Fim de Partida (Samuel Beckett)

fimdepartidaO cenário é pós-apocalíptico, marcado por um cinza e ausência de sons externos, como se ali fosse o último lugar que existia no meio de um nada. Neste abrigo vivem quatro pessoas, cada uma com uma deformidade que impede com que vivam plenamente (como se o fato de já estarem vivendo no meio do nada já não os impedisse). Quase não há alimentos, os medicamentos estão acabando, assim como uma boa parte da noção de tempo. É neste espaço que de desenvolverá toda a história de Fim de Partida, do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, sujeito que tinha um estranho talento para botar o dedo fundo na ferida ao mesmo tempo que nos fazia rir com uma certa dose de humor negro (vide o caso da peça Esperando por Godot). Como diz uma das personagens da peça, “nada é mais engraçado do que a infelicidade“.

O centro da peça me pareceu ser a dinâmica entre Hamm e Clov. Não sou especialista em Beckett, não sei quais eram suas convicções políticas ou o que for, mas a relação do patrão com o trabalhador. Não quero arranhar teorias marxistas envolvendo burguesia e proletariado, o fato é que é difícil não perceber uma certa crítica ali. Hamm é um artista que na atual situação não consegue mais criar, já que está cego. Além de cego, ele também não pode mais andar – e é aí que entra Clov, que trabalha para ele como uma espécie de “enfermeiro”. Clov é seus olhos e seus braços, e ironicamente, sofre de uma condição que não o deixa sentar, nunca. E apesar dos abusos que sofre, das péssimas condições em que vive ali com Hamm, ainda assim Clov não vai embora. Repete centenas de vezes o aviso de que está partindo, mas nunca vai. É quase um eco de Vladimir e Estragon, que nunca vão embora porque precisam esperar Godot.

Continue lendo “Fim de Partida (Samuel Beckett)”

Trilhas Sonoras de Amor Perdidas

Há cerca de 11 anos a Sutil Companhia de Teatro apresentava ao público a adaptação do romance Alta Fidelidade de Nick Hornby, chamada A Vida é Cheia de Som e Fúria. Foi paixão e identificação instantânea com aquela personagem cheia de falhas e com uma visão meio ácida do que tinha ao redor, que estabelecia relações entre a música e tudo o que vivia. Passado esse tempo, a Sutil chega agora no Festival de Teatro de Curitiba com o que seria a segunda parte da trilogia Som e Fúria, a peça Trilhas Sonoras de Amor Perdidas.

O importante a se destacar é que é uma segunda parte mas não é uma continuação. Do dono da loja de discos vamos agora para um sujeito que tem uma coluna em um jornal e trabalha em uma rádio, e que em mais uma madrugada sem conseguir dormir relembra o passado através de várias “mixtapes”, aquelas fitas cassetes que costumávamos gravar em tempos pré-internet. O humor de Felipe Hirsch continua presente, mas agora ao invés do resgate de memórias de ex-namoradas, temos um homem tentando se reconstruir após a perda da mulher que amava. Assim, a nostalgia é muito mais melancólica do que se via na primeira peça da trilogia.

Continue lendo “Trilhas Sonoras de Amor Perdidas”

Roy Orbison

Roy Orbison é mesmo um sujeito muito injustiçado. Fez músicas muito batutinhas e boas de ouvir em um domingo a tarde e mesmo assim só é lembrado (isso se fazem referência ao compositor, e não à musica) como o cara que criou Oh Pretty Woman, que toca naquele filme com a Julia Roberts.

Sabe, a injustiça maior é que ele deveria ser quase um ícone nérdico. As músicas dele já foram citadas e tocadas em tantos lugares legais que não dá para entender como ele pode ser só o-cara-de-oh-pretty-woman. Duvida? Pois olha só 3 situações nas quais ele foi citado e você pode ter deixado passar batido:

Continue lendo “Roy Orbison”

Morgue Story (finalmente)

Sol apareceu de surpresa na quarta e trouxe de presente para mim uma cópia do dvd que ela tem da peça “Morgue Story” – que por conta de uma série de procrastinações e barecos divertosos eu não fui assistir “ao vivo”.

Enfim, sobre a peça: muito bacana – mesmo. Gostei da união entre hq e teatro, a arte do DW pipocando ali e acolá a todo instante complementou bem a história, carregada de um humor negro divertido e nem um pouco forçado.

Continue lendo “Morgue Story (finalmente)”

Avenida Dropsie, a peça

Fui ontem assistir Avenida Dropsie, montagem da Sutil Companhia de teatro, que quero assistir faz uma pá de tempo. Na verdade desde maio do ano passado, como vocês podem ver nesse post ainda não editado importado do Hellfire blogspot.

