My Fat, Mad Teenage Diary (Rae Earl)

madfatQuando era adolescente lembro que tinha um gosto especial por livros que seguiam o formato de diário. Passava horas acompanhando os dias de personagens como Susie e seu irmão hipocondríaco. Como toda adolescente leitora de Capricho da época, embarquei nos dias de Zlata (assar pão em uma panela :~~ ) e por aí vai. Foi meio o que me motivou a escrever diariamente sobre minha vida, por mais que pouco tivesse para contar de verdade (nunca precisei assar pão em panela, por exemplo). E a realidade é que tinha até esquecido como o formato me agradava até começar a ler My Fat, Mad Teenage Diary, de Rae Earl, livro que originou a série mais bacana que assisti este ano.

O legal de livros baseados em diários é que eles acabam mostrando bem a vida como ela é. Aquele sujeito para quem você não dava a menor bola de repente vira seu melhor amigo em pouco tempo. Algo que ocupava sua mente de forma obsessiva vai sendo deixado de lado. Um ano às vezes pode ser pouco tempo, mas para a vida de um adolescente é tempo suficiente para refletir dezenas de transformações, mesmo que às vezes o leitor fique sem um desfecho propriamente dito (o dia 31 de dezembro pode não trazer todas as respostas, mas convenhamos, poucos dias 31 de dezembro trazem para todos nós).

My Fat, Mad Teenage Diary segue esta linha, mostrando as mudanças vividas por Rae Earl durante o ano de 1989. Comecei a ler achando que seguiria no automático (faltam poucos dias para sair o quarto livro da série napolitana, então não queria nenhum grande comprometimento literário, sabe como é), mas tem tanta coisa diferente que mesmo passagens familiares (como a dos passarinhos no viveiro do quintal) acabam trazendo aquela possibilidade de um desfecho diferente, o que por si só já vale a leitura mesmo que você já tenha assistido à adaptação.

As mudanças entre livro e o programa de tv começam já no óbvio – ser adolescente em 89 e ser adolescente em 96 são coisas diferentes, especialmente para uma menina obcecada por música como Rae Earl. As bandas e músicas citadas retratam um outro momento: Pump up The Jam, por exemplo, estava em alta. Falar de Rick Astley ainda não significava associá-lo ao Rickrolling (não que significasse algo assim em 96, mãããs…). Em 96 o significado de Smiths ainda era outro (até porque em 89 o fim da banda ainda era bem recente).  Enfim, outros tempos.

O curioso, e talvez o que mais tenha chamado minha atenção durante a leitura, é o quanto os tempos eram outros mas mesmo assim tanta coisa parece se encaixar perfeitamente nos dias de hoje. Por exemplo: tinha na minha cabeça que o padrão inatingível de beleza das modelos era algo mais atual, pós-heroin chic e a ubiquidade do photoshop. Mas aí você lê do diário de Rae, láááá de 1989, a mãe dizendo o que ouvimos mesmo no dias de hoje “essas meninas passam fome. mal comem um aipo por dia”. Uma pena que o problema seja tão antigo, e que só hoje em dia tenha começado a ser debatido.

Vale lembrar, Rae é obesa – a compulsão por comida fica nítida nas anotações que faz no diário, inclusive de como ela relaciona a comida a algo que pode acalmá-la. Se algo dá errado, se está nervosa, se a noite no pub foi ruim, ela volta para casa e come, come muito. O problema é que ao não se ver como a garota da capa da revista, ela imediatamente conclui que a falta de qualquer vida amorosa só pode ser remediada com isso, ser magra como a menina da capa. A fixação é tão grande que lá para o final do livro ela simplesmente não percebe quando um menino está obviamente interessado. E eis a armadilha: como está sempre triste por não ter o amor que tanto deseja (acreditando que seja pelo peso), acaba comendo mais (ou seja, seguindo o raciocínio da personagem, ficando cada vez mais longe de conseguir o que quer).

Lembrando, não é uma personagem de ficção: os diários são reais, a Rae existe. Resgatar essa informação, de que é aquilo é real, é extremamente triste quando você lê Rae descrevendo as mais diferentes formas que as pessoas as machucam se achando no direito de falar o que bem entendem sobre seu peso.

