47 Contos de Juan Carlos Onetti

Costumo (tentar) fugir da armadilha de me sustentar na biografia de um autor quando vou opinar sobre um livro. É um terreno perigoso, porque por mais que pareça óbvio que a vida de um escritor se reflete naquilo que ele cria, ainda assim não dá para esquecer os versos de Pessoa sobre o poeta ser um fingidor. De qualquer maneira, como não se surpreender com a coletânea 47 Contos de Juan Carlos Onetti, considerando aspectos de sua vida? A começar para aqueles que acreditam que educação formal está diretamente relacionada com material de qualidade: Onetti abandonou os estudos no segundo grau. E aparentemente isso não fez falta alguma em sua vida.

Ganhador do Prêmio Cervantes e indicado ao Nobel de Literatura, esse uruguaio foi de tudo: de porteiro a vendedor. Em 1930 (então com 21 anos) começou a publicar contos enquanto vivia em Buenos Aires. Os três primeiros contos da coletânea (Avenida de Mayo-Diagonal Norte-Avenida Mayo, O obstáculo, O possível Baldi) são desta fase e mostram já alguns dos elementos que se repetirão em outros textos no livro, como a melancólia noção de que se quer algo mais da própria vida, que se sonha com algo diferente do que se vive. Dessa fase o melhor é O possível Baldini, que reflete muito bem essa questão, quando um sujeito começa a contar para uma moça tudo o que nunca fora.

Há sutilezas no texto de Onetti, o fantástico, o onírico, a graça ou mesmo a tristeza não são tão óbvias e escancaradas. São pequenos recortes de vidas de personagens, muitos passados na cidade Santa María, mas a realidade é que todas poderiam se passar em qualquer lugar, porque Onetti retrata o humano com todas as suas cores. Os contos cujas datas são posteriores ao seu retorno para Montevidéu (em 1939) deixam isso bem claro, como no ótimo O álbum, ou ainda no genial Jacob e o outro.

Falando assim das datas de publicação dos contos, outro aspecto biográfico faz com que os textos brilhem ainda mais. Se considerar que o tempo de publicação varia de 1933 até 1993 (alguns dos inéditos não tem referência de quando foram escritos), um ano antes do falecimento do escritor, é de se admirar como ele consegue ao longo dos anos se reinventar sem deixar de seguir seu próprio estilo. Mais ainda, impressiona como mesmo os mais antigos possam ser lidos como uma obra atualíssima, que poderia ter sido escrita por alguém hoje mesmo, quase 80 anos depois. Viver assim ao tempo é para poucos, e Onetti o faz muito bem.

É interessante observar também que o autor na virada da década de 80 começa a escrever contos mais curtos, e ao mesmo tempo continuam fortes, impactantes, como em O Gato (que mostra muito bem o senso de humor sutil de Onetti), como também no excelente A árvore, provavelmente meu favorito de toda a coletânea. Mais um reflexo biográfico, a tortura da ditadura vivida pelo escritor ganha aqui toda uma delicadeza que somada à brevidade e a força do que diz, de certa forma faz lembrar as tiras do cartunista argentino Liniers.

Trata-se realmente de uma ótima coletânea, que mostra muito da obra do autor e vem como convite para conhecer mais sobre ele, e consequentemente mais da história de seu país de origem – muito embora seus textos pertençam a qualquer lugar. Fica a curiosidade agora para conferir os romances do autor, que aparentemente tem tudo para ser tão encantador quanto nos textos mais curtos.

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