Story of Your Life (Ted Chiang)

223380(Editado: ueeepa, esqueci do aviso básico de spoilers. SPOOOOILERS!! Pronto, está aí o aviso)

Dia desses li um artigo comentando sobre o novo filme do Denis Villeneuve, com a Amy Adams no papel principal. Pela descrição do trailer, a ideia parece genial: uma raça alienígena chega na Terra, o problema é que não conseguimos entender o que eles dizem (nem eles compreendem os terráqueos). E então qualquer movimento pode ser interpretado como ameaça e dar origem a um ataque. Já fiquei morrendo de vontade de ver o filme? Sim.

Só que o artigo conta também que Story of Your Life é adaptação de uma novela de Ted Chiang publicada no final da década de 90. Fui dar uma pesquisada básica, vi que ganhou um monte de prêmio (incluindo aí Nebula e Hugo) e pans, lá fui eu ler – até porque novela, né, é curtinho, dá para ler tudo de uma vez só, etc.

Logo de cara, ao mais importante: a tensão da novela não se construirá dessa possibilidade de um ataque surgir de um mal entendido. A sensação que tive ao longo da leitura era que seu motor principal é atiçar a curiosidade do leitor, inicialmente tentando descobrir como a linguagem dos alienígenas será decodificada, depois sobre o significado dos trechos em que a dra. Louise Banks fala para a filha sobre coisas que parecem memórias, mas são narradas usando future tenses (will, going to, etc.) e finalmente para a pergunta que sempre fazemos em histórias de visitas alienígenas: por que eles estão aqui?

E o bacana é que linguística e física vão se mesclando para responder essas perguntas – e mesmo que o espaço (em termos de contagens de caracteres, é óbvio) seja restrito, Ted Chiang não se apressa e vai aos poucos nos apresentando os heptapods, pensando inclusive nas implicações científicas, não meramente descritivas como acontece em muita história de extraterrestre. Por exemplo, o fato de que eles têm olhos em todos os lados do corpo, portanto para eles todo lado seria “para frente” – eles não teriam a noção que temos de ir para trás.

A parte em que a dra. Banks tenta quebrar a linguagem dos heptapods também é bem interessante, justamente por refletir essas implicações. Eles criam um sistema para a fala e outro completamente diferente para a escrita, sendo que o último é o mais curioso:

When it came to sentences in Heptapod B, though, things became much more confusing. The language had no written punctuation: Its syntax was indicated in the way the semagrams were combined, and there was no need to indicate the cadence of speech. There was certainly no way to slice out subject-predicate pairings neatly to make sentences. A “sentence” seemed to be whatever number of semagrams a heptapod wanted to join together; the only difference between a sentence and a paragraph, or a page, was size.

E quando eu falei que linguística e física se combinavam, não foi à toa. A explicação para o funcionamento do Heptapod B tem relação direta com o Princípio de Fermat (se você – como eu – é de humanas e não lembrava lhufas das aulas de óptica: “A trajetória percorrida pela luz ao se propagar de um ponto a outro é tal que o tempo gasto em percorrê-la é um mínimo.“).

Sei que falando assim parece não fazer sentido algum, mas a ideia é que a linguagem (e a mente) dos heptapods funciona da mesma forma que a luz funciona – buscando a trajetória mais curta. O negócio é que se você só pode buscar a trajetória mais curta se você já sabe qual o destino, certo? O que vem a partir daí é justamente uma discussão sobre conhecer seu destino, não mais como “ponto final” de uma jornada, mas naquela definição wikipediana mesmo: é geralmente concebido como uma sucessão inevitável de acontecimentos relacionada a uma possível ordem cósmica. Portanto, segundo essa concepção, o destino conduz a vida de acordo com uma ordem natural, da qual nada que existe pode escapar.

E aqui você percebe que já teve a resposta da primeira pergunta (sobre a linguagem dos heptapods) e descobre também a resposta para a segunda (sobre os trechos de memórias contadas para a filha). Ao estudar o Heptapod B, a dra. Banks passa a ter uma pequena amostra do modo de pensar da raça alienígena. Ela consegue enxergar o tempo como eles, e por isso consegue ver tudo o que viverá com sua filha, mesmo que naquele ponto em que os extraterrestres visitam a Terra ela ainda nem tenha nascido.

O modo como ela narra as memórias – um jeito de colidir passado com futuro – lembra muito o Capítulo IV de Watchmen, quando temos uma noção de como funciona a mente do Dr. Manhattan (no final das contas, algo bem parecido com o jeito dos heptapods). A Dra. Banks vai narrando os momentos felizes e os momentos tristes que terá com a filha, sabendo que terá que viver tudo aquilo, não poderá evitar porque, de certa forma, aquilo já aconteceu.

Aliás, o modo como Chiang escreve a relação entre mãe e filha é digno de nota. Sei que já demos voltas no assunto, se só mulheres podem escrever sobre o universo feminino, e com Chiang temos um novo reforço para o “não”. Porque ele cobre toda a estranheza e a maravilha (no sentido de “wonder” mesmo) de ver um humano tomando forma, virando um indivíduo.

What I’ll think is that you are clearly, maddeningly not me. It will remind me, again, that you won’t be a clone of me; you can be wonderful, a daily delight, but you won’t be someone I could have created by myself.

E então chegamos na última pergunta: por que eles estão aqui? A resposta pode ser um pouco frustrante para quem gosta de histórias envolvendo rapto de humanos, explosões, roubo de recursos naturais: para observar. O interessante é que a resposta esteve sempre ali, desde o início. Mas tal como o militar responsável pela operação, nós ficamos sempre desconfiados, esperando algo que no fim das contas nunca vem. Lembrei de certa forma do Roadside Picnic, de como atribuímos a nós e ao nosso mundo uma importância tamanha que não conseguimos nos imaginar apenas como um ponto aleatório num passeio de alienígenas.

Valeu demais a leitura, mas indico de coração para meus amigos das Letras (assim que terminei já recomendei para a Ágata, haha), porque a parte do Heptapod A e B é bacana demais, justamente por trazer para a Literatura algo da Linguística. Sobre o filme, como disse antes: acho que será um tanto diferente da novela, mas ainda assim estou ansiosa para conferir. Até porque tem Amy Adams <3

Para a pergunta que sempre fazem: “saiu no Brasil?”. Então, pelo que pesquisei (bem brevemente, desculpa aí), a resposta é não. Para quem lê em inglês, a novela pode ser encontrada na coletânea Stories of Your Life and Others.

ATUALIZADO 30/11/2016: Tradução chegou agora em novembro no Brasil pela Intrínseca como História da sua vida e outras histórias, lançamento coincidindo com o mês da estreia da adaptação nos cinemas. Aliás, já assisti e o filme é ótimo – não estraga em nada já saber a história antes.

2 comentários em “Story of Your Life (Ted Chiang)”

  1. Olá!
    Muito boa a sua análise do conto de Ted Chiang. Vi que vc escreveu esse artigo há alguns meses e aproveito esse momento o filme começa a ganhar forma com a liberação de trailers, para informar que a editora Intrínseca publicará este e outros contos no livro “História da Sua Vida e Outros Contos”, que será lançado no próximo dia 14 de novembro, conforme informação deste site: http://www.pelatocadocoelho.com.br/noticias/intrinseca-publica-coletanea-de-contos-de-ted-chiang-importante-autor-contemporaneo-de-ficcao-cientifica/
    Achei o livro já à venda no submarino.

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