As melhores leituras de 2019

Eeeee…. mais um ano que começa. Estava falando ontem no twitter, sempre que chega essa época de listas de melhores eu me empolgo porque atualizo o blog, penso que finalmente a coisa vai engrenar e vou voltar a escrever, mas aí acaba que passa mais um ano e pans, poucas atualizações.

O negócio é que em 2019 fiquei cozinhando na cabeça um problema que há tempos tenho percebido: de como abrimos mão do controle do conteúdo que criamos ao publicá-los em redes sociais. Eu continuo falando de livros como sempre falei, mas lá no twitter é vago, é breve e, o principal: não fica histórico, não fica registro. Quem me acompanha não tem uma real garantia de que lerá o que postei, porque tudo se perde numa timeline infinita e uma ferramenta de busca péssima.

Não vou me prolongar muito nisso, porque tem um post do Hossein Derakhshan que explica muito bem a situação. Eu recomendo demais a leitura, sobretudo para quem produz(ia) conteúdo.

Não estou dizendo que é para deixar de usar redes sociais – eu adoro o twitter, passo um tempo lá que beira ao pouco saudável. Mas de decentralizar o local onde publicamos nosso conteúdo. Em uma daquelas mágicas do zeitgeist (ehehe), olha a resolução de ano novo que o escritor Chuck Wendig acabou de postar: TRAGAM OS BLOGS DE VOLTA. É isso.

Enfim, vou tentar. Se pensar no tempo que gasto só no scroll down, talvez fosse o momento de empregá-lo em algo que sempre me deu muito prazer (escrever). Então é isso, resolução, meta ou whatever publicada, agora voltamos para a programação normal e vamos lá para meus livros favoritos de 2019.

Exhalation (Ted Chiang): Eu conheci o Chiang através da maravilhosa História da Sua Vida – uma novela que sem dúvida alguma está entre as minhas favoritas de todos os tempos, e até por isso dá para imaginar a empolgação ao ver que estava chegando livro novo do autor. Vale dizer que Exhalation não é exatamente uma coletânea de trabalhos inéditos, boa parte do material já tinha saído aqui e acolá, mas para quem é como eu e não tem lá muita noção de revistas/antologias que publiquem ficção científica, é uma ótima oportunidade ter o trabalho do autor reunido em um livro só. Enfim, Exhalation é ótimo, abrindo já com um conto maravilhoso que mistura um tom de Mil e Uma Noites com viagens no tempo. What’s Expected of Us foi um dos meus favoritos, porque começa de forma até banal, descrevendo um brinquedinho e parte para um desfecho perturbador. A coletânea segue nesse ritmo, dando uns tapas na cara, e te fazendo pensar sobre um monte de questões sobre a vida, a partir de bichos virtuais e afins. Não saiu no Brasil ainda, como quase tudo na lista, já vou pedindo desculpas desde já.

The Dry Heart (Natalia Ginzburg): Não conhecia o trabalho da italiana Natalia Ginzburg, que aparentemente está passando por uma fase de redescoberta no mercado editorial tanto gringo quanto nacional. Na tradicional lista do Daniel Dago de obras previstas agora para 2020, são cinco livros da autora previstos para chegar. Publicado originalmente em 1947, The Dry Heart acabou cruzando meu caminho em uma dessas listas de “lançamentos imperdíveis” dos gringos e resolvi conferir, até porque logo nos primeiros parágrafos você lê a protagonista dizendo “Eu atirei entre seus olhos“. E é estranho dizer isso, só que não é a curiosidade em saber o que levou a esposa a matar o marido que faz com que você leia o livro. Há uma amargura na voz da narradora, uma acidez tamanha que só pode ser considerada como total honestidade, que chega a ser hipnótico. É uma obra bem curta (não chega a 100 páginas), daquelas que você começa a ler só para dar uma olhada sobre o que se trata e quando se dá conta já acabou. Assustador como apesar de ser do século passado, ainda soa tão atual.

