A culpa é das estrelas (John Green)

a-culpa-e-das-estrelas-203x300(Ok, acho que já deu para entender e no próximo post nem precisará mais desse parágrafo introdutório. O post a seguir foi publicado originalmente em outubro de 2012 no Meia Palavra, que is kaput. Como por um período eu parei de publicar aqui as coisas que escrevia lá, estou trazendo aos poucos esse conteúdo, pelo menos para deixar registrado aqui o que achei mais relevante.)

Pode parecer estranho dizer isso, mas fui pega de surpresa por A culpa é das estrelas, de John Green. A parte estranha da informação diz respeito ao fato de que este não é um livro obscuro lido por poucas pessoas, daqueles que chegam em suas mãos sem qualquer informação e te pegam de surpresa. Não, comigo não foi por aí. Desde o lançamento lá fora eu já ouvido falar muita coisa sobre A culpa é das estrelas, com adjetivos que traziam variações do termo “apaixonante”, então é evidente que minhas expectativas estavam lá no alto quando finalmente comecei a ler. E aí  foi um tanto frustrante começar a leitura e perceber que bem, o livro não era tudo aquilo. Por que diabos as pessoas gostavam tanto? Parecia morno, e mesmo uma repetição de muita coisa que já tinha visto em outros livros YA. Além disso, confesso que mesmo que uma doença incurável justifique um amadurecimento precoce, o modo como Hazel e Augustus se comportavam e falavam me soava um tanto artificial e em alguns momentos até irritante: “não posso admitir isso porque sou um adolescente”, diz um deles em determinado momento.

Sim, Augustus aparecia como uma personagem bastante cativante, mas enfim, faltava uma fagulha, alguma coisa ali que justificasse a razão pela qual todo mundo parecia amar o livro. Entendam: eu não estava odiando, só não estava achando que merecesse tanto elogio. E então Hazel e Augustus vão para Amsterdam buscar respostas do autor de uma obra que os dois adoravam e tudo muda de figura. TUDO. Entendi os elogios e eu mesma acabei me encantando pela história. Aquele começo que eu achei sem sal então faz todo sentido. Mais do que isso, torna-se fundamental para um efeito que John Green aparentemente queria causar. E como falarei do tal efeito daqui para frente, peço para quem não leu o livro que pare neste parágrafo, porque A culpa é das estrelas é um daqueles casos em que quanto menos você sabe sobre a obra, melhor.

O jogo de John Green é mais ou menos assim: ele nos apresenta Hazel, mostra o quanto ela sofre, embora tente tirar o melhor do pouco tempo extra que ganhou. Sabemos que é uma questão de tempo, então começamos a leitura imaginando que o final muito provavelmente envolve a morte da personagem, o que faria um certo jogo com o livro que ela tanto gosta, Uma aflição imperial: quando ela morresse, acabaria a história e não saberíamos o que aconteceu com as outras pessoas que de algum modo se relacionavam com Hazel. E tal como em um truque de mágica grande parte do sucesso está em distrair a plateia, Green está fazendo exatamente isso a cada momento em que respirar torna-se quase impossível para a garota, ou quando ela vai parar na UTI. Ele está nos distraindo do que seria o óbvio caso a narrativa não estivesse em primeira pessoa: o livro não é sobre Hazel, mas sobre Augustus, e portanto sobre como o câncer tomou a vida dele.

O primeiro grande evento narrado por Hazel é justamente o momento em que ela o conhece, quando ele fica olhando fixamente para a menina e eles têm a conversa sobre não querer ser esquecido ao morrer. E a partir daí, tudo gira em torno de quando ela o verá, quando eles conversam, de como estão se aproximando. Pouco a pouco a personagem é construída de modo que o leitor possa conhecê-lo em seu melhor, e é quando ele chega no pior que dói. E dói mesmo.  Desde o momento em que Augustus conta para Hazel que o câncer voltara, eu acredito que não parei de chorar uma vez sequer até o fim. E tenho certeza de que caso a garota fosse a vítima, eu não teria sentido tanto – talvez porque inicialmente ela pareça até meio conformada com a inevitabilidade de seu fim, e Augustus por outro lado parecia querer nadar contra essa corrente de toda maneira possível, não sei. Só sei que chega a ser angustiante acompanhar o fim dele.

