The Lobster (2015)

thelobsterA saber: é meu primeiro Yorgos Lanthimos. E era o tipo de filme que só de ler a sinopse eu já sabia que amaria, o que não quer dizer nada porque volta e meia eu me decepciono com filmes que já sabia que amaria? De qualquer modo, gostei tanto, mas tanto, que eu que há tempos não falava de filme por aqui resolvi que estava na hora de dar uma atualizada.

Então, The Lobster. Passou no Brasil no Festival do Rio, não tenho lá grandes esperanças de que vá voltar por aqui no cinema, de qualquer forma se este filme cruzar seu caminho, dá lá as duas horinhas que ele te pede e assista, por mais que o absurdo ou alegorias ou finais em aberto não façam lá muito o seu gosto.

A história acontece (de acordo com a sinopse) em um futuro distópico, onde apenas a vida em casal é permitida pela sociedade. Se você não tem um companheiro, precisa ir até o Hotel para encontrar um par. Caso não consiga fazê-lo dentro do prazo, será transformado em um animal ou, alternativamente, foge para a floresta e vai viver com os Solitários (que são caçados pelos hóspedes do Hotel em troca de mais dias de prazo para encontrar um par). Sim, é isso.

A grande sacada é que ao mesmo tempo que coloca o pé no absurdo (a caça de Solitários, a transformação em animal, etc.) o outro está fincado em nossa realidade, mais precisamente na forma como vivemos em grupo. E assim o humor se constrói principalmente a partir disso. E é um humor ácido, daquele que você dá risada ao mesmo tempo que pensa “desgracido, é isso mesmo“. Porque se tem uma coisa que The Lobster faz brilhantemente do começo ao fim é mostrar as roubadas que nos metemos por causa do amor, ou ainda, da noção que nossa sociedade tem de amor.

O protagonista David é levado ao Hotel logo após a esposa deixá-lo por outro homem. Desde o início sua história é narrada por Rachel Weisz com uma voz monótona, mecânica que aumentará ainda mais o tom absurdo da história (especialmente nos momentos em que descreve eventos com bastante carga emocional). A primeira sacada já vem no registro do hotel, quando a recepcionista diz que ele tem que decidir se ele se cadastrará como homo ou heterossexual, e ao ser indagada se não havia a opção bissexual ela diz “que a opção não estava disponível desde o último verão por problemas operacionais”. Pense no Hotel como uma alegoria para a vida sentimental e pense nesse momento do cadastro como o adolescente com suas primeiras experiências – a necessidade do rótulo, da definição imediata para o que procura para a vida quando nem sabe se é isso mesmo que procura.

Após o registro David aos poucos vai conhecendo as regras e o funcionamento do Hotel, na maior parte voltados a mostra a importância da vida a dois (o momento da palestra com “os perigos” de ser uma pessoa solitária é ótimo). O interessante é como mesmo dentro do código estranho do local as relações são parecidas com as nossas na vida real. A neura de encontrar alguém, não importa quem – o principal é não ser mais só, é ser par. Mais ainda: a noção de que algo em comum pode te unir a uma pessoa para sempre. Vide o caso do hóspede que passa a bater o nariz para que sangre na frente da garota que acredita ter algum potencial para ser seu par (cujo nariz sangra com frequência), ou mesmo a obsessão de David com a questão de ser míope (a pergunta para a esposa “ele usa óculos?” no começo do filme ganha novas dimensões quando a história avança).

Das vantagens da vida a dois.

E olha, essa primeira metade que se passa no Hotel é muito bem sacada – até em seus momentos mais insanos, como quando David tenta se adaptar ao perfil de sua “candidata” a par. É maluco pensar em um sujeito fingindo ser um psicopata para agradar alguém, mas não é ainda mais maluco pensar que na vida real muitas e muitas pessoas fingem ser outra coisa buscando alguém “para sempre”? Ninguém pensa que em um momento a mentira não se sustentará?

É o que logo vemos acontecer com David, e então chegamos na melhor parte do filme – quando ele foge para a floresta dos Solitários. Eu gostei porque serve como um contraponto: no Hotel temos a neura da vida em casal, mas na floresta você consegue ver uma alegoria perfeita da galera que defende a solteirice como a única opção possível. “We dance alone. That’s why we only play electronic music.“, diz a líder dos Solitários logo que David chega na floresta.

Se você pensou em solteiros lindos dançando na balada, opa, não é bem isso.