My Best Friend’s Exorcism (Grady Hendrix):  Tenho lido menos terror do que gostaria, mas volta e meia ainda acabo tropeçando em umas coisas bacanas como My Best Friend’s Exorcism. A história é sobre como a amizade de anos entre duas meninas acaba em perigo quando uma delas é… bem, possuída pelo demônio? O divertido é que Hendrix brinca bastante sobre como a adolescência por si só é um inferno, e as várias “mudanças” que poderiam indicar possessão podem ser só produto da fase. Eu usei o termo divertido, eu sei. Mas é que é um daqueles terrir, mesmo, com algumas passagens extremamente assustadoras e outras engraçadíssimas. A história se passa nos anos 80, e eu sei que o combo anos 80 + adolescentes + terror já fazem a pessoa pensar em “cópia de Stranger Things”, mas o livro saiu dois meses antes da série, então não é o caso. O autor Grady Hendrix foi um dos roteiristas de um filme bem divertido que vi este ano chamado Satanic Panic, que segue uma linha parecida com a de My Best Friend’s Exorcism, naquela linha entre o terror e a comédia.

Aqui (Richard McGuire): Saiu pela Companhia das Letras aqui no Brasil em 2017, todo mundo amou e eu fiquei me enrolando porque embora atualmente eu praticamente só leia ebooks, para HQs eu ainda faço questão do livro de papel. E Aqui de Richard McGuire precisa ser lido em papel mesmo, até porque é um daqueles casos de HQ em que a arte acaba se sobressaindo em comparação ao texto. A base do livro já tinha saído lá em 1989, mas aqui é totalmente desenvolvida, mostrando a história de um cantinho de uma sala, em um espaço de tempo de milhares e milhares de anos. O bacana é que quadros com imagens de cada ano são mesclados dentro de um painel maior, então quando você abre uma página pode ter ao mesmo tempo acontecimentos de 1953, 1972, 1999, etc. A brincadeira com espaço e tempo não cansa nunca, página após página você se dá conta que o que tem em mãos é algo único.

Someone Who Will Love You in All Your Damaged Glory (Raphael Bob-Waksberg): Confesso, esse aqui foi um dos casos “você ganhou minha atenção ao dizer ‘livro de um dos criadores de Bojack Horseman‘”. Achei bem mais engraçado do que esperava, e é estranho dizer isso, então vou refrasear: achei que choraria o tanto que chorei vendo Bojack, mas eu acabei mais é rindo mesmo. Pelo humor, o meu favorito é o do casal planejando o casamento (A Most Blessed and Auspicious Occasion), eu ria alto enquanto lia. Outro conto que Bob-Waksberg acerta no alvo é Lies We Told Each Other (a partial list), que sim, é exatamente o que o título descreve – contando a história de um relacionamento através de uma lista de mentiras que contamos. É uma coletânea bem equilibrada, não tem nenhum conto que seja abaixo de bom. E é muito legal como o Bob-Waksberg explora novas formas de contar sobre pessoas ferradas procurando uma forma de simplesmente tocar o barco.

In the Dream House (Carmen Maria Machado): A coletânea O Corpo Dela e Outras Farras provavelmente entraria em uma lista de favoritos da década, se eu elaborasse uma. Quando vi o anúncio do livro novo, me animei um monte, aí vi que era não-ficção (que não é exatamente a minha praia) e fiquei um tanto desanimada, mas resolvi ler de qualquer forma. E putz, que bom que li. Que livro maravilhoso. Em In the Dream House Machado observa um relacionamento abusivo que viveu, usando diferentes tropos para contar sua história. Como em O Corpo Dela e Outras Farras, a bagagem cultural de Machado faz toda a diferença, principalmente na hora de colocar para o leitor aquilo que só ela sabe o que sentiu. Um dos capítulos mais fortes é o do escolha sua própria aventura. Aquela coisa de ir lendo uma história, e ela se desenvolver conforme suas escolhas. É aquele tapa perfeito na cara de quem tenta se colocar na situação de quem vive o abuso.

