Reconstructing Amelia (Kimberly McCreight)

ReconstructingAmeliaLançado em abril deste ano e recebido pela crítica lá fora como um livro para quem gostou de Garota Exemplar, além de já ter uma adaptação engatilhada (com Nicole Kidman no papel principal), a verdade é que Reconstructing Amelia (de Kimberly McCreight) fez um considerável barulho para um romance de estreia. E a premissa é bem interessante: após a filha cometer suicídio, uma mãe resolve investigar sua vida virtual para descobrir o que de fato aconteceu com a garota. Enquanto muitos autores resistem a colocar a internet em suas histórias, aqui parte dos capítulos são históricos de conversa no celular, troca de e-mails ou mesmo atualizações de status no Facebook. Promissor, heim?

Mas… Embora McCreight pareça seguir cuidadosamente a cartilha do thriller-que-o-leitor-não-consegue-parar-de-ler, infelizmente ela derrapa em alguns pontos importantes da história, que fazem com que a sensação geral após a conclusão da leitura seja de que você foi enganado como leitor (ou, no mínimo, subestimado). Fosse só algumas más escolhas envolvendo a estrutura, eu ainda poderia dizer que é um livro para quem gosta mais do enredo e não se importa muito pelo modo como foi escrito. Negócio é que o próprio enredo tem lá seus problemas. E lógico que para comentá-los eu terei que falar de alguns spoilers, acredito que devidamente sinalizados, mas aí o post fica meio incompletoentão caso ainda não tenha lido o livro, o que eu posso dizer é que Reconstructing Amelia tem p* nenhuma a ver com Garota Exemplar, hmmmmkay?

Certo. Vamos começar pelo problema da estrutura. Kate é uma mãe ausente, mas deu a sorte de ter uma filha maravilhosa como Amelia. Só tira notas boas, não usa drogas, não tem namoradinho e tem um futuro brilhante pela frente. Mas um dia no trabalho ela recebe uma ligação da escola de Amelia, avisando que menina tinha plagiado um trabalho de inglês e que portanto seria suspensa. O que já se revelava uma surpresa (lembrando, Amelia era uma menina perfeita, jamais plagiaria um trabalho) fica ainda pior quando Kate chega ao colégio para buscar a filha, já que logo descobre que a filha se jogou do telhado do prédio e não sobreviveu a queda. Destruída pela culpa (mãe ausente, alooou) e pela dor de perder alguém como Amelia, um dia ela recebe uma mensagem no celular dizendo “Amelia não pulou”. É o suficiente para que decida começar uma investigação por conta própria para descobrir o que aconteceu no telhado de Grace Hall.

“Mas Anica, você disse que ia falar do problema de estrutura, isso é o enredo”. Calma. O negócio é que a investigação consiste em procurar mensagens no celular de Amelia, bem como ler os e-mails mais recentes que ela recebera e alguns arquivos de texto guardados no computador. Chegamos assim ao modo como McCreight estruturou o romance: um capítulo narrado em terceira pessoa mostrando a investigação de Kate, um com passagem do diário de Kate do período em que soubera estar grávida de Amelia, outro com um histórico de mensagem de celular de Amelia, outro com status de Facebook de Amelia e um narrado em primeira pessoa, sob o ponto de vista de Amelia, descrevendo os eventos que levaram até o momento da queda do telhado.

Hmmmkay.

Primeira pessoa. Narrador morreu. Narrador descreve eventos até o momento em que morre. Hmmmm….

Mais do que o mistério sobre a morte de Amelia, confesso que o que me manteve presa até o fim do livro foi ver qual seria a explicação para essa escolha absurda de foco narrativo. Para dar mais emoção ao drama do bullying e da solidão sofridos por Amelia?  Nada que um narrador onisciente não pudesse resolver. Desculpe se eu pareço detalhista demais com isso, mas eu provavelmente não teria encrencado tanto com esta questão se o foco narrativo dos capítulos de Kate também fossem em primeira pessoa. Ou ainda, se fosse o contrário: Amelia em terceira, Kate em primeira. Sei lá. Fiquei esperando o momento em aconteceria algo parecido com o final de Segundas Intenções, mããããs não. O mais próximo que consegui pensar disso é que o livro seria escrito por Kate, e aí ela tenta imaginar o que a filha passou. Mas aqui já estou sendo boazinha (sim, estou de bom humor, iei!), então por enquanto fico com a opção que Amelia mandou esses textos do céu, há.

