the person who shall have produced in the field of literature the most outstanding work of an idealistic tendency”

    “Idealistic”. Então, sim, é antes de tudo político, e sim, era o que ele queria. Talvez a visão de que a qualidade literária (e apenas ela) que conta, veio do fato de alguns escritores reconhecidamente bons como o Mann ganharem o prêmio, mas não é uma questão de qualidade.

    BTW, dos vencedores atuais eu chamaria a atenção para o Seamus Heaney. Esse é muito bom, e fora a parte política, apresenta qualidade na obra também.

  3. Iuiuuck, só para deixar claro (pq falei um monte mas acho que não disse nada): o nobel não é só qualidade, e não é a qualidade de um único livro, especialmente um único livro recente. E acho que mesmo que fosse “só político”, não seria algo negativo, porque bem, é um cara que supostamente venceu o “lutar com as palavras é a luta mais vã que existe”, né?

  4. “Academia Sueca (comentário da Anica: por que sueca com letras maiúsculas?!)”

    Pelo mesmo motivo que é “Academia Brasileira de Letras” e não “Academia brasileira…”. Nomes de instituições são grafados assim, independente se há um gentílico neles. Fora que o original também é em maiúsculas (Svenska Akademien), e outra regra é apenas traduzir/aportuguesar esse tipo de nome institucional.

  5. Não pensei na “Academia Sueca” como uma instituição, na verdade achei que ele se referia à uma academia sueca responsável pelo Nobel. De qualquer modo, obrigada por responder, de qualquer forma chamou minha atenção para o contexto correto =D

  6. Meio atrasado, mas…

    Se não estou enganado, Doris Lessing não está no Cânone Ocidental. Parece-me que dos vinte e seis autores, apenas três são mulheres: Emily Dickinson, Virginia Woolf e Jane Austen.

    A Veja, de fato, errou. Provavelmente estavam apenas tentando passar a opinião principal de Harold Bloom, que é a de que a autora não mereceu o prêmio.

    Afinal, citando Gessinger, “… o principal fica fora do resumo”. 😀

    o/

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