O livro dos livros perdidos (Stuart Kelly)

Se tem algo que bibliófilo adora é ler livros sobre livros. É por isso que O livro dos livros perdidos de Stuart Kelly já acaba ganhando a curiosidade pelo título mesmo, sem nem ter que recorrer à sinopse e afins. Até porque ele é sobre isso mesmo, obras de grandes escritores que jamais leremos porque se perderam ou porque nunca foram escritas. Ou ainda, autores que não conheceremos porque não sobrou registro algum deles a não ser de elogios de terceiros para suas obras.

O livro é montado em ordem cronológica, começando com os clássicos gregos e chegando até os dias atuais. Cada capítulo é dedicado para um autor, e em tom anedótico Stuart Kelly mescla um pouco da biografia com o que supostamente aconteceu para que não pudéssemos ter uma determinada obra em mãos: fogo, regime político, maluquice de escritor. Tudo é um motivo para que toda uma história seja simplesmente apagada.

Assim, o sentimento ao ler O livro dos livros perdidos é uma mescla de agonia ao saber de tanta coisa teoricamente fantástica que jamais teremos acesso, com o prazer de saber um pouco mais de escritores como Shakespeare, Austen, Kafka, Plath, etc. Mais do que isso: em alguns casos serve inclusive para apresentar novos escritores, já que Stuart Kelly não se prende apenas aos grandes mais conhecidos, mas também ao “time reserva”, com nomes que fazem parte do cânone literário mas não são assim tão lidos pelo grande público nos dias atuais.

Em alguns momentos dava vontade de pegar uma máquina do tempo e voltar ao passado. Como quando lemos sobre As obras completas de Ésquilo, que segundo Kelly se perdeu com a destruição da biblioteca de Alexandria porque… porque ao vender para Ptolomeu III o único exemplar do livro, os atenienses exigiram como parte do negócio que JAMAIS fosse feita uma outra cópia dele, para que ele continuasse sendo o único As obras completas de Ésquilo. E foi. Até que foi perdido.

Ou ainda um caderno cheio de anotações de Arthur Rimbaud, simplesmente perdido por um amigo. O mistério envolvendo Cardenio de William Shakespeare, o Livro da Música de Confúncio… são páginas e mais páginas relatando histórias que no final das contas nos levam à mesma conclusão do autor, que no final de O livro dos livros perdidos diz:

A perda não é uma anomalia, um desvio ou uma exceção. É uma norma. É uma regra. É inescapável. Por que então nos esforçamos? É a tentativa de preservação que nos faz humanos, que prova nossa própria humanidade. (…) Assim como toda vida humana reverbera, causa mudança, e afeta nosso modo de pensar e sentir mesmo após a morte de um indivíduo, o mesmo acontece com nossa cultura, aquele acúmulo de incontáveis vidas perdidas. Nós lutamos sem sucesso contra o esquecimento, e a luta por si só é nosso sucesso

Excelente livro, muito curioso e com o humor sutil de Kelly é também bastante divertido. E o que é melhor: ao se propor a falar de livros perdidos, resgata também as pessoas por trás desses títulos, deixando claro que literatura é muito mais do que palavras escritas em um papel.

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