Quem é você, Alasca? (John Green)

970283_503112176424637_1315046538_nEntão, mais um do John Green. Eu realmente queria dar um tempo, mas sempre ouvia tantos elogios sobre Quem é você, Alasca? (lançado aqui no Brasil pela WMF Martins Fontes), que acabei lendo de uma vez. Considerando que o Green ainda não tem tanta coisa publicada, e que vários elementos de suas obras tendem a se repetir, é importante dizer que Quem é você, Alasca? foi o primeiro livro publicado do autor, em 2005. Digo isso porque há bastante semelhanças superficiais especialmente entre Quem é você, Alasca e Cidades de Papelmas o leitor nem precisará ser um grande observador para reparar que os temas explorados são um tanto diferentes, bem como o modo como isso é feito.

Calma. Ainda temos um narrador em primeira pessoa, masculino, nerd com alguma peculiaridade aleatória, que tem uma amizade forte com outro garoto e sim, a garota por quem o protagonista é perdidamente apaixonado. Mas há algo tanto na estrutura quanto na forma como o autor aborda certas questões (ei, já chego lá) que faz com que Quem é você, Alasca? seja único e, devo dizer, superior às publicações seguintes. A história começa aparentemente simples: Miles é um garoto meio solitário e meio sem propósito algum na vida que vê em uma ida a um colégio interno a possibilidade de dar uma virada, ou, como ele diz ao citar Rabelais, “sair em busca do grande talvez”. Chegando em Culver Creek, começa uma amizade com Chip (apelidado de “o Coronel”) e cai de amores por Alasca Young, uma garota visivelmente mais experiente, meio doidinha e, nas palavras dele, linda.

O livro é dividido em capítulos que fazem uma espécie de contagem regressiva para um dia de um grande evento, que o leitor obviamente ignora (ou deveria ignorar, parte da graça do livro está na surpresa). Conforme a história se desenrola, você vai conhecendo melhor outras personagens, as novas experiências de Miles (a parte do primeiro boquete é impagável) e as regras do local. É engraçado, mas ao repetir constantemente pequenos detalhes da rotina dos garotos (cigarro no banheiro, esconderijo para beber, bufritos no refeitório, etc.) Green vai tornando suas personagens cada vez mais reais, ou, pelo menos, próximas do leitor. E então você segue lendo, aula aqui, trote ali, Alasca gostosa acolá e meio que já começa a imaginar o que pode ser o tal do evento.

Só que aí você erra.

Eu não sei se tivesse começado por Quem é você, Alasca? eu teria errado meu palpite, mas… opa, spoiler.

SPOILER: clique aqui para ler
Bem, a realidade é que comecei a achar que a Alasca sumiria tal como a Margo de Cidades de Papel. Reparei que a contagem regressiva não batia com o final do livro (estava nums 40% da leitura e já faltavam poucos dias), então somando isso ao título em inglês “Looking for Alaska”, achei que a segunda metade do livro seria Miles e Chip procurando a garota. Só que bem, o que acontece é que a guria morre. Pior: ao que tudo indica, ela se suicidou. Foi uma surpresa tão grande para mim que acabei lendo a segunda metade de uma vez só. Queria saber o que Green faria com aquilo, para onde suas personagens iriam depois disso.

E então Miles divide o tempo em o que aconteceu após o acidente, descrevendo a dificuldade em lidar com o evento, o sentimento de culpa, a busca para compreender o que aconteceu naquela noite. Sobre a divisão dos capítulos, John Green comentou algo em seu site que achei relevante compartilhar aqui:

