Um cara batuta

rilke.jpgNesse mundo de pseudo-celebridades pipocando em todo canto por qualquer coisa, falta um pouco do contato de gente como Franz Xaver Kappus (um cara que sonhava ser poeta) e Rainer Maria Rilke (um grande poeta). Percebi isso lendo ontem o ótimo Cartas a um jovem poeta, uma seleção de cartas de Rilke para Kappus, falando basicamente sobre o ato de criar e, mais adiante, o próprio viver.

Rilke parecia ser um cara batuta. Mas batuta mesmo. Extremamente educado e cordial, sem perder o tom afetuoso. Preocupado em responder o moleque que lhe enviara alguns poemas para que os avaliasse.

Já na primeira carta Rilke dá aquele tipo de lição que cai como uma bomba na vida dos escritores em potencial:

O senhor me pergunta se os seus versos são bons. Pergunta isso a mim. Já perguntou a mesma coisa a outras pessoas antes. Envia os seus versos para revistas. Faz comparações entre eles e outros poemas e se inquieta quando um ou outro redator recusa suas tentativas de publicação. Agora (como me deu licença de aconselhá-lo) lhe peço para desistir de tudo isso. O senhor olha para fora, e é isso sobretudo que não devia fazer agora. Ninguém pode aconselhá-lo e ajudá-lo, ninguém. Há apenas um meio. Volte-se para si mesmo. Investigue o motivo que o impele a escrever; comprove se ele estende as raízes até o ponto mais profundo do seu coração, confesse a si mesmo se o senhor morreria caso fosse proibido escrever. Sobretudo isto: pergunte a si mesmo na hora mais silenciosa de sua madrugada: preciso escrever? Desenterre de si mesmo uma resposta profunda. E, se for afirmativa, se o senhor for capaz de enfrentar essa pergunta grave com um forte e simples “Preciso”, então construa sua vida de acordo com tal necessidade; sua vida tem de se tornar, até na hora mais indiferente e irrelevante, um sinal e um testemunho desse impulso.

Confesso que fiquei com uma certa inveja de Kappus, que pôde trocar correspondência com um cara como o Rilke. Queria ter conhecido um sujeito gente boa e de cabeça feita como ele. Parece artigo de luxo hoje em dia.

(agora lá vou eu procurar pela poesia do sujeito…)

8 comentários em “Um cara batuta”

  1. Eu juro que da primeira vez que eu li Franz Xaver pensei que era o Chiico Xavier 😯

    Caras legais e inteligentes ainda existem. Procurando bem, até mesmo( ok, dados os tempos modernos de Paulo Coelho e afins, na maior parte das vezes) fora da literatura. Um cara interessante e cabeça boa que anda por aí é o Autran e a Bibi Ferreira (hehe alguém vai me criticar por isso).

  2. É incrivel como as vezes encontramos algum tipo de mensagem dita entre algumas pessoas (como nesta carta) que vale a pena pegar e agregar a sua vida…
    Nunca, jamais fiz uma das perguntas que o Rilke propôs ao Kappus…

    E eu vi mais como uma resposta do tipo “eu não posso avaliar seu trabalho e dizer se ele é bom o bastante, se você não sabe me dizer se é isso que você quer e que gostaria de viver fazendo isso”.

    eu achei foda pra caramba isso. 😀

  3. Poisé, Omy, por isso achei o Rilke batuta. TODOS os “conselhos” que ele dá para o Kappus acabam sendo muito mais do que “conselhos de um poeta para um cara que quer ser poeta”, se encaixa para todo mundo. Tem outros vários momentos que poderia colocar aqui, aliás. Mas enfim, aconselho a leitura :mrpurple:

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