O Longo Adeus (Raymond Chandler)

Feche os olhos e pense em um detetive particular dos filmes e livros noir. Pensou? Provavelmente o que veio na sua mente foi aquele sujeito meio cínico, de atitudes violentas quando necessárias, senso de humor corrosivo e cujo visual assemelha-se muito com Humphrey Bogart usando chapéu e capote, e sempre com um cigarro por perto, como dá para ver nessa imagem aqui:

Isso não acontece à toa. Muito do que se lê/vê de noir teve fortíssima influência de Raymond Chandler (1888-1959), que nos tempos do pós-Guerra e pós-Depressão escreveu várias histórias com uma personagem que viraria modelo de detetive particular, Philip Marlowe. E é lendo obras como O longo adeus (publicada originalmente em 1954) que dá para ter uma ideia de porque a personagem ficou tão famosa e, mais do que isso, porque é tão imitada.

Mais do que a personagem, a estrutura que combina determinados elementos, que se verá com frequência em romances policiais mesmo quando eles já não se enquadrem no gênero noir especificamente. Um exemplo é Coração Satânico, cujo protagonista Harry Angel parece quase uma cópia de Philip Marlowe. Aquela situação em que não se pode confiar em ninguém, ou mesmo a presença da “mulher fatal” são constantes em diversos filmes e livros que envolvam investigação, e talvez muito se deva ao Raymond Chandler pelas histórias que criou.

Em O longo adeus Philip Marlowe ajuda um amigo (Terry Lennox) a chegar até Tijuana, com a condição que esse não conte do que está fugindo. Quando volta para casa Marlowe descobre que Lennox estava sendo procurado por ser o principal suspeito do homício da esposa. Marlowe é preso como cúmplice, e só é solto quando Lennox é encontrado morto com uma carta de confissão.

A partir daí a trama começa a ser desenvolvida como uma complicada teia de aranha. Novos elementos vão aparecendo, personagens que parecem não ter nada a ver com o caso Lennox depois se mostrarão fundamentais. É como se mostrasse a regra básica do romance noir: nada é o que parece ser. Nisso inclua o trabalho de detetive em si, questionando pessoas em bares e outros lugares – é de fato muito gostoso de acompanhar, é como se o leitor recebesse aos poucos as peças do quebra-cabeça que ele mesmo irá montar.

Mas o brilho da narrativa fica mesmo por conta de Philip Marlowe, sem dúvida uma das melhores personagens da ficção norte-americana. Divertido sem ser palhaço, durão sem ser tosco e sentimental sem ser um fracote. São em pequenas passagens que aparentemente nada tem a ver com a trama principal que você descobre mais sobre ele, e gosta ainda mais dele. Como por exemplo:

Fechei o escritório e fui aoVictor’s tomar um gimlet, como Terry havia pedido na carta. Mudei de idéia. Não estava me sentindo um sentimental. Fui ao Lowry’s e pedi um martini, umas costelas de primeira e um pudim.

Ou ainda:

Na manhã seguinte, levantei tarde por conta dos altos honorários que ganhara na noite anterior. Bebi uma xícara extra de café, fumei um cigarro extra, comi uma fatia extra de bacon e pela trezentésima vez jurei que nunca mais usaria o barbeador elétrico. Tudo isso torna o dia normal.

E:

Os franceses tem uma expressão para isso. Os desgraçados dos franceses tem uma frase para tudo e estão sempre com a razão.
Dizer adeus é morrer um pouco.

Embora alguns críticos situem como as melhores obras de Chandler Adeus, minha adorada e O sono eterno (que ganhou a adaptação para o cinema com roteiro de William Faulkner!!!!! E Humphrey Bogart!!! no papel de Marlowe), ainda assim O longo adeus não deve nada para as grandes histórias de detetive já escritas, colocando facilmente Marlowe na galeria de personagens inesquecíveis da literatura e, o mais importante, garantindo o nome de Raymond Chandler entre os grandes autores norte-americanos.

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