You cannot conquer Time

antes-do-amanhecerMeu primeiro contato com Antes do Amanhecer (Before Sunrise) não foi dos melhores. Eu tinha lá meus 20 anos (pouco mais, pouco menos) e lembro que achei um filme chato. Tão chato que queria logo que amanhecesse para o filme acabar. Por conta disso, quando em 2004 saiu Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset) nem dei muita bola e não assisti. Vivia repetindo para mim que um dia daria novamente uma chance para o primeiro, até porque pessoas que têm um gosto parecido com o meu (Sol, Melian, etc.) simplesmente adoram esse filme. E aí que nas várias notícias sobre o lançamento do terceiro filme da trilogia de Linklater, Antes da Meia-Noite (Before Midnight) saiu uma contando a história da garota que inspirou Linklater para a criação de Celine e achei tão fofo que decidi que agora era o momento: faria uma Maratona Before para no dia seguinte ir ao cinema e conferir o lançamento.

Começando então com Antes do Amanhecer, que eu tinha odiado. Terminei o filme sem entender porque naquela época não gostei: não tem nada ali para não gostar. Os diálogos entre Jesse e Celine são dinâmicos e interessantes, daqueles que dá vontade de se meter no meio para conversar também. E Ethan Hawke e Julie Delpy estão tão bem nos papéis que dá para sentir a química entre eles como algo palpável, real e constante. A cena na roda gigante, que marca o primeiro beijo do casal é doce e encantadora justamente por causa dessa química entre os dois.

E tem coisa que acontece nesse filme que você sabe que só pode acontecer em um determinado momento de sua vida. Há uma certa dose de ingenuidade necessária para que aqueles eventos transcorram como magia, e não com cinismo. Porque mesmo quando eles colocam o pé no cinismo (“No, then it’s like some male fantasy. Meet a French girl on the train, fuck her, and never see her again.“) e acham que estão sendo maduros e racionais (“vamos trocar telefone e nos falar e de repente perder contato”), ainda assim eles querem acreditar que isso não acontecerá com eles, que o que eles têm é especial. Tanto que na estação de trem decidem que se encontrarão depois de seis meses no mesmo local.

Aí entra a questão de assistir muitos anos depois, quem terminou Antes do Amanhecer ficou por um bom tempo com aquela pergunta na cabeça “eles se encontraram ou não?”. Como eu já sabia da existência dos outros dois filmes, obviamente sabia que independente de não se encontrarem, algum jeito para manterem contato eles encontrariam. E já no começo de Antes do Pôr-do-Sol ficamos sabendo que Celine não foi porque teve que comparecer ao enterro da avó, mas Jesse estava esperando lá na estação. Mas e aí, como eles se reencontram? Jesse escreveu um livro contando sobre os eventos daquela noite em Viena, e em uma sessão de autógrafos em uma livraria de Paris (é a Shakespeare and Company mesmo?), nove anos após o primeiro encontro, Celine reaparece.

De novo a atuação de Hawke e Delpy é importante, seja para mostrar aquele estranhamento inicial (Celine completamente sem jeito por não ter aparecido, relaxando depois de saber que Jesse estava ok com isso). O modo como Celine explode conversando dentro do carro, expondo um sentimento que guardara bem desde o começo sobre o fato de Jesse estar casado, aquilo só faz sentido porque ambos têm noção que o tempo passou e provou que o que aconteceu entre eles não é comum “I guess when you’re young, you just believe there’ll be many people with whom you’ll connect with. Later in life, you realize it only happens a few times.” Há uma frustração por perceber isso ao mesmo tempo em que aparentemente a vida mudou tanto que não há mais um modo de voltar ao momento inicial.

Gostei mais de Antes do Pôr-do-Sol porque no momento em que assisti, ele acabou me dizendo mais do que o primeiro. Estar naquele ponto do meio entre ser jovem e ser velho, não ser nenhum dos dois. Perceber que o tempo está passando e que agora sua vida não é mais formada só por doces memórias da infância ou da adolescência. “Memories are wonderful things, if you don’t have to deal with the past.” Gosto principalmente de como deram conta de mostrar um Jesse e uma Celine amadurecidos, mas sem perder características básicas que fazem deles personagens tão convincentes. E então chega a ótima cena final, e mais uma pergunta para quem assiste: Jesse perde ou não o avião?

A existência de um Antes da Meia-Noite parece já responder. Jesse perde o avião, os dois ficam juntos e têm duas filhas e vivem como casal. Mais uma vez o salto é de nove anos, e mais uma vez a química entre os atores continua perfeita. Eu insisto nesse ponto porque tenho os dois filmes anteriores bem frescos na memória, e garanto: Jesse e Celine são exatamente as mesmas pessoas, só 18 anos mais velhas do que naquele encontro em Viena. E agora, vivendo juntos, acabou-se a magia de ter que aproveitar o máximo possível do tempo para se conhecer (e se seduzir). Há agora a rotina, que acabou com os longos passeios pelas ruas conversando sobre a vida, o universo e tudo o mais. E começam a chegar os ressentimentos, acumulados por anos desse jogo de vários “abrires de mão” que é a vida a dois.

