We Were Liars (E. Lockhart)

we were liars

(Dicona: post para quem já leu o livro ou não liga muito sobre essa coisa de “experiência de leitura”, porque ao falar sobre “experiência de leitura” e sobre o livro em si, eu provavelmente estragarei as coisas para você, veja só que contraditório.)

Assim que a discussão sobre spoilers retornou com força por causa do tal do purple wedding do Game of Thrones (que eu não assisto, não leio e não dou a mínima, vale ressaltar) eu imediatamente lembrei de O Sexto Sentido. Lembrei de ter ido ao cinema com minha mãe e irmã sabendo pouco mais do que “É um filme com fantasmas”, o tipo de coisa que é quase impossível em tempos de redes sociais, blogs, fóruns de discussões e afins. X-Men estreia oficialmente esta semana e eu já sei que terá uma cena foda envolvendo o Mercúrio. O segundo dos Vingadores nem chegou mas já vi fotos da Feiticeira Escarlate. É toda uma cultura de divulgação que se sustenta em adiantar para o público o que ele deverá ver e como deverá se sentir.

Pois bem, O Sexto Sentido. Só fantasmas. Vou dizer que minha principal surpresa não foi nem o plot twist, foi pensar que aquele cara maluco de cueca no começo do filme era o Donnie dos New Kids, hehe. Mas ok, aí você tem o plot twist, e então você volta para o cinema para tentar ver o que deixou passar para não ter previsto a virada, e nossa, que filme legal e engenhoso, como tudo se encaixa direitinho, vou indicar para um amigo, e ele indicará para outro amigo e pans, sucesso. A impressão que tenho é que se eu tivesse assistido a uma propaganda dizendo “VOCÊ TERÁ UMA SURPRESA NO FIM QUE FARÁ COM QUE VOCÊ QUEIRA ASSISTIR AO FILME NOVAMENTE”, eu provavelmente assistiria ao filme já procurando pistas para a tal da surpresa, o que estragaria a experiência. Mais talvez até do que saber qual é o grande-evento-que-não-deve-ser-mencionado.

E se estou comentando isso, é porque quero que fique bem claro o porque de eu ter achado a campanha gringa de divulgação de We were liars de E. Lockhart desastrosa. Se fosse possível fazer letras impressas piscarem, aposto que a capa teria um EI, ESSE LIVRO TEM UM PLOT TWIST! ou algo assim. Para ter uma ideia do que quero dizer, a descrição do livro (versão para kindle) na Amazon começa assim:

1.Read this book.2. On reaching the final page, you may experience an urgent need to read it all over again.3. Check your friends have read it. 4. NOW YOU ARE FREE TO TALK TO THEM ABOUT IT ENDLESSLY

E na descrição da edição em capa dura tem um:

Read it.
And if anyone asks you how it ends, just LIE.

Entende o que eu queria dizer sobre o não saber que tinha que esperar uma surpresa em O Sexto Sentido? Peguei We were liars já sabendo que me “surpreenderia” com algo no fim, então já fui procurando pistas – e acabou que com menos de 30% do livro eu já sabia o que estava por vir (o que se confirmou ali nos 90% da leitura). E não, eu não sou sherlockona, aliás, sou a mais lerda para esse tipo de coisa, mas a partir do momento que o alerta foi dado, você meio que já sabe onde procurar. Ok, sobra ainda toda a diversão de ver como a autora chegará naquilo (ou mesmo de comprovar se sua suspeita realmente está certa), mas o negócio é que eu não posso me surpreender se já me avisaram que eu devo me surpreender, entende?