E aí tem o esquema dos ganchos que McCreight vai deixando de um capítulo para outro. Lembrando: a história segue do passado para o presente nos capítulos de Amelia, sendo que os fatos são sempre relacionados com alguma nova descoberta de Kate. Para “segurar” uma nova revelação do passado, a autora escreve passagens como uma em que Kate está furiosa com uma personagem que diz “Espere, eu tenho que te contar algo sobre uma outra aluna de Grace Hall!” e mesmo assim ela vai embora sem ouvir essa nova informação. Se o livro viesse com uma caixa de texto piscando os dizeres “EI LEITOR, LOGO MAIS TEM OUTRA COISA QUE VOCÊ AINDA NÃO SABE! CONTINUE LIGADÃO NO LIVRO” talvez eu ficasse menos irritada com o modo como ela tenta prender nossa atenção de um capítulo para outro.

Aí você pensa que isso é frescura, aposto que o mistério é bom, só que simplesmente não é. Eu sou a pessoa mais lerda no que diz respeito a “adivinhar o que vai acontecer no fim” e mesmo assim saquei tudo antes mesmo de chegar na metade. Só me surpreendi de verdade com a identidade da autora do Gracefully (um tipo de Gossip Girl da escola de Amelia), e mesmo assim, pensando bem aqui, é meio irrelevante para o todo. Aliás, TANTA informação é irrelevante para o todo que você não tem só um red herring, mas um cardume. Vou citar um exemplo para você entender do que estou falando, mas é spoiler, então leia por sua conta e risco.

SPOOOILER
Por várias e várias páginas há todo um mistério sobre quem é o pai de Amelia, dando a entender inclusive que o suicídio (ou ainda, o assassinato) da garota tivesse algo a ver com ele. Kate é firme em não revelar a identidade do sujeito (tanto que nunca contara nem para Amelia), mas desde o começo a raiva que ela tem do colega Daniel, e o modo como o nome dele sempre surge quando o assunto é o fato de ela ter sido mãe solteira, logo o leitor é levado a pensar “Puxa, é óbvio que é o Daniel. Olha só, Kate até confirma que eles tiveram um caso!”. Mais para frente Kate diz com todas as letras que Daniel é o pai. E aí você já começa a pensar como é que essa informação pode se encaixar com a morte da menina quando… óóóóóó, e não é que o JEEEEEEEEREMY, o chefão bondoso e super preocupado que é o pai da guria? Ah, se catar.

E meudeusdocéu, que tipo de policial é o Lew? Em alguns momentos achei que o romance todo era meio sobrenatural, com um narrador defunto e um policial fantasma, porque há sequências inteiras com o cara presente no mesmo lugar que Kate, mas só Kate fazendo perguntas (oi, isso é legal? assim, legal de lei, não de legalzice). É quase como se ele só estivesse ali para “abrir portas” para Kate, já que ela não conseguiria arrancar depoimentos sem a presença de um policial. Mas fora isso fica parecendo que quem faz as perguntas, quem investiga de fato é ela.

Joga aí um final para lá de idiota¹, e pronto, não tem como não se sentir subestimado pela autora. Pela quantidade de resenhas favoráveis que li por aí, fico pensando que talvez até vale dar o benefício da dúvida e conferir o negócio com seus próprios olhos. Mas a verdade é que desde que li O Código Da Vinci eu não lembro de ter me sentido tão enganada por um autor em um thriller. Porém, se você pensar que tem um monte de gente que é fã de Dan Brown, talvez dê para entender o falatório sobre Reconstructing Amelia lá fora.

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¹ Eu nem ia comentar o final, mas só para ilustrar a razão pela qual achei tão imbecil, vamos lá, mais um spoiler.

SOBRE O FINAL
Não o final em si, mas os eventos que acabaram levando ao incidente no telhado da escola, o que me irritou foi o capítulo com Kate na casa de Adele e Zadie, um dos momentos mais vergonha alheia de qualquer thriller que eu já tenha lido. A coisa toda funciona assim: Adele teve um caso com Jeremy no mesmo período em que rolou a única noite de Kate com Jeremy. A vida seguiu em frente, Jeremy não ficou com nenhuma das duas, mãããs engravidou as duas: Zadie é filha dele com Adele, Amelia dele com Kate. Wow. Quando começa a tocar uma canção qualquer de Thalia como trilha sonora e você pensa que já chegou na dose máxima do dramalhão mexicano, eis queeeee…. ficamos sabendo que estava tudo ok para a Adele, mas que o que fez ela surtar foi ter visto Amelia na mesma escola da filha. E assim, ela concluiu que Amelia era filha de Kate e Jeremy porque Kate trabalhava numa empresa de advocacia e a filha dela tinha olhos de cores diferentes!!  Nossa!! Ela é muito sagaz! WTF. Quando o cabelo preto e branco de Zadie é mencionado eu pensei seriamente em largar o livro, mas aí faltava tão pouco que fui até o fim.

E com isso acho que já está tudo bem ilustradinho, então se quiser conferir com seus próprios olhos, meu aviso é: vai por sua conta e risco, só não vai dizer que eu que indiquei porque eu não recomendo esse livro para ninguém, não.

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