Mais apavorante do que a ficção

Era uma vez um texto que rodou bastante a internet ali no começo dos 2000 (ou seja, ainda era recebido em e-mails ou aparecia como posts em fóruns de discussão) e apresentava um título que prometia a versão “verdadeira” dos contos de fadas. Saem os casamentos com príncipes e finais felizes, entram histórias macabras com olhos arrancados, pés decepados e muito, muito sangue. Mas esse uso do termo “verdadeira” é coisa típica de internet, a certeza de saber o que na realidade não sabe, né? Porque a ideia de uma versão ser a “verdadeira” vai contra a própria natureza dos contos, que segundo Angela Carter, tratam-se de “histórias anônimas que podem ser reelaboradas vezes sem fim por quem as conta“.1

Então, quando falamos de contos de fadas não temos uma versão “verdadeira”, mas várias – é normal a releitura, o reconto. E essa natureza mutante do conto popular continua viva, porque mesmo que o diálogo inicial parta de uma versão de conto lá da Coleção Disquinho, por exemplo, ela segue sendo recontada em livros, filmes e afins. E eu não estou falando desses live-actions totalmente dispensáveis da Disney, é óbvio. Falo de releituras como o filme The Ugly Stepsister (dirigido por Emilie Kristine Blichfeldt) e o livro Sour Cherry de Natalia Theodoridou. Continue lendo “Mais apavorante do que a ficção”


  1. essa definição está na introdução do 103 Contos de Fadas que saiu pela Companhia das Letras