Trilhas Sonoras de Amor Perdidas

Há cerca de 11 anos a Sutil Companhia de Teatro apresentava ao público a adaptação do romance Alta Fidelidade de Nick Hornby, chamada A Vida é Cheia de Som e Fúria. Foi paixão e identificação instantânea com aquela personagem cheia de falhas e com uma visão meio ácida do que tinha ao redor, que estabelecia relações entre a música e tudo o que vivia. Passado esse tempo, a Sutil chega agora no Festival de Teatro de Curitiba com o que seria a segunda parte da trilogia Som e Fúria, a peça Trilhas Sonoras de Amor Perdidas.

O importante a se destacar é que é uma segunda parte mas não é uma continuação. Do dono da loja de discos vamos agora para um sujeito que tem uma coluna em um jornal e trabalha em uma rádio, e que em mais uma madrugada sem conseguir dormir relembra o passado através de várias “mixtapes”, aquelas fitas cassetes que costumávamos gravar em tempos pré-internet. O humor de Felipe Hirsch continua presente, mas agora ao invés do resgate de memórias de ex-namoradas, temos um homem tentando se reconstruir após a perda da mulher que amava. Assim, a nostalgia é muito mais melancólica do que se via na primeira peça da trilogia.

O protagonista lembra muito personagens de romance de Hornby, aquela criatura meio obcecada com alguma coisa e completamente desajustada quando o assunto é convívio social, especialmente com o sexo oposto. A importância da música para o fio narrativo é tremenda, e é exatamente o que conecta A Vida é Cheia de Som e Fúria com Trilhas Sonoras de Amor Perdidas. A ideia de como temos a trilha sonora de nossas vidas, de como basta ouvir uma canção para viajar ao passado e, principalmente, como dito na peça “trilhas sonoras são trilhas sonoras, não espelhos”.

E pelo menos a lista de músicas da peça (que dura algo em torno de três horas) é muito bem elaborada, e trabalha perfeitamente no transporte dos espectadores para o passado da personagem. Quem era jovem e já buscava suas próprias bandas favoritas ali no começo da década de 90 tem a passagem para aqueles tempos garantida com Pearl Jam, Pavement e Nirvana, por exemplo. Há ainda outros clássicos como Velvet Underground, The Cure, Rolling Stones, Leonard Cohen, Nico (etc.) que, como coloca em determinado momento o protagonista, no fim são todos filhos de um mesmo movimento.

A duração da peça não chega a ser um incômodo, mas em alguns momentos fica a sensação de que algumas cenas foram desnecessárias. O irônico é que mesmo com a noção de que algo poderia ter ficado de fora, é perceber que um dos pontos altos da peça é quando Hirsch usa o recurso de repetir uma cena como um flashback dentro do flashback, intensificando a sensação de dor da personagem. E se perguntassem então o que poderia ficar de fora não seria uma resposta rápida, fácil. Nos apegamos às lembranças mostradas na peça, como se de alguma forma fossem nossas também, e a partir disso não queremos perder nada.

E quanto às emoções, é importante destacar o trabalho de Guilherme Weber como o protagonista. Ele arrancou riso e lágrimas da platéia com uma atuação linda, visceral. Conseguia dizer muito para o público só com gestos e expressões, e conquistou as pessoas para quem contava a história, processo fundamental para chegar ao efeito final do desfecho. Natalia Lage, que interpreta a mulher de quem o protagonista fala (Soninho), também está bem, o problema é que é eclipsada pelo trabalho de Weber, e também pelo roteiro que só lhe empresta mais voz já na segunda parte da peça.

O cenário foge um pouco do que foi visto em A Vida é Cheia de Som e Fúria porque não tem as famosas projeções. Não espere também nada muito fantástico como a chuva de Avenida Dropsie, por exemplo. É tudo simples, durante as três horas vemos a sala do apartamento da personagem principal, sendo que a pouca mudança que ocorre é quando um sofá ou algumas caixas são arrastados de um lado para outro. Mas acreditem, a simplicidade serve muito bem à peça, que mais do que se basta nas atuações, no roteiro e é claro, na trilha sonora.

Para o público de Curitiba tem também o delicioso gostinho de reconhecer algo do que foram os anos 90 nessa cidade, como a referência à Estação Primeira ou ruas daqui. Mas não, a cidade não é importante para se situar na peça, porque o que fala mais alto é a música, e essa é universal. Muito provavelmente mesmo quem não tem a idade das personagens ainda assim se identificará, senão com as canções mas com a relação das pessoas com elas.

Não espere sair do teatro com a sensação de quem viu uma comédia romântica. Trilhas Sonoras de Amor Perdidas não é isso, apesar de ter humor (e um ótimo humor, é de se destacar). Mas você provavelmente precisará de algum tempo para voltar para o presente, e mais ainda, algum tempo pensando em como tem se relacionado com aqueles que ama. Também lembrando de momentos importantes da peça, querendo guardar para sempre algumas frases inesquecíveis. Uma experiência daquelas que vale a pena viver, inesquecíveis.

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