O Substituto (Brenna Yovanoff)

Não há dúvidas, os livros voltados para adolescentes com temática sobrenatural vieram para ficar. E o que inicialmente parecia um terreno exclusivo de vampiros foi criando espaço para todo tipo de criatura – anjos e zumbis, por exemplo. O problema é que a fórmula começou a ficar desgastada, por conta de alguns elementos constantes: o narrador em primeira pessoa, que quase sempre é um jovem com algum tipo de problema para se relacionar com outras pessoas (antissocial? acabou de trocar de cidade? tem um horrível segredo? etc.), o encontro entre a criatura sobrenatural com um(a) humano(a) e o amor que surge dali. A sensação que acaba ficando após a leitura de alguns livros desse tipo é que alguns escritores (e editoras) não querem arriscar, mexer no “time que está ganhando”, e consequentemente entregam para o público histórias que, fora a espécie de “monstro” e os nomes das personagens, parecem ter pouca diferença entre si. E é por manter a fórmula mas fugir da “forma de bolo” que livros como O Substituto de Brenna Yovanoff merecem atenção.

Sim, temos criaturas sobrenaturais, temos o carinha com um horrível segredo e até um amorzinho (!!) entre o ser em questão e uma humana, e sim, o sempre constante narrador em primeira pessoa. Mas mesmo com todos esses lugares-comuns Yovanoff consegue inovar, trazer algo de diferente para quem gosta de livros deste tipo. Já começa que temos um raro protagonista do sexo masculino (atenção para o termo “raro”, não estou dizendo que seja a primeira vez), o que por si só já traz uma dezena de inovações. Mackie é um substituto, criatura subterrânea colocada no lugar do filho do casal Doyle. Engana-se quem pensa que o enredo girará em torno do garoto descobrindo-se um substituto ou algo que o valha. Ele sabe o que é. Seus pais sabem o que ele é. Não há mistérios sobre isso.

E pensando bem, nem poderia haver, uma vez que Yovanoff não utiliza um monstro conhecido como um vampiro, cuja mitologia já faz parte do imaginário popular. Os seres que vivem em Gentry são algo completamente novo, e para mim até um tanto indefinidos. Fica claro que são mortos-vivos, e possuem muitos traços dos goblins da mitologia europeia, mas nada muito certo. O que fica claro para o leitor é que eles possuem uma espécie de trato com o povo de Gentry: em troca de prosperidade, os habitantes daquela cidadezinha deveriam oferecer uma criança para sacrifício a cada sete anos. O “substituto” seria colocado no lugar da criança sacrificada.

Só com isso dá para perceber que o livro não é exatamente “leve”, há realmente um tom bastante sombrio na história de Mackie, que parte desde a rejeição dos pais até a própria ideia de sacrificar uma criança em troca de prosperidade. Outra coisa que chama a atenção é que ao contrário das “corretíssimas” heroínas de romances deste tipo, Mackie bebe, vai a shows com os amigos e faz sexo (ou pelo menos tenta fazer). Ele não é “certinho”, mas ao mesmo tempo não é o rebelde, há uma dosagem correta que faz de Mackie apenas um jovem tendo que escolher quem quer ser, no final das contas. O mesmo vale para Tate, garota cuja irmã foi levada por um dos monstros, ou mesmo Roswell, melhor amigo de Mackie. São pessoas comuns vivendo uma situação incomum.

O único problema na narrativa de Yovanoff é que ela resolve colocar material de pelo menos dois livros em um só. Começamos com Mackie cada vez mais fraco, obviamente morrendo – ficamos sabendo depois que os substitutos não costumam sobreviver por muito tempo. A primeira parte do livro foca nesse problema do protagonista, na aparição de uma estranha personagem que parece saber que ele está fraco e nas tentativas de Mackie de não chamar a atenção da população (principalmente seus colegas de escola) para o fato de ele ser diferente. Somos levados a pensar que o romance será sobre isso, a luta do jovem para poder continuar vivendo uma vida normal, mas aos poucos o foco muda para a morte da irmã de Tate (que tem certeza que Mackie sabe algo sobre isso). Pode parecer que o excesso de conflitos criaria uma trama agitada, mas a realidade é que acaba tendo um efeito de montanha-russa, com vários momentos de calmaria que parecem desnecessários e podem entediar um pouco o leitor até que a trama recupere o fôlego.

Talvez o que tenha sobrado na história nem seja os dois conflitos, mas a relação do protagonista com a irmã, Emma – que cria, de certa forma, um terceiro eixo dentro da narrativa. Do modo como foi escrita a história ela é importante, mas é o tipo de personagem que em uma provável adaptação para a tv provavelmente seria dissolvida em outras, para que não se perdesse o foco da trama principal (que no final das contas é o que acontece aqui). Talvez o amor de Emma que tornou possível a sobrevivência de Mackie poderia ser o amor de uma mãe. Ou mesmo o frasco de Espinheiro Benéfico poderia ser oferecido por outra pessoa. Mas vale enfatizar: atrapalha um pouco o ritmo de O Substituto, mas não estraga.

Mesmo que com alguns pequenos deslizes, o que realmente se destaca são os acertos de Yovanoff, neste que é seu primeiro romance. A começar pela coragem de inovar, se arriscar, mesmo que ainda em um ambiente relativamente seguro. Ela consegue colocar seu Substituto em um lugar diferente de outros tantos títulos supostamente similares, até porque, ao contrário do que tem acontecido em muito livro para jovens, um amor proibido não é a base de toda a história, o que faz com que possa agradar não só as meninas, mas também os garotos. As descrições de Yovanoff também são bastante vivas, daquelas que praticamente transportam o leitor para Gentry – quase dá para sentir os pingos de chuva, ou o fedor dos seres subterrâneos. É um trabalho complicado, porque há sempre o risco de o autor, na sede de descrever lugares e pessoas, acabe sendo simplesmente chato, por ser prolixo demais. Não é o caso deste romance.

O Substituto vale a pena para todos aqueles que gostam de livros para jovens envolvendo elementos sobrenaturais, mas principalmente para quem já cansou da repetição de recursos que alguns escritores de obras assim acabam utilizando. É realmente um bom começo para Yovanoff como escritora, que aparentemente tomou gosto pela coisa e lá fora já lançou The Space Between, que traz como protagonista a filha mais nova do Diabo (!!).

Em tempo: A capa é linda. Sim, é feio julgar um livro pela capa, mas o pessoal da Bertrand Brasil (especialmente Natalie C. Souza e Jonathan Barkat, responsáveis pela capa) está de parabéns. Fazia muito tempo que eu não via o efeito metalizado sendo tão bem aplicado como neste caso, até porque, vale lembrar, o metal é elemento importantíssimo neste livro. Ficou bacana mesmo.

(Este post foi originalmente publicado no Meia Palavra em 20/07/2012)

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