A outra rainha (Philippa Gregory)

1568. Maria, a rainha dos escoceses, foge para a Inglaterra buscando apoio da prima Elizabeth, então há dez anos rainha dos ingleses. Maria era acusada de ter tramado a morte do próprio marido, Lord Darnley, junto com o conde de Bothwell – com quem casou tão logo Darnley morrera, por isso atraindo as suspeitas. Os escoceses a obrigaram a abdicar o trono, e é com Elizabeth que ela busca ajuda. O problema é que dez anos antes ela já havia dificultado a coroação de Elizabeth, querendo para si o título de rainha dos ingleses. É então evidente que a prima não facilite as coisas para Maria, mantendo-a prisioneira sob a guarda de George Talbot, o conde de Shrewsbury.

Este é o cenário onde inicia o romance A outra rainha, de Philippa Gregory, autora conhecida por romances situados neste período histórico. Sabendo mesclar muito bem as conhecidas intrigas de corte com ficção, Gregory nos entrega uma história que cativa por mostrar personagens que não são perfeitos, são bastante próximos da realidade. O trio que sustenta a narrativa (Maria, Talbot e a esposa de Talbot, Bess) cada qual tem suas aspirações e apenas querem lutar por isso. Não há maldade no sentido maniqueísta da palavra, há más ações baseadas nesse desejo de conseguir realizar seus sonhos.Começamos obviamente com Maria, personagem bastante forte e em teoria protagonista da história. É interessante o trabalho que Gregory faz com a personagem, porque apesar de o leitor ter todos os motivos para odiá-la, ainda assim mais próximo ao fim deseja que a escritora tenha alterado a história, e que Maria não tenha o destino que já conhecemos em sala de aula. Maria é mimada, arrogante e gananciosa, mas há um motivo para isso: ela é rainha, e foi criada como tal. Ela realmente se vê como uma escolhida de Deus – aqui lembrando também o conflito entre católicos e protestantes que o confronto entre ela e Elizabeth traz.

BO-NI-TA

A sensação que temos a todo momento é que Maria é como uma ave selvagem engaiolada, se debatendo desesperadamente para deixar o cativeiro. É o tipo de coisa que justificaria suas ações, por mais que façam com que ela seja uma protagonista bem longe de ser “a boa moça” que se espera em personagens com essa função dentro da narrativa. Sobre ela fica apenas a sensação de Gregory ter exagerado um pouco ao descrevê-la como belíssima, ao ponto de que até inimigos se apaixonassem por ela. Jovem e de espírito vivo e portanto encantador ela era. Mas os retratos vistos em livros de história não saíam da minha cabeça, e com meus conceitos de padrão de beleza do século XXI era difícil engolir que ela era bela mesmo para os padrões do século XVI.

Temos então Bess, a esposa do conde de Shrewsbury. A personagem é real, assim como é relatado historicamente que seu casamento ruiu por conta do período que seu marido fora responsável pela guarda de Maria. O que é ficção são os motivos, e obviamente, as aspirações da personagem, que no final das contas nada mais quer que garantir conforto para si e para seus filhos. É forte e inteligente, e até bastante fria: é interessante perceber como ela é a primeira a se dar conta que o marido está se apaixonando por Maria, e com que desdém ela chega a tratar a situação (passa a chamá-lo de “meu marido, o tolo”).

Bess não parece amar de fato Shrewsbury, mas apenas as regalias que ser casada com um conde podem trazer. Ela tal como Maria é ambiciosa, e assim como a protagonista em determinado momento da narrativa se vê sem amor e sem um lar, e luta para pelo menos reaver o que dá mais importância: seu dinheiro.

George Talbot, o tolo

Chegamos então ao conde de Shrewsbury, o ponto mais fraco desse triângulo. Bess tem razão ao chamá-lo de tolo, porque nenhuma palavra o definiria melhor. O que é legal na narrativa da Gregory é que em alguns momentos o leitor vai querer berrar para ele “Acorde, você está sendo enganado, manipulado!”, e convenhamos, poucas histórias e poucos personagens criam essa sensação ao lermos um livro. Lembrando que George Talbot também existiu, e de fato foi o responsável pela guarda de Maria por mais de quinze anos – talvez isso tenha servido de fagulha para a ideia de Gregory para desenvolver esse romance que realmente não dá vontade de largar.

Por isso dá para dizer que A outra rainha é excelente, com a narrativa mudando o ponto de vista entre as três personagens principais vamos vendo gradualmente o jogo de intrigas da corte, passamos a torcer por eles , e que pelo menos encontrem uma saída para buscarem a felicidade. A parte das intrigas da corte são muito boas, porque a autora consegue deixar claras as intenções de cada personagem, e seu papel dentro do que seria um grande tabuleiro de xadrez.

Como disse, ninguém é perfeito no livro, mas talvez seja justamente esta imperfeição que nos conquiste. A outra rainha é um romance delicioso, daqueles que se lê rapidamente sem nem se dar conta que as páginas estão passando. E mesmo focado em figuras históricas, tem tudo para agradar até mesmo quem não as conhece ou não lembra bem de cada uma delas (na realidade, até cria a curiosidade para saber mais sobre algumas pessoas e lugares, como o Castelo de Tutbury).

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