O que ficou mais óbvio para mim é que se tem algo que esculhamba nossas relações é a noção imposta de como devemos nos relacionar. David não tinha chances de felicidade no Hotel, mas quando tem na floresta ao encontrar a personagem interpretada por Rachel Weisz (ela não chega a ganhar um nome nos créditos aparece como Mulher Míope), as regras da floresta também o impedem de ser feliz. Mesmo a líder dos Solitários tem dificuldades: de quando em quando precisa visitar os pais com um marido falso para tranquilizá-los, para que pensem que a filha é o que de fato é, uma Solitária. Ou mesmo o plano de invasão do Hotel, que consistia basicamente em mostrar para os casais que seus relacionamentos se baseavam em uma mentira (oh, I see what you did there).

Gosto da floresta também porque o desenvolvimento da relação de David com a Mulher Míope é muito interessante de acompanhar, pois apesar das dificuldades que enfrentarão na porção final da história, o relacionamento dos dois inicialmente é o que mais se aproxima do natural, da noção de amor dissociada do que “deve ser”, apenas o que é.

We developed a code so that we can communicate with each other even in front of the others without them knowing what we are saying. When we turn our heads to the left it means “I love you more than anything in the world” and when we turn our heads to the right it means “watch out, we’re in danger”. We had to be very careful in the beginning not to mix up “I love you more than anything in the world” with “watch out, we’re in danger”. When we raise our left arm it means “I want to dance in your arms”, when we make a fist and put it behind our backs it means “let’s fuck”. The code grew and grew as time went by and within a few weeks we could talk about almost anything without even opening our mouths.

Das dificuldades da porção final, o que é previsível: os dois não podem viver juntos entre os Solitários. A líder acaba cegando a Mulher Míope (e é tocante como o casal acaba encontrando uma nova forma de se comunicar já que não podem mais fazer através de gestos), e eles resolvem fugir da floresta.

Minha leitura do desfecho: ele não vai furar os olhos no banheiro, e simplesmente deixa a mulher esperando. Duas coisas me fazem pensar nisso (na realidade três, se considerar o tom pessimista da história). A primeira é que quem conta a história é a Mulher Míope e, lembram, com voz mecânica e desapaixonada. O título do filme? A Lagosta. Ela conta a história da lagosta. O cara que virou lagosta, ou ainda, de como ele virou. Outra coisa: lá para o fim, quando sobem os créditos, o som que você ouve é o do mar.

Não que saber o que acontece no fim seja de fato relevante. É uma história que por si só já dá conta de dizer o que precisa durante seu desenvolvimento, não depende de um desfecho, uma noção de final feliz (ou infeliz) propriamente dita para se fazer compreender. No fim, gosto de verdade de como é capaz de colocar o dedo na ferida ao mesmo tempo que faz rir.

Para quem ficou curioso, tem o trailer aqui:

***

Volto ainda em 2015 para a listinha de melhores filmes. 😛

4 comentários em “The Lobster (2015)”

  1. Gostei muito do seu texto 🙂 ainda mais pelo insight genial sobre o final… eu tinha pensado só até a sinuca de bico que é estar à mercê das imposições da sociedade, “ou fura o olho e fico com ela ou não fico com ela”. Quando vi o filme, lembro que fiquei olhando pelo vidro da janela atrás da Rachel pra ver se ele aparecia, se esgueirando e fugindo de carona em algum cominhão, heeheh

    1. Tem um negócio lááá no fundo que eu fico pensando, se o David realmente gostava dela ou se na Floresta só estava replicando anos de hábitos de relacionamentos afetivos, sabe? Aquela coisa de “Você nunca mais me trouxe coelhos” me pegou. E no fundo ele continua com aquela coisa de ter em comum ser míope – tanto que ele fica louco de ciúmes por causa de outro cara e tenta ver se ele é míope também. É meio como o Hotel (ou mesmo os anos vivendo em par na Cidade) tivesse estragado o David para o amor.

      (Por isso eu também fiquei esperando ele aparecer fugindo na janela do restaurante.)

  2. btw, essa dancinha é muito boa, ainda bem que vc achou gif, quando vi, procurei e não tinha. vou guardar :3
    vá sem medo no Dente Canino 🙂 quero ver de novo esse The Lobster, porque apesar de ter achado um filme melhor, mais bem resolvido, ainda tinha o Dente como favorito…

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