E colocando a coisa em números, nós temos 162 páginas e 12 capítulos do que eu considerei “sem graça”, o que dá um pouco a mais do que a metade. Mas o que John Green faz depois é tão forte, mexe tanto com as emoções do leitor que um livro que ficaria ali no razoável passa a ser ótimo.  Não é masoquismo, não gosto de sofrer (muito menos por seres fictícios). Mas qualquer autor que consiga causar algo no leitor, tirá-lo da passiva aceitação do que é contado para algo mais (no caso, um sentimento forte sobre os acontecimentos), merece algum elogio e muito respeito. Porque veja bem, ele tinha tudo para fazer um romancezinho brega e até mesmo ordinário. O câncer é uma doença devastadora, e quem já perdeu alguma pessoa querida para essa doença sabe do que eu estou falando. Mas dependendo do modo como Green colocasse a história de Hazel e Augustus, ela seria mais do mesmo. Triste, é evidente. Mas ainda assim, mais do mesmo.

Só que então vem a escolha de Hazel como narradora, e como consequência a construção e desconstrução de Augustus. Mesmo a inclusão do amigo Isaac tem uma razão de ser – ao ler, reparem como os momentos em que o coração fica mais apertado são os que têm alguma relação com ele, como quando ele diz no elogio fúnebre no Coração Literal de Jesus “não quero ver um mundo sem o Augustus” ou, quando no velório conta sobre a boa notícia que Augustus falou logo após Isaac retirar o olho e ficar cego “Você vai viver uma vida boa e duradoura cheia de momentos maravilhosos e terríveis que você ainda não tem como imaginar como serão!”. São passagens que fazem disparar aquele velho e conhecido sentimento de revolta quando da morte de uma pessoa boa. E não se engane sobre a questão do câncer. É evidente que torna tudo mais sofrido e difícil, mas a dor da perda que Hazel e os amigos sentem teria acontecido mesmo que Augustus tivesse morrido em um acidente que lhe valesse indicação para o Darwin Awards.

Assim, A culpa é das estrelas não ganha destaque entre os ‘n’ lançamentos mensais porque John Green seja um gênio das palavras. Não, formalmente falando, o livro é normal, nada de extraordinário. O destaque vem nas escolhas acertadas (quando tanta coisa poderia dar errado). Porém, mais do que isso, no modo como o autor consegue mexer com os sentimentos do leitor, lembrando assim de uma das características mais importantes da Arte, a de emocionar os homens.

6 comentários em “A culpa é das estrelas (John Green)”

  1. Olá, Anica!

    Todos os comentários a respeito desse livro, como você mesmo disse, sempre giram em torno de palavras únicas como “apaixonante” , “inesquecível” e “lindo”. Ainda não o li, mas eu já espera que ele não fosse ser essas coisas todas… Essa comoção gerada nos leitores talvez seja apenas reflexo do tema + paixãozinha que sempre embala o coração romanesco nos simples mortais que o leem. -rs

    1. Oi Samantha!

      Acho que o que pega todo mundo de jeito é desfecho mesmo. Foi o livro que mais chorei enquanto lia (rolou até uma cena assim: eu na cozinha fazendo almoço, mexendo molho na panela com uma mão, segurando o livro com outra e chorando). +_+

  2. Anica, que saudades de suas resenhasss…eu fiquei um tempo sem acessar a página, pois andava atarefada com umas coisas e, fui surpreendida por essa de A Culpa é das Estrelas. Isso pq eu li o livro qd vi que era título de sua resenha lá no MP, mas qd eu terminei a leitura do livro e voltei no MP p/ ler a resenha completa, vc tinha sumido, rs. Nossa, eu chorei tanto, mas tanto, que até doeu. Eu pedi tanto para o meu noivo ler, aprender que nossa vida é maravilhosa, que fazemos tempestade em copo d´água por nada…mas ele não quis saber, disse que não tem força, que não gosta de se entreter com sofrimento. Uma pena, não só p/ ele como p/ todos que deixem de apreciá-lo, pois mexeu de mais comigo e acima de tudo é uma lição de vida p/ não ser esquecida.
    Beijocass

    1. Oi Fabiane!! Obrigada pelas palavras ;D

      Eu também tentei convencer o Fábio a ler, mas o problema dele é pior: ele tem preconceito com livro young adult. Já disse para ele que tem livros que são diferentes, mas não adianta, não tem o que faça ele ler >

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