Ensaio sobre a cegueira

ensaio_sobre_a_cegueira.jpgAcredito que já comentei por aqui que meu maior problema com o Saramago são aqueles parágrafos enoooormes que faziam com que eu acabasse me perdendo e nem sacasse que o sujeito está a descrever um quadro ou qualquer coisa do tipo (aí, o único livro dele que consegui ler até o fim foi O Ano da Morte de Ricardo Reis, aliás, altamente recomendável). Enfim, resolvi ler o tal do Ensaio sobre a cegueira, até porque pessoas confiáveis (hehe) elogiaram muito e eu achava que o tio Saramago merecia uma chance.

Antes de falar do livro, vamos ao resultado: agora eu quero ler tudo o que ele já possa ter escrito, até poesia em bolacha de boteco se for o caso. O Ano da Morte… é legal, muito bom mesmo, mas o que ele faz em Ensaio sobre a cegueira é único, é apaixonante.

A história fala de uma epidemia de cegueira, uma cegueira que faz com que todos vejam um “mar branco”, ao contrário da escuridão total da cegueira comum. As autoridades, preocupadas com o rumo que a tal da epidemia pode tomar, decide mandar todos os cegos para um manicômio abandonado, prometendo mandar comida de quando em quando.

Saramago foca em um grupo que aparentemente foram os primeiros a ficar cego, portanto os primeiros a chegar no manicômio. O modo como ele vai descrevendo a degradação daquelas pessoas mexe com você de uma forma absurda, tem horas que dá até medo de fechar os olhos e depois ao abrir ficar cego.

Mas mais do que isso, Saramago é genial no retrato do humano. Chega uma hora que um médico cego diz à esposa que a cegueira não fez deles melhores nem piores, eles continuam o mesmo. Essa fala tão simples, largada no meio de um parágrafo, é extremamente assustadora. Porque naquela altura, você começa a ver o que as pessoas “nem melhores, nem piores” começam a fazer umas com as outras, e nota que pouco de “humanidade” sobra aos cegos.

É um retrato chocante do que temos de mais sujo dentro de nós, no final das contas. E o mais interessante: uma vez que o autor não dá nomes às personagens (são sempre citadas como “o médico”, “a moça dos óculos escuros”, etc.), nem ao lugar (você não sabe qual é o país, qual é o nome da rua que eles moram e por aí vai), é uma história que pode acontecer em qualquer lugar. Até porque ele foi tão fundo, que claramente não mostra só o povo português.

Confesso que me arrependo muito de não ter lido esse livro até o fim antes (sempre ficava na parte do motorista chegando em casa). Se eu fosse você, corria para uma biblioteca ou uma livraria e leria esse livro. Poucos causarão tanto impacto sobre você quanto Ensaio sobre a cegueira.

Em tempo: Fernando Meirelles está dirigindo uma adaptação para o cinema que chegará por aqui com o nome “Cegueira“. Pontos fortes: o elenco escolhido inclui vários tipos (oriental, americano, latino, etc.) o que reforça o que comentei ali, sobre ser algo sobre a humanidade em si, não sobre um povo em específico. O único porém é que vi (poucas) fotos da produção, mas a sensação que dá é que eles não carregarão a mão na sujeira como aparece no livro. Pelo menos a Julianne Moore e o Mark Ruffalo não aparecem cheio de merda, por exemplo.

E acreditem, isso pode parecer bobagem, mas a falta de asseamento dos cegos é importantíssima para a ambientação na narrativa, é um elemento tão forte no texto quanto a própria epidemia. Mas vamos dar uma chance até porque o Meirelles não é moleque, hehe.

9 comentários em “Ensaio sobre a cegueira”

  1. Nossa Ana, fiquei surpreso pois assim como você nunca dei uma chance ao velho 🙂 Acho que tenho o Ensaio sobre a Cegueira em SP, próxima vez que passar lá vou pegar para ler. :joinha:

  2. vc PRECISA ler evangelho segundo jesus cristo. dia desses discutia o livro com uma amiga e, relembrando das passagens, me dei conta de como ele é arrebatador.

    intermitências da morte é ótimo também, mas a primeira metade peca um pouco porque não foca em personagens específicos. é como se em Ensaio não houvesse médico, mulher do médico e etc, apenas uma descrição interminável do caos que o país atravessa. mas a segunda metade do livro é maravilhosa.

  3. Alexandre Esposito – Eu sou apenas um rapaz latino americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior. Mas trago na cabeça uma canção do rádio em que um antigo compositor baiano me dizia "tudo é divino, tudo é maravilhoso".
    Alexandre Esposito disse:

    Ainda não li, pretendo, mas acho improvável que eu vá ler antes do filme.

    Aliás, eu ando bem relapso nas minhas leituras.

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