I came up with that structure right after 9/11, when I started working in earnest on the first big draft of the story. I was thinking a lot about how we construct time, because back then everyone was saying that “we will now remember American history as before and after 9/11,” and that “we now live in a post-9/11 world.” (You still hear that one a lot.)
This got me to thinking about how time is almost always measured in relationship to important historical events. Christians date things in relationship to the birth of Jesus. The Muslim calendar calculates time in relation to the hijrah, the Islamic community’s journey from Mecca to Medina. I wanted to reflect this in the structure of the novel: The event that we’re counting down to and away from is the defining moment of these people’s lives (at least so far) and it reshapes their relationship to the world so completely that it also reshapes their understanding of time.
As with many things in the book, Ilene Cooper was instrumental in all of this: I had a draft in which I moved back and forth in time with chapters titled how many days before or after, and Ilene told me to put it in chronological order for the sake of the reader’s sanity, and then I started thinking about structure differently. Julie Strauss-Gabel further refined the structure so that it would be mirrored (chronologically, Alaska’s death occurs at the exact midpoint of the novel) and still accurately reflect the calendar year of 2005, when the book is set

Para Miles aquele evento foi tão drástico, tão importante, que passou a ser parte da sua história, um momento definidor. É como se ele falasse que não foi o cigarro, a bebida, o morar longe dos pais que marcou seu amadurecimento, mas enfrentar a realidade do que aconteceu naquela noite.

Aliás, vale aqui chamar a atenção para a questão “o cigarro, a bebida” e afins. Eu acho que já devo ter comentado sobre isso em algum lugar por aqui, mas vamos lá, de novo. Este ano resolvi ver Gossip Girl (é.) e lembro que no primeiro ou segundo episódio tinha uma cena onde Serena encontrava Blair em um bar. Elas bebiam e conversavam. E eu fiquei ÓÓÓÓ, COMO ASSIM, ELAS NEM TEM DEZOITO ANOOOOOOS! e meudeus, automaticamente me senti uma tapada por pensar isso. Olha, não estou dizendo que todo adolescente fuma ou que todo adolescente enche a cara, mas é muito inocente de nossa parte achar que nenhum faz isso. E se eu digo isso é porque volta e meia você pega livro young adult onde os adolescentes se comportam como se circulassem em um mundo sem esses elementos. Sexo pode. Drogas, não. Como se o autor fosse influenciar a gurizada só porque sua personagem bebe vinho ou leite misturado com vodka.

Sei que é uma questão meio espinhosa (porque sim, há quem se influencie), mas de certa forma isso me faz lembrar do receio de alguns pais sobre o que algumas pessoas estão chamando de sick-lit, livros com temas envolvendo depressão, morte e, claro, doenças. É como se o autor de young adult tivesse que recorrer à fantasia já que um retrato da realidade traria temas polêmicos. Enfim, pirações minhas, mas queria colocá-las aqui até porque vi esses pequenos detalhes da vida de Miles e seus amigos como um ponto positivo da obra, até porque Green não fica cheio de dedos e desculpas – sabe, quando o narrador deixa implícito uma mensagem moralizante nessas passagens? Não. É só algo que faz parte da rotina dos guris, como faz de outros tantos da idade deles.

Não dá para falar com jovens unicamente através de metáforas e alegorias, isso é, de certa forma, subestimá-los. E não digo aqui pelas drogas (lícitas ou ilícitas) que uma história pode apresentar, é mais sobre o papel de Alasca na vida de Miles mesmo. O desfecho, com o ensaio entregue para o professor, é bonito justamente por ser tão honesto, tão direto. Aliás, por falar em “bonito”, é provável que este seja o livro do John Green com mais citações espalhadas pela internet, acho aliás que antes mesmo de ouvir falar no nome John Green já tinha tropeçado em algum canto naquela citação bem conhecida sobre Miles se comparando com Alasca (“Se as pessoas fossem chuva, eu era garoa e ela, um furacão“):

Que lendo no livro, dentro do contexto, devo dizer que até gostei bastante, mas meu trecho favorito ainda é outro (e é um spoiler, há!):

SPOILER: clique aqui para ler
Além do mais, como a morte podia ser “instantânea”? Quanto tempo é um instante? Um segundo? Dez? A dor que ela sentiu nesses poucos segundos deve ter sido horrível. Seu coração foi esmagado, o pulmão parou de funcionar, e não havia nem ar nem sangue em sua cabeça, apenas desespero. Mas que diabos significa instantâneo? Nada é instantâneo. Arroz instantâneo leva cinco minutos, pudim instantâneo uma hora. Duvido que um instante de dor intensa pareça instantâneo.

E antes que você ache que o livro todo é muito melancólico, não, não é por aí. Há partes engraçadíssimas (ri muito com o cisne no lago) e a amizade entre Miles e Chip rende ótimos momentos, com aquelas tirações de sarro que só amigos com boa sintonia conseguem fazer. Tem um pouco de tudo em Quem é você, Alasca?, e talvez até por isso seja tão encantador. E assim, no momento, meu ranking John Green fica desta forma:

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(Com A Culpa e Alasca coladinhos, devo dizer)

Em tempo: no final de outubro John Green publicou um video muito bacana chamado Perspective, no qual falava de sua vida há 12 anos. O livro que ele conta que estava tentando escrever era Quem é você, Alasca?. Se ainda não assistiu, veja, porque este é um dos videos mais bacanas dele, e de certa forma dá para traçar um paralelo com o tal do labirinto que aparece tantas vezes na história de Miles e Alasca.

9 comentários em “Quem é você, Alasca? (John Green)”

  1. Looking for Alaska foi até o momento minha única experiência com John Green, gostei do livro tanto que varei uma madrugada em branco para chegar ao final.
    Já o meu exemplar de a Culpa e das estrelas está morgando a um bom tempo a espera de leitura sem uma previsão surgindo no horizonte.

    1. hahaha, eu também fiquei lendo até tarde da noite. não que eu ache que o desenvolvimento do mistério tenha mexido com minha curiosidade (como todo livro do john green, é até bem previsível), mas eu realmente fiquei curiosa em como ele desenvolveria as ações e pensamentos das personagens depois do evento. enfim, foi bacana.

  2. Lidyanne Aquino – São Paulo/SP – Gosto de matar o tempo com livros, filmes, músicas e fotografias. Quando convém, tento mastigá-los no bloco de notas. And I'm okay with being unimpressive, I sleep better.
    Lidyanne Aquino disse:

    Só comprei “Looking for Alaska” porque fui persuadida pelas inúmeras citações encontradas no tumblr. Queria saber qual era a desse cara e acabei gostando muito do livro. Me encantei tanto que quando saiu “A Culpa é das Estrelas” fiquei meio receosa depois de ler aquela invasão de resenhas babando na obra. Não peguei mais nada do Green depois por medo de me decepcionar, mas pelo que li por aí sempre apontam o protagonista como um nerd, mas um nerd meio atípico (um cara SUPER inteligente, por exemplo), e não senti isso com muita intensidade no Miles. Tá, ele é nerd, mas bem mais reservado e “real”. O que mais me chamou atenção em Alaska foi a naturalidade da história e o fato de John Green não subestimar a inteligência de seu público. É um trabalho com certa maturidade, mas adequado para adolescentes na mesma fase de transição de Miles.

    1. acho que a única coisa que me incomodou sobre o miles (sério, não vá rir), é a hora que a menina fala “é estranho” e ele fica todo sem jeito e então ela diz “é grande”. gente, que desnecessário. é para lembrar as pessoas que nerd também tem pinto grande? ¬¬ mas das características dele como personagem, ele realmente tem aquele jeitão de guri real, inclusive pela mistura bem equilibrada entre a inocência e inteligência. mas acho que de todas as personagens a que mais gostei foi o coronel ^^

      1. Essa parte do pênis dele, das duas uma: 1) ou a moça tá querendo elogiá-lo; ou 2) John Green resolveu fazer sua mini-versão de “A Vingança dos Nerds” – a cena em que a moça elogia o desempenho sexual do nerd. Pra que isso? Talvez projeção do autor, rsrsrs.

      2. Lidyanne Aquino – São Paulo/SP – Gosto de matar o tempo com livros, filmes, músicas e fotografias. Quando convém, tento mastigá-los no bloco de notas. And I'm okay with being unimpressive, I sleep better.
        Lidyanne Aquino disse:

        Hahaha eu também achei isso tão bobo! Lembro de ter parado a leitura pensando “WTF?”. E sim, isso foi bem dosado e dá mais vivacidade pra transição dele durante essa nova fase. Coronel virou queridinho de imediato também 🙂

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