“By the time I rang Mort I was crying. She was so sweet about it and said, ‘Kids say stupid stuff all the time,’ but it hurts even as I am writing this. It’s like everywhere I go I am pointed out and stared at by EVERYONE an it’s like my weight is there to be discussed and laughed at. But if I was in a wheelchair they wouldn’t do it. If I had terrible scars they wouldn’t do it – but it’s ok to do it to me. Because they know. I caused this. This is self-inflicted. This is lazy, stupid, careless, crap, fat me. And the only way to make myself feel better now is to punch myself as hard as I can… cry, cry, CRY… not tell anyone… and pretend everything is brilliant because no one gives a shit. Sorry if this doesn’t make sense but that’s how it is right now. That’s how it is.”

Ler esse tipo de desabafo é uma verdadeira pancada. E o que piora é que já são gerações e gerações de mulheres passando por isso, e não há mudanças. Uma passagem que chamou minha atenção, quando Rae fala da dificuldade de encontrar roupas para seu tamanho: “So I went to Evans, which is meant for bigger ladies, and it was full of clothes for the only people who they think are fat right now – women over 40.” e fica impossível não lembrar daquela polêmica envolvendo a Abercrombie & Fitch que não vendia roupas em tamanhos grandes.

Enfim, é como eu disse, uma pancada. E a medida que Rae parece ir confiando em seu diário, ela acaba expondo que a questão não é só a compulsão. Ela sofre de transtorno obsessivo-compulsivo (algo que na série não fica claro, o que aparece é mais o self-harm). E com tudo isso você que também assistiu à série fica lá só esperando que surja logo o Kester, mas não – ele não existe nos diários (pelo menos não no de 89, não li o segundo volume ainda). A transformação vivida por Rae será toda por conta dela, mas está lá. Em pequenos atos, como o de se afastar de uma amizade que era nociva para ela. Mas a garota do começo definitivamente não é a mesma de dezembro. Ainda que tenha tanto para aprender.

Meio como seria com todos nós se escrevêssemos sobre nossas vidas, eu sei. E até por isso, é óbvio que tem algumas partes até bem entediantes, que quase dá vontade de pular – você teria dias assim se escrevesse diário, acredite. E mesmo assim, como é legal ler eventos importantes daquele ano sob o olhar de uma adolescente. A queda do muro de Berlim, o Massacre na Praça da Paz Celestial. Está tudo lá.

E nisso não posso deixar de pensar que bem, é uma pena que pelo menos entre os livros YA que ganharam maior divulgação, o formato de diário aparentemente esteja sendo deixado de lado. Sinais dos tempos, eu sei. Basta ler um blog entre milhares escritos por aí – pelo menos no período em que blogs ainda eram uma espécie de diário, e não necessariamente “especializados”. Mas é um tipo de registro que valia a pena investir, nem que fosse para deixar um pedacinho dessa década para as que virão, como é o caso do livro da Rae Earl. Atualizado 12/09/2015: Acabei de ler um artigo no Guardian com a Rae, e ela falou algo sobre blogs e diários que vale a edição: “Blogs will never replace diaries. As soon as you know you’ve got an audience, it’s very hard to be honest, warts and all. The joy of a diary is that it’s there when you need it. It’s a solace. I don’t need mine so much right now, but I would never rule it out.

A essa altura você que adorou a série só quer saber: tá, mas o livro é melhor ou pior? Então, é bem diferente. E até por isso, é ótimo por razões diferentes. Senti falta demais de personagens como o Archie e o Kester, por outro lado aparecem outros bem bacanas ali – até porque no livro a Rae acaba se relacionando com um grupo um pouco maior de pessoas.

Fiquei curiosa sobre o ano seguinte (My Madder Fatter Diary), mas aí bateu uma culpa porque li uma notícia que agora em setembro sai o primeiro romance do Morrissey e eu ainda nem tinha lido a Autobiografia, bem… não dava para adiar mais. Mas sei que a Rae me perdoaria por deixá-la para depois do Moz.

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