Sonetos de Amor Obscuro e Divã do Tamarit (Federico García Lorca)

lorcaAlguns escritores parecem estar sempre por ali, chamando seu nome, para que você finalmente os conheça. Nomes que aqui e acolá se repetem com tamanha frequência que passam a ser familiares, mesmo que você nunca tenha lido algo do autor em questão, até que decida finalmente conferir. Um dos casos mais recentes que aconteceu comigo foi o do espanhol Federico García Lorca, que pude finalmente conhecer (sobre a oportunidade falo mais além). O interessante é que peguei o livro Sonetos de Amor Obscuro e Divã do Tamarit sem saber absolutamente nada do que esperar, por mais que o nome do autor já fosse conhecido. Literatura espanhola. Se tem soneto no título, é poesia. E meus palpites acabavam aí.

A primeira surpresa é uma “Apresentação do tradutor”, no caso William Agel de Mello. Sempre respeitei o trabalho dos tradutores, mas se tem algo para que eu realmente tiro o chapéu é para tradutores de poesias, e o que de Mello comenta nesse texto introdutório ilustra muito bem as dificuldades de quem tenta transmitir para outra língua os versos de alguém. Achei positivo esse destaque dado ao tradutor, porque dá uma sensação de terreno seguro que eu (pessoa que não fala absolutamente nada de espanhol) acabo precisando para começar a leitura. Logo adiante, a segunda surpresa: trata-se de uma edição bilíngue, o que deve ser um prato cheio para quem entende espanhol (de minha parte fiquei arranhando um espanhol com sotaque la garantía soy yo só para tentar sentir o ritmo dos poemas de Lorca, confesso).

Sobre o texto de Lorca em si. O livro traz na realidade duas coletâneas de poemas do espanhol, Sonetos de Amor Obscuro e depois Divã do Tamarit. O primeiro foi originalmente publicado em 1936, após a morte de Lorca, e trazem os poemas escritos nos últimos anos de vida do autor. Chama a atenção como o poeta mesmo se utilizando de uma forma fixa de poema (no caso, o soneto) ainda assim consegue ser tão inovador. Respeita metodicamente as regras de metrificação, mas isso em nenhum momento resulta em um poema maçante: eles parecem cheios de vida, com tanto sentimento que dão a sensação de que logo transbordarão. Elementos como o amor impossível, intocável e perfeito lembram um tanto nossos poetas românticos aqui no Brasil mas há um porém: o eu lírico de Lorca é um homem, apaixonado por outro homem, como fica possível ver nos primeiros versos de “O amor dorme no peito do poeta”:

Tu nunca entenderás o quanto te quero

porque dormes em mim, e estás adormecido.

Eu te oculto chorando, perseguido

por uma voz penetrante de aço.

É evidente que isso não deveria fazer a menor diferença, mas cabe contextualizar o período em que o poema foi escrito, e a sociedade da época. Há inclusive quem afirme que Lorca foi assassinado durante a Guerra Civil Espanhola não só por causa de seus ideais políticos, mas também por ser assumidamente homossexual. É o tipo de informação que auxilia o leitor a compreender a dificuldade do eu-lírico de Lorca em viver seu amor. Mas ainda sobre o caráter inovador da poesia de Lorca, é interessante observar se no tema ele pode lembrar nossos românticos como Álvares de Azevedo, em outros momentos sua poesia tem muito do pré-modernista Augusto dos Anjos, sobretudo quando traz à tona sangue, feridas e outros símbolos para representar a dor do amor.

Já em Divã do Tamarit, também publicado postumamente, Lorca abre mão da estrutura do soneto e passa para versos mais livres, sem adotar forma fixa para versos e rimas. Embora divida os poemas em Gazéis e Casidas, formas fixas da poesia árabe, ele não respeita a metrificação, apesar de alguns poemas apresentarem como estrutura das estrofes os dísticos (característica do Gazel). Continua evidente a força de suas palavras, mas agora se afastando um tanto das imagens sombrias de Sonetos de Amor Obscuro e partindo para uma série mais onírica, como pode ser visto em “Da Fuga”:

Perdi-me muitas vezes pelo mar

com o ouvido cheio de flores recém-cortadas,

com a língua cheia de amor e de agonia.

É realmente uma belíssima coleção de poemas, que atiça a curiosidade de conhecer não apenas o García Lorca poeta, mas também o dramaturgo – especialmente pela força das imagens criadas por ele em seus versos. O melhor é que através da Folha de São Paulo surgiu uma ótima oportunidade para quem, assim como eu, não tinha lido ainda a obra do espanhol, é a Coleção Folha Literatura Ibero-Americana. Serão 25 volumes de escritores de diversos países de língua portuguesa e espanhola, com grandes nomes por (o que considero o melhor) um preço bastante acessível: R$16,90 cada livro. Este livro do Lorca é o segundo da coleção, mas é vendido junto com o primeiro (O livro de areia, do Borges) pelos mesmos 16,90 desde abril. Para ver os títulos disponíveis e as datas de lançamento, clique aqui.

Desconheço qual seja o acordo da Folha com as editoras que já publicam esses autores – se há uma nova tradução ou se é a mesma (no saiba mais da página praticamente só respondem como adquirir os livros). A questão chamou minha atenção especialmente por causa de alguns títulos que eu lembro de ter visto no catálogo de outras editoras (como o Bolaño da Companhia e o Casares da Cosac Naify), de qualquer forma fica como mais uma opção para conhecer autores já tidos como clássicos. E é claro, sempre como uma boa desculpa para finalmente conhecer aqueles que há tanto tempo você tem deixado para depois.

(Publicado originalmente no Meia Palavra em 21 de junho de 2012)

4 comentários em “Sonetos de Amor Obscuro e Divã do Tamarit (Federico García Lorca)”

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