O que mais gostei desse último filme é de como ele retoma elementos dos dois primeiros mas de uma forma bastante sutil. Como quando Celine fala que pediu para Hank ligar porque odeia quando ele viaja de avião (lembram da explicação dela sobre o motivo que fez com que ela viajasse de trem no primeiro filme?) ou ainda como quando estão no hotel (onde desde cedo eles sabe que farão sexo) e Jesse abre uma garrafa de vinho da qual eles não beberão nenhum gole, quando no primeiro filme é justamente após uma garrafa de vinho que eles fazem sexo pela primeira vez. São colocados, como disse, de forma bastante sutil, mas parecem pontuar bem o abismo que existe entre Jesse e Celine de 94 e de agora.

Achei o último um pouco mais pesado, um pouco mais amargo – mesmo com as ótimas tiradas do casal, ambos com senso de humor bem afiado. Mas os diálogos no quarto de hotel são de partir o coração, até porque nós, como espectadores, sabemos o que eles costumavam ser e, com um pouco daquela inocência juvenil, também queremos acreditar que não estão fadados ao rompimento, que o que eles têm é especial, diferente. Mas a fala de Celine sobre a bomba relógio me parece já um bom indício dos rumos que a história tomaria, bem como o modo que ela parece bastante sem jeito (e irritada) na hora em que uma fã dos livros de Jesse pede para que ela também os autografe.

Notei também que esse último filme foi mais marcado por diálogos com terceiros – coisa que não acontece com os anteriores. Em uma ótima cena, vários casais conversam sobre o amor durante uma refeição. Falam com desenvoltura sobre sexo, divórcio e traição. Aí uma viúva mais velha do que eles fala o que sente sobre não ter mais o marido por perto. Sobre como esquecer algumas coisas sobre ele era como perdê-lo novamente. É quase que um tapa na cara de todos na mesa: ei, agora é a fase do cinismo, mas depois de um tempo todos voltam ao romance.

E é o tempo que marca as conversas de Jesse e Celine desde lá no primeiro filme, quando ainda falavam ansiosos sobre o futuro. Ou no segundo, quando falavam do presente em comparação ao passado. Agora no terceiro, que seria definitivamente o momento de falar sobre o presente, eles falam tanto do passado (quando lamentam decisões ruins) quando do futuro (como nas perguntas insistentes de Celine sobre como serão quando velhos). Observando assim os três filmes juntos, não tem como não esquecer dos versos de W.H. Auden que Jesse  recita para Celine quando começa a amanhecer em Viena “The years shall run like rabbits“, ou ainda, de todo o poema de Auden em “As I Walked Out One Evening”:

As I walked out one evening,
Walking down Bristol Street,
The crowds upon the pavement
Were fields of harvest wheat.

And down by the brimming river
I heard a lover sing
Under an arch of the railway:
‘Love has no ending.

‘I’ll love you, dear, I’ll love you
Till China and Africa meet,
And the river jumps over the mountain
And the salmon sing in the street,

‘I’ll love you till the ocean
Is folded and hung up to dry
And the seven stars go squawking
Like geese about the sky.

‘The years shall run like rabbits,
For in my arms I hold
The Flower of the Ages,
And the first love of the world.’

But all the clocks in the city
Began to whirr and chime:
‘O let not Time deceive you,
You cannot conquer Time.

‘In the burrows of the Nightmare
Where Justice naked is,
Time watches from the shadow
And coughs when you would kiss.

‘In headaches and in worry Vaguely life leaks away,
And Time will have his fancy
To-morrow or to-day.

‘Into many a green valley
Drifts the appalling snow;
Time breaks the threaded dances
And the diver’s brilliant bow.

‘O plunge your hands in water,
Plunge them in up to the wrist;
Stare, stare in the basin
And wonder what you’ve missed.

‘The glacier knocks in the cupboard,
The desert sighs in the bed,
And the crack in the tea-cup opens
A lane to the land of the dead.

‘Where the beggars raffle the banknotes
And the Giant is enchanting to Jack,
And the Lily-white Boy is a Roarer,
And Jill goes down on her back.

‘O look, look in the mirror,
O look in your distress:
Life remains a blessing
Although you cannot bless.

‘O stand, stand at the window
As the tears scald and start;
You shall love your crooked neighbour
With your crooked heart.’

It was late, late in the evening,
The lovers they were gone;
The clocks had ceased their chiming,
And the deep river ran on.

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