O chato é que depois de terminar o livro, fiquei pensando que se tivessem só me contado o básico do enredo (Cady passa o verão com sua família em uma ilha, mas sofre um acidente e não consegue mais lembrar do que aconteceu naquele ano) eu teria de fato me surpreendido e achado muito mais legal. Porque a Lockhart realmente trabalha a história toda para chegar naquela conclusão, não aquele twist maluco que não tem qualquer coesão com o resto da história, coisa gratuita só para “surpreender” e que depois de uma releitura você encontra um monte de furos. Não. Ela vai largando pistas e mais pistas, algumas mais, outras menos sutis – enquanto Cady vai recuperando a memória dos eventos daquele verão, uma informação ou outra vai construindo o que veremos no fim. É bem armado, é bacana. Mas de novo, cagada da divulgação em ter me alertado que eu teria uma surpresa.

Claro, não vou dizer que foi uma leitura daquelas que eu saio completamente encantada e querendo ler mais da autora (eu tenho a leve impressão de que deveria ter começado com O Histórico Infame de Frankie Landau-Banks). Fiquei profundamente irritada com aquele estilo período-curto-onde-caberiam-vírgulas, parecido com o do Markus Zusak, mas como não conheço outra coisa da Lockhart, não faço ideia se ela escreve sempre assim ou se foi a “voz” que ela encontrou para Cady.

Aí tem o problema das personagens também. Sabe, repetir mil vezes “Gat, meu Gat” não torna o guri apaixonante, muito menos interessante – o que é um problema, porque parte do enredo se sustenta justamente no interesse romântico da narradora. A própria Cady é mais um daqueles casos de protagonista-narradora pentelha que parecem tão comuns em YAs. Aí você já sabe o que acontece, né:

Por outro lado, que cuidado com a ambientação, fiquei realmente admirada. Mais um pouco eu já estava sentido o cheiro do mar e começando a esfregar os pés para me livrar da areia, porque sério, Lockhart é perfeita na descrição da ilha habitada pela família Sinclair. Eu sei que para muitas pessoas isso pode parecer só um detalhe, mas as casas e a ilha em si são bem importantes para o enredo, então não acho que seja só um capricho.

Gostei também de como os contos de fadas narrados por Cady acabam de certa forma antecipando alguns conflitos que não enxergamos inicialmente. É como se dependêssemos da total recuperação da memória da personagem para ter  uma ideia precisa de como as personagens se relacionavam, de como de fato funcionava a família Sinclair.

Enfim, é bacana? É. Perfeito? Não. Mas dá para o gasto. Talvez eu tivesse gostado muito mais se não soubesse de antemão que tinha algo para procurar ali. Nisso fico com a impressão de que as editoras têm que fazer é começar a confiar mais no livro que vão vender (“esse livro não depende do plot twist para fazer sucesso”), e mais ainda, confiar em seus leitores. Tenho certeza que quem já leu outra coisa da Lockhart procurará o livro, e se gostar muito da história vai indicar para um amigo, que indicará para outro amigo… (etc.). Você sabe como funciona.

Em tempo: o livro sai pela Seguinte aqui no Brasil, em outubro desse ano. Com sorte eles procuram um outro jeito de divulgar que não seja anunciar que o livro tem uma surpresa no fim.

2 comentários em “We Were Liars (E. Lockhart)”

  1. Que texto bacana! Senti algo semelhante ao ler The Husband’s Secret… fiquei decepcionadíssima em ter “descoberto” a droga do segredo logo de início (e olha que a autora libera a informação ali pelos 40% do livro). Mas né, ali ela faz toda uma lógica sobre a influência dos segredos sobre a vida das pessoas e tudo faz sentido. Ainda assim, a divulgação brasileira era toda baseada no lance de não se saber muito sobre a história.
    Enfim, não me empolguei muito pra ir atrás do livro, mas achei a reflexão incrível!

    1. valeu, dani =D

      the husband’s secret foi a mesma coisa por aqui, né? aliás, dava a impressão de que o livro todo seria só sobre isso – não fazia ideia das histórias das outras duas personagens. mas a intrínseca já está acumulando campanhas desse tipo, né. aquele pequena abelha venderam dizendo “não contem nada sobre esse livro, quanto menos souberem melhor” e putz, não tem nada demais na história.

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