Como me tornei estúpido (Martin Page)

Há tempos ouço falar de Como me tornei estúpido do francês Martin Page. Pela premissa (jovem decide se tornar estúpido, como o título indica) eu já tinha mais ou menos ideia do que encontraria, mas mesmo assim minha surpresa com esse livro foi enorme, e muito positiva. Enquanto lia a história de Antoine ficava pensando “Por favor, que o Page já tenha escrito mais coisas porque depois desse vou querer ler mais!”. Tudo é cativante. O jeito de contar a história, as sacadas geniais de Page, o protagonista… É daqueles casos em que o único aspecto negativo que você pode encontrar para o livro é o fato de ele ser muito curto (só 158 páginas, em um formato quase do tamanho de livro de bolso).

Em Como me tornei estúpido temos Antoine, um rapaz de seus vinte e tantos anos que se dá conta que é infeliz por causa de seu senso crítico e inteligência. A primeira saída que encontra para o problema é o alcoolismo – esse momento é o que Page usa para já alertar o leitor que seu livro é cheio de humor, e principalmente humor nonsense: Antoine não consegue se tornar alcoólatra porque com meio copo de cerveja já entra em coma. Ele busca então o suicídio, e um curso para tal, mas logo acaba deixando de lado a ideia. É aí que começa o projeto de se tornar estúpido.

Apesar da narrativa breve, Page não tem pressa em desenvolver a personagem. No ponto em que Antoine decide se tornar estúpido ele já é uma pessoa palpável, tem traços daquele seu amigo nerd meio deslocado ou mesmo seus. O resultado disso é que não há só uma identificação imediata, mas também a conquista do leitor, que encantado se deixa levar para aquele universo de tradução para o Aramaico e amigo que brilha e fala apenas em versos, por exemplo. Antoine é doce em toda a sua bizarrice, e interessante em toda sua inteligência e questionamentos, por isso não tem como não ficar curioso em observar o processo desse tornando-se estúpido.

Como já mencionado, o tom principal da narrativa é o humor nonsense, envolvendo situações bastante inusitadas (como o fato de Antoine continuar se consultando com o pediatra) e outras extremamente ácidas como crítica à nossa sociedade de consumo, aquela eterna roda vida em que nos surpreendemos justamente na idade de Antoine: trabalhar para pagar contas, comprar o que os outros pensam que é bom, querer ser a pessoas que os outros querem.

E muito embora a mensagem mais evidente seja justamente a dessa crítica (como quando Page diz “Se a natureza não estropiasse ninguém, se o molde fosse sempre sem falha, a humanidade teria permanecido numa espécie de proto-humanidade, feliz, sem nenhum pensamento de progresso, vivendo muitíssimo bem sem Prozac, sem preservativos nem aparelho de DVD dolby digital“) o que realmente chamou minha atenção foi o quanto na realidade Antoine se sentia deslocado por conta de sua inteligência, e que o projeto para se tornar estúpido visava mais do que ser feliz, mas simplesmente de fazer parte.

Percebo isso em momentos como quando ele fala do bar islandês que frequentava com os amigos, onde “Antoine tinha notado que aqui, ao menos ele tinha uma razão lógica para não compreender o que diziam as pessoas.” Ou quando já iniciado o plano, percebe que “já não era mais singular, ele se reconhecia nos outros como em espelhos vivos; o que lhe poupava muitos esforços“. Toda a transformação da personagem não é de um sujeito inteligente para um idiota, mas apenas de um indivíduo único para uma pessoa comum.

Seguindo essa leitura, a chegada de Cleménce no desfecho da obra marca o momento em que Antoine não tenta se transformar para deixar de ser deslocado, mas encontra alguém como ele. A imagem final, dos dois brincando e assombrar em Paris é linda, e mostra que Como me tornei estúpido não é só um livro de humor, é muito mais do que isso.

É realmente apaixonante. Se ainda não leu, deixo o conselho de que procure um livro para você, porque o desejo de grifar trechos aumenta a cada página virada. Page é mais do que um escritor moderno, ele é daqueles que sabe captar muito bem as angústias de seu tempo e colocá-las no papel de forma crítica, mas sem perder o senso de humor. Genial, vale cada segundo de leitura.

5 comentários em “Como me tornei estúpido (Martin Page)”

  1. Não sou muito de grifar trechos de livros (só no kindle), mas os meus do Page são todinhos sublinhados e anotados (o que não costumo fazer nem no kindle). Olha, pra eu largar meu livro e ir procurar um lápis, a ponto de deixá-lo perto durante o resto da leitura, precisa muito, muito mesmo.
    Fiquei curiosa sobre aquele outro livro dele que tu começou a ler.

    1. É o talvez mais uma história de amor ou algo que o valha, Dani. Acho que esse você já leu. Achei esse super parecido com Nick Hornby, até por isso perguntei se você e o Sky já tinham lido =F

  2. Muito interessante o trabalho de Martin Page, li esse pequeninho livro e também fiquei com vontade de quero mais, infelizmente o livro era emprestado da minha professora de espanhol e não pude grifar.

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