Spoonbenders: A fabulosa família Telemachus (Daryl Gregory): Cheguei a falar do livro aqui no blog em um daqueles momentos em que achei que atualizaria com mais frequência. Foi uma das boas surpresas do ano. Não é que eu achasse que seria ruim, só que não fazia ideia de que seria tão divertido. Mesclando fantasia com história de família, uma situação mais inusitada do que outra, a verdade é que é gostoso demais. Daquele tipo de livro que você se apega às personagens de modo geral, não só ao protagonista. Estou colocando aqui na lista também como aquele sinalzinho de esperança para quem perceber que boa parte dos livros da minha lista ainda não saíram no Brasil: as editoras daqui demoram, mas não falham. Quando escrevi o post sobre Spoonbenders no blog, o livro ainda não tinha tradução aqui. Agora não só tem, como a capa é ainda mais bacana do que a gringa.

The New Me (Halle Butler): A maior parte das resenhas sobre The New Me comparam o livro da Halle Butler com o Meu Ano de Descanso e Relaxamento da Otessa Moshfegh. Não gosto de comparações, mas é um pouco difícil escapar nesse caso, os projetos se parecem muito. Os olhares das protagonistas das duas obras são muito parecidos, aquele ácido que se espalha cobrindo não só as pessoas com quem convivem, mas a própria vida. Mas tem algo em The New Me que me cativou um tanto mais que Meu Ano. A protagonista de Butler é uma mulher claramente lutando contra a depressão, não é apenas um enfado ou uma inadequação ao mundo em que vive: ela quer romper o ciclo, quer buscar “o novo eu”, mas como uma ouroboros o ciclo continua, e o fracasso na nova tentativa de mudar a empurra para baixo. Uma dica: leia em um momento mais leve da sua vida, principalmente por causa do desfecho, que é brutal.

Fleishman is in Trouble (Taffy Brodesser-Akner): Que livro! A primeira porção é engraçadíssima – o protagonista (Toby Fleishman) acabou de se divorciar e está aproveitando o lado bom de ser solteiro. A graça nessa parte é mais de como ele é absolutamente escroto e não se dá conta disso (um dos raros momentos em que parece se questionar, é quando descobre que a filha está com problemas na escola porque vazaram imagens íntimas dela, e então ele pensa na infinidade de mulher nuas que está vendo no celular desde que se divorciou). A segunda porção eu confesso que achei mais arrastada, mas chegou a terceira parte e pronto, meu coração conquistado. Grifando trechos e trechos e trechos e dizendo SIM! ISSO MESMO! para vários momentos, um dos meus favoritos cheguei a citar lá no meu Tumblr. Torcendo muito que ganhe uma tradução para os lados de cá.

Trust Exercise (Susan Choi):  Um dos meus arrependimentos sobre o blog em 2019 foi não ter escrito um post para o livro assim que saiu. Porque é uma obra que vale a pena conversar sobre, é aquelas que você sugere sem piscar quando alguém pede recomendação, e então fica ansioso esperando respostas. Parte de uma premissa que beira ao young adult – dois adolescentes que estudam em uma escola de teatro se apaixonam, mas por conta de vários desencontros acabam se separando. Mas como uma matrioska, o livro vai se abrindo e se abrindo e se abrindo e você nunca sabe em quem confiar, e o que realmente está acontecendo. A dúvida sobre as versões dos acontecimentos de certa forma conversa muito com a desconfiança das pessoas quando ouvem histórias de vítimas de abuso, e neste ponto o que a Choi faz formalmente conversa de modo perfeito com o enredo – e por isso meu amor total pelo livro, eu não consigo encontrar defeito. Editoras nacionais, traduuuuzam, por favor. A mulher ganhou o National Book de 2019, peloamor.

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