Wilson (Daniel Clowes)

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Em tempos de redes sociais você provavelmente já passou por isso: escreveu uma mensagem, pensou melhor e então apagou. Talvez não necessariamente porque fosse ferir o sentimento da pessoa que a receberia, mais para evitar um conflito futuro, ou mesmo que sua imagem de pessoa bacana fique arranhada por dizer algumas verdades para quem supostamente mereceria ouvir. Pois bem, seja lá qual for o motivo que faça muita gente agir assim, Wilson de Daniel Clowes parece não ter essa ferramenta. Fala o que tem vontade sem o menor medo de ser desagradável. E é tão, mas tão desagradável que chega a ser engraçado.

A HQ lançada pela Companhia das Letras segue um formato de episódios de uma página, seguindo uma ordem cronológica que vai alinhavando uma história maior, que de modo resumido dá para dizer que é a luta de Wilson contra a solidão que ele causou contra si, justamente por causa desse jeito de agir. Ele quer “fazer parte”, mas ao mesmo tempo não quer abrir mão de ser como é.

Os primeiros episódios vão mostrando um pouco dessa personalidade difícil da personagem, extremamente ácido, desligado do que seria qualquer laço a não ser o que tem com a cachorrinha. Wilson quer ser ouvido, mas a realidade é que não quer ouvir ninguém. E é a morte do pai que dispara em Wilson a necessidade de se relacionar, o que para ele significa ir atrás da ex-mulher que não vê há anos.

Sei que colocando as coisas desse jeito a leitura de Wilson parece puro masoquismo, mas não é. Como já disse, ele é tão azedo que chega a ser engraçado. É como se colocasse para fora tudo o que nós normalmente escondemos, criando uma figura que achamos hilária (até porque não temos que conviver com ela). O senso de humor de Clowes é corrosivo, e algumas piadas chegam a ser bastante sutis, mas são muito bem sacadas. Leia Alegria Pura e depois diga se você não riu alto com a conclusão, por exemplo.

Clowes é genial porque consegue conduzir a trama de modo completamente surpreendente, fugindo da mesmice que o tema principal poderia trazer. Se comparar a leitura da primeira página com a última, mal dá para acreditar o rumo que a história de Wilson tomou. Não é só uma questão de surpresa, é de Clowes realmente fazendo escolhas completamente atípicas para o destino de seu protagonista, mas ao mesmo tempo conseguindo manter o pé tão firme no que somos, tememos ou queremos.

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Sobre a arte da HQ, Clowes usa cerca de cinco estilos diferentes, embora eu não tenha conseguido captar bem o motivo das mudanças. Uma vez que o título que tinha lido anteriormente era Como uma luva de veludo moldada em ferro, estava mais familiarizada com o desenho como aparece em Shopping Center, por exemplo. Mas a variação no traçado parece sugerir algo que senti enquanto ia lendo a história, que cada episódio poderia ter sido lido separadamente, como se fosse uma história independente.

Por ser tão surpreendente, engraçado e inteligente, a leitura de Wilson acaba passando voando. É um livro curto também, só 80 páginas, o que pede pouco tempo do seu dia para terminá-lo. Mas o mais engraçado é que embora a leitura seja breve, Wilson permanece com você por mais um bom tempo. Naquela hora em que você clicar no botão enviar sem se preocupar com as consequências do que disse, é como se ele soprasse no seu ouvido: “Eu não disse?”.

(Post originalmente publicado em 24/05/2012 no Meia Palavra)

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