Enfim, aparentemente eu não era a única – teatro lotadíssimo. Espero que seja qualquer coisa sobre “vontade de ver a peça”, e não o fato de ter ator global no elenco. Sabe como é, curitibano consegue ser sem noção. Sem noção ao ponto de levar criança para assistir uma peça dessas, por exemplo. Mas não vamos nos ater a falta de noção do público, hoje não.

Continue lendo “Avenida Dropsie, a peça”

Sonho de Uma Noite de Verão

Fomos ao teatro ontem, assistir a prova pública dos alunos de Interpretação do curso de Artes Cênicas da FAP. Na verdade a idéia de assistir surgiu na aula de Shakespeare (o que é meio óbvio, não?), quando foi sugerido que ao invés de fazer prova, assistíssemos a peça. Aí como para evitar avaliação um acadêmico vende até a mãe, fomos.

Nesse ‘fomos’ está incluído também o Fábio – meio obrigado por conta de más experiências no teatro. Alguém na turma de Shakespeare tinha comentado qualquer coisa sobre o figurino ser metade renascentista e metade contemporâneo e aí já ficamos com uma pulga atrás da orelha (que fez o Fábio decretar “Se colocarem um Puck repentista eu levanto e vou embora”). Mas, tcharam! Tivemos uma ótima surpresa.

Continue lendo “Sonho de Uma Noite de Verão”

Senhoras e senhores: George Bernard Shaw

Não é que eu não conhecesse a figura, ouvi falar muito dele. Inclusive em uma optativa que fiz sobre Sátira alguém levou uma página cheia de detalhes biográficos e citações do sujeito. Poréééém, nunca tinha lido nadica de nada dele. E eu tenho noção de que não poderei ler todos os livros do mundo, mas fico feliz por deixar a lista um tanto menor, então aproveitei o intervalo entre “O Continente” e “O Retrato” para a aula de Ficção e História, para ler Pigmaleão, um dos trabalhos mais famosos do Shaw.

O que dizer? Aparentemente, ele tinha a língua muito mais ferina quando tratava-se de Shaw falando do que do Shaw escrevendo. Pigmaleão tem muitas sacadas brilhantes, mas não é o tipo de peça que vaza ácido para todos os lados como podemos falar das peças do Oscar Wilde, por exemplo. Mas isso não quer dizer que ele não apresenta uma bem elaborada crítica social, que fica bem clara no caso de Pigmaleão.

Continue lendo “Senhoras e senhores: George Bernard Shaw”

Faltam 2 semanas para o Festival de Teatro de Curitiba

Eu gosto de teatro, gosto mesmo. Descobri um pouco tarde demais que não gostava só de ler mas também de assistir. Por “pouco tarde demais” leia-se “um hiato de anos entre ‘A Fada que tinha Idéias‘ e uma peça sobre o Wilde”. E é por isso que eu fico toda animada quando chega o Festival de Teatro. Nem tanto pela Mostra de Teatro Contemporâneo (cujos ingressos custam o olho da cara e esgotam em um piscar de olhos), mas principalmente pelo Fringe.

O legal do Fringe é que é bem variado, e foge um pouco daquele esquema “peça que chama a atenção do povo porque tem ator da Globo” (o que eu acho meio patético sobre o público curitibano, devo dizer: só vai em peça se tiver ‘o cara daquela novela lá’). Mas ao mesmo tempo que o Fringe traz várias peças, tem um porém…

Continue lendo “Faltam 2 semanas para o Festival de Teatro de Curitiba”

Avenida Dropsie

Se você vem de uma cidade grande, a rua na qual você nasceu, cresceu e amadureceu foi sua “terra natal”, e ela sempre foi conhecida como sua “vizinhança”. A residência definiu você tão certo quanto sua origem nacional e lhe deu uma afiliação vitalícia numa fraternidade que se manteve unida pelas memórias.

Esse primeiro parágrafo da Introdução que Will Eisner escreveu para sua HQ “Avenida Dropsie” quase que já entrega tudo o que se verá nas outras páginas da revista. O charme da história não fica por conta do mote “a história de uma vizinhança”, mas de como ela se desenvolve.

Continue lendo “Avenida Dropsie”

Caça às Bruxas

Não sei se vocês já tiveram a oportunidade de assistir (ou ler) a peça do Arthur Miller, The Crucible (conhecida aqui como As Bruxas de Salem). A peça é baseada nos eventos que de fato ocorreram em Salem em 1692 (a famosa “caça às bruxas” que todos conhecem bem), mas ele usa esses acontecimentos como alegoria para algo que acontecia em seu tempo: o Macartismo.

Não deixa de ser genial, dentro de sua proposta: uma crítica à atmosfera de medo criada, de como esse terror beneficia alguns e paralisa outros. E, principalmente, de como o terror tolhia os americanos do que eles consideram sua característica mais importante, a liberdade. Nas próprias palavras do Miller:

Continue lendo “Caça às Bruxas”