2666: A parte de Fate

Dando continuidade à leitura de 2666 de Roberto Bolaño, acabo de terminar A parte de Fate. Para quem chegou aqui agora, vale lembrar que estou escrevendo sobre a obra aos poucos, seguindo a ideia inicial de Bolaño de que cada parte seria um livro. Sobre A parte dos críticos você pode ler o artigo clicando aqui, e sobre A parte de Amalfitano você pode ler clicando aqui. Vamos seguir então aos comentários sobre a terceira parte de 2666.

Eu estava com algumas leituras acumuladas, e acabou que passou mais de um mês entre a conclusão da parte anterior e a dessa. O que no final das contas foi algo positivo, acabou possibilitando um envolvimento com a nova personagem (o jornalista norte-americano Fate) que provavelmente não seria possível se eu tivesse engatado a leitura buscando os críticos ou Amalfitano. Porque é assim que começamos, com uma personagem completamente nova, em um lugar completamente novo e só pensando o que é que isso tudo tem a ver com o que tinha sido lido até então.

O ritmo da narrativa é mais parecido com a parte de Amalfitano, embora pareça mais “episódica”. Um parágrafo é um momento, corta, vai para outro e assim segue. Acaba nos prendendo não só para saciar a curiosidade sobre qual seria a relação dele com o que já foi visto, mas porque a personagem em si se revela interessante: Fate é um repórter que escreve para uma revista voltada para a comunidade negra. Ele parece tão deslocado de tudo o que está vendo e relatando que em alguns momentos você precisa acabar lembrando em várias situações que ele também é negro. Tal como vimos com Amalfitano, aquela sensação de estar em um lugar sem fazer parte dele.

Fate acaba sendo chamado para substituir o jornalista esportivo e cobrir uma luta em uma cidade do México. É quando finalmente  a história de Fate se cruza com as que o leitor já sabia. O repórter segue para Santa Teresa, onde fica sabendo dos assassinatos. Aqui lembrei do que tinha dito n’A parte de Amalfitano sobre a frustração de expectativas com a qual Bolaño lida tão bem. Você pensa que vai começar uma história de investigação, que Fate de repente assumirá o papel de detetive e buscará pistas sobre os assassinatos… mas o chefe dele não o autoriza a fazer a reportagem sobre o assunto, e mesmo quando uma outra repórter oferece para ele a oportunidade de entrevistar na prisão o principal suspeito dos crimes, Fate deixa o evento de lado.

A narrativa se desvia para a relação entre Fate e Rosa Amalfitano, que acaba mostrando um outro lado de Santa Teresa. A aridez permanece, mas agora o machismo da cidade parece falar mais alto. Combinando outros elementos já apresentados anteriormente, o fato é que o leitor começa a suspeitar de todas as personagens masculinas sobre os crimes que estão acontecendo na região. Isso ficou evidente para mim em um trecho quando Rosa conta sobre um dia que encontrou um colega da universidade por acaso na rua; ele a convida para entrar no carro e você pensei “Já era.”

E nessas suspeitas, o autor acaba desviando nossa atenção, por um momento é esquecido que os crimes de Santa Teresa não são a única questão a ser respondida. E eu adoraria comentar sobre a conclusão desse capítulo, mas a verdade é que pode acabar estragando a experiência de leitura de muita gente, até porque carrega novas questões. Mas fiquemos assim: fôlego novo para a história, e mais vontade ainda de continuar lendo. E a essa altura já deu para ter certeza que Bolaño é um danado que não vai entregar o ouro fácil para ninguém.

2666

Roberto Bolaño
Tradução: Eduardo Brandão
856 páginas
Preço sugerido